Microdosagem de ayahuasca é a nova tendência entre os biohackers
Por Nathan Vieira • Editado por Luciana Zaramela |

Já faz tempo que a microdosagem de psicodélicos tem sido testada sob a premissa de descobrir potenciais terapêuticos. Entre substâncias que despertam interesse acerca dos efeitos na mente humana, existe a ayahuasca, produzida a partir da combinação da videira Banisteriopsis caapi com várias plantas, como a Psychotria viridis e a Diplopterys cabrerana. Ela tem se tornado uma tendência entre os biohackers brasileiros.
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Biohacking é a prática de fazer modificações no corpo humano e otimizar o funcionamento biológico por meio de técnicas, intervenções ou mudanças de estilo de vida. Logo, os biohackers são indivíduos que exploram e experimentam diferentes abordagens (como suplementação dietética, terapias hormonais, uso de dispositivos tecnológicos, dietas específicas, entre outras intervenções) para maximizar seu potencial biológico.
A microdosagem de psicodélicos refere-se ao consumo de doses mínimas dessas substâncias, insuficientes para induzir uma experiência psicodélica completa, mas que supostamente podem oferecer benefícios cognitivos. Na comunidade científica, já existem diversos estudos concentrados em descobrir o potencial terapêutico de psicotrópicos como LSD e cogumelos.
Mas o caso de microdosagem da ayahuasca pode ser considerado um fenômeno emergente, que transcende os limites convencionais da exploração científica e engloba questões éticas e riscos potenciais. A bebida é tradicionalmente utilizada em cerimônias religiosas e rituais espirituais em algumas culturas indígenas da Amazônia, principalmente na região da América do Sul.
As plantas utilizadas para a produção da bebida são ricas em dimetiltriptamina (DMT), um composto psicoativo poderoso que, quando consumido oralmente, é ativado pelas beta-carbolinas da Videira caapi, permitindo que seja absorvido pelo corpo e tenha efeitos psicodélicos.
O preparo é considerado sagrado por muitas culturas indígenas amazônicas, utilizado religiosamente na intenção de alcançar conhecimento espiritual, entrar em contato com os ancestrais.
Microdosagem de ayahuasca levanta questões éticas
No entanto, a falta de regulamentação e pesquisas científicas suficientes sobre os efeitos em longo prazo da microdosagem levanta questões éticas. Médicos e especialistas alertam que a automedicação sem orientação profissional adequada pode levar a consequências negativas para a saúde mental e física.
Segundo o doutorando em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp, que estuda o movimento biohacking no Brasil, Juliano Sanches, “embora haja evidências preliminares promissoras sobre os benefícios terapêuticos dos psicodélicos, devemos ser cautelosos e respeitar os protocolos de pesquisa para garantir a segurança e a eficácia dessas substâncias".
Além dos riscos individuais, a apropriação cultural e a falta de reconhecimento dos conhecimentos dos povos originários também são questões abordadas. Com isso, a prática de microdosagem fora desse contexto pode ser vista como uma forma de apropriação, ignorando a sabedoria ancestral dessas comunidades.
Psicodélicos e benefícios terapêuticos
A comunidade científica já chegou a apontar que o LSD pode reativar a cognição, desde que prescrito e tenha seu uso acompanhado por especialistas. Em 2022, outro estudo ressaltou esse potencial, não apenas dessa substância específica, mas também de outras drogas psicotrópicas, capazes de "reabrir" o cérebro para novos aprendizados.
Além disso, em estudo publicado na Neuropsychopharmacology, pesquisadores passaram a testar os efeitos terapêuticos da mistura de LSD e MDMA. A descoberta é que essa mistura pode aumentar os impactos positivos no humor e diminuir a ansiedade associada à resposta do LSD.
Como a ayahuasca age no cérebro
Em março, um estudo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) revelou como a ayahuasca age no cérebro: o princípio ativo induz a um aumento do estado de conectividade em todo o cérebro (hiperconectividade), através dos neurônios, envolvendo até mesmo áreas normalmente distantes.
Segundo o estudo sobre a ayahuasca e o cérebro, quando um voluntário recebia DMT, havia uma desregulação acentuada de alguns dos ritmos cerebrais que normalmente seriam dominantes. Na prática, o órgão mudou seu modo de funcionamento para algo totalmente anárquico, de modo que áreas específicas relacionadas com a imaginação trabalhassem de forma pouco usual.
Fonte: PNAS, New Scientist, Healthline