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Inteligência artificial: um novo passo rumo ao diagnóstico do autismo

Por| Editado por Luciana Zaramela | 28 de Abril de 2021 às 14h30

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LightFieldStudios/envato
LightFieldStudios/envato

Em 2019, o Canaltech trouxe à tona como a tecnologia está ajudando pessoas com autismo no Brasil. Desde então, as coisas mudaram. O mundo mudou. Inovações chegaram. E no que diz respeito ao Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), não é diferente. A Samsung está apoiando uma startup brasileira chamada CogniSigns no desenvolvimento de uma inteligência artificial que pode ajudar no diagnóstico.

Trata-se da V.E.R.A. (Virtual Empathic Robot Assistant, que significa Assistente Virtual de Robô Empático em inglês), uma plataforma baseada em neurociência e inteligência artificial capaz de identificar tanto sinais de TEA quanto comportamentos indicadores de Superdotação.

Funciona assim: primeiro, a plataforma faz um pré-diagnóstico online, em que tanto quem está sendo examinado quanto familiares ou responsáveis conversam com a assistente, como em uma rede social, respondendo a questionários baseados em protocolos internacionais de saúde e adaptados à idade e características do examinado. Com base nas respostas, o resultado da possibilidade de autismo é enviado automaticamente.

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Na sequência, é oferecida uma segunda etapa de triagem, chamada de “V.E.R.A. Foco Atencional”: um processo de reconhecimento de expressões faciais e rastreamento ocular, que gera um alerta caso quem está sendo examinado demonstre reações comportamentais específicas. O software permite à câmera do dispositivo ser um rastreador ocular e gerar um mapa de calor, indicando visualmente o direcionamento do olhar para os pontos de maior atenção visual. A partir daí, a V.E.R.A. disponibiliza um relatório de orientação para auxiliar os profissionais de saúde no diagnóstico e avaliação da evolução do paciente durante o tratamento.

Tecnologia ajuda pessoas com autismo

“No Brasil, segundo a Associação de Amigos do Autista (AMA), apenas 0,15% dos autistas são assistidos. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), somente 0,04% dos brasileiros superdotados foram identificados. Nossa missão é mudar esse quadro para melhor e criarmos um mundo melhor para autistas”, declara Leandro Mattos, CEO da CogniSigns.

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A iniciativa é possível por causa do Samsung Creative Startups, que tem como propósito promover e acelerar soluções para o dia a dia por meio da tecnologia. "A V.E.R.A é uma solução digital que democratiza o acesso e interfere diretamente no aumento da qualidade de vida de toda a família de quem pode ser diagnosticado com TEA e/ou Superdotação, além da chance de começar cada vez mais cedo um importante processo de inclusão social, a partir de estratégias adequadas e assertivas de profissionais adequados”, afirma Paulo Quirino, coordenador nacional do programa Creative Startups na área de pesquisa e desenvolvimento da Samsung.

Questionado sobre a importância de usar a inovação tecnológica para ajudar as pessoas com autismo, Paulo Quirino aponta: "A complexidade no diagnóstico de autismo pode provocar o atraso de tratamentos e cuidados. Ao unir os estudos da neurociência e a Inteligência Artificial, ganhamos muito com o dinamismo na triagem e, consequentemente, com a aceleração no tratamento".

Outro ponto destacado pelo coordenador está na escala que a tecnologia pode dar a uma solução como essa. "Na prática, a startup virtualizou um questionário, que faz parte já de um protocolo de saúde aplicado pela sociedade médica global, inclusive no Brasil, sendo já utilizado pelo SUS". No entanto, Quirino ressalta: "A solução não irá substituir a necessidade de buscar um atendimento médico especializado, mas auxilia na triagem de crianças e adultos que venham a ter algum sinal de que possam ter TEA, democratizando assim, muito mais, o acesso à saúde".

O coordenador explica que, ao ser selecionada pelo Creative Startups, a CogniSigns passou por diversas etapas. No início, a empresa recebeu um pacote de incentivos que inclui recursos financeiros e mentorias para aprender, por exemplo, a tabular pesquisas qualitativas e quantitativas de forma eficiente. Em seguida, teve que voltar a campo para entender se a solução faz sentido e atende de fato a um mercado.

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"Com esses insights em mãos, a startup passou para a segunda etapa em que teve que desenvolver um protótipo rápido, os testes e a validação. Neste momento, a startup está na fase de melhorias, refinamento da plataforma V.E.R.A., tudo isso com a orientação do time de User Experience da Samsung", explica.

Quirino ainda anuncia que todo o programa dura nove meses e termina com o demo day, uma apresentação para potenciais investidores e nomes do mercado, além de executivos da Samsung. A previsão é que essa apresentação ocorra em julho deste ano.

V.E.R.A. (Virtual Empathic Robot Assistant)

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Leandro Mattos conta que a ideia de desenvolver a V.E.R.A. veio a partir do objetivo de aplicar a tecnologia e os conhecimentos que a equipe tinha não apenas no âmbito do consumo, mas em prol da causa autista. "Passamos a nos dedicar a entender as dificuldades globais do autismo e em como poderíamos ajudar, de uma forma disruptiva e diferente de tudo o que existia até o momento. Foi quando descobrimos que um dos grandes problemas do autismo, é que apenas uma pequena minoria dos autistas conseguem obter um diagnóstico".

O CEO da CogniSigns argumenta que 99,85% dos autistas brasileiros passam a vida inteira sem descobrir que são autistas, o que impede a busca de auxílio diagnóstico e terem esperança por evoluções por intermédio de tratamentos. "Passamos a dedicar todo nosso foco em desenvolver uma tecnologia que pudesse aumentar o percentual de identificados no Brasil e no mundo, criando, assim, uma ferramenta de escaneamento populacional que pudesse ir digitalmente ao encontro daqueles que têm necessidade, realizando parte da consulta que tradicionalmente é realizada nos consultórios", observa.

Mattos menciona que, por meio do Samsung Creative Startups, está desenvolvendo um aprimoramento da V.E.R.A.: uma ferramenta de rastreio de TEA que diminui o tempo e altera a dinâmica do diagnóstico.

O CEO ainda conta que houve diversos desafios ao longo do caminho. O primeiro deles foi descobrir como automatizar a triagem para o TEA, que tradicionalmente é feita em um consultório. Para isso, desenvolveram um chatbot inteligente que aplica os mesmos protocolos de saúde utilizados em uma primeira consulta tradicional.

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Mas como em uma consulta tradicional, o profissional de saúde não faz apenas perguntas, ele também provoca reações e observa o paciente para identificar sinais comportamentais relacionados ao TEA, veio o segundo grande desafio: desenvolver uma tecnologia que também fosse capaz de identificar esses sinais sutis expressos no olhar e nas expressões faciais da pessoa analisada. "Existe uma área da Inteligência Artificial chamada Visão Computacional, que atua em captura, classificação e compreensão de imagens, convertendo-as em dados e viabilizando uma série de possibilidades de uso", explica o CEO.

Duas das subáreas da Visão Computacional são o reconhecimento facial e o rastreamento ocular, que, com o uso de matemática, podem identificar expressões faciais relacionadas a emoções e identificar para quais pontos da tela e por quanto tempo o usuário manteve contato visual. "É sabido que alguns dos sinais do autismo expressam-se na dificuldade em manter contato visual e engajar-se com situações sociais, além de compreender e reverberar expressões faciais. O que fizemos foi utilizar essa tecnologia de ponta e ajustá-la para identificar possíveis sinais de TEA em crianças, adolescentes e adultos", aponta.

Mattos diz que apesar da etapa envolver um certo nível de complexidade em virtude dos recursos computacionais, para o usuário tudo acontece de uma forma muito simples: basta posicionar a pessoa a ser avaliada em frente a um computador comum com webcam, tablet ou smartphone, clicar no botão iniciar e assistir a um vídeo. Todo o restante acontece de forma automática por meio da V.E.R.A..

O terceiro grande desafio apresentado pelo CEO foi disponibilizar essa tecnologia de forma acessível a toda a população, em especial, às classes mais carentes. "Por esse motivo, a primeira etapa da triagem digital, que foca na aplicação de protocolos de saúde, é oferecida sem custo algum para o usuário", conta.

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O Futuro da V.E.RA.

Tendo tudo isso em mente, qual é o futuro da V.E.RA.? Segundo Andresa Roveda, CSO da CogniSigns, a ideia éque a V.E.R.A. seja uma espécie de "teste do pezinho" para o autismo. "Para isso, ela está sendo disponibilizada em escolas e avançando fronteiras, ajudando a identificar autistas em todo o mundo. Atualmente, a CogniSigns já conta com bases operacionais nos EUA e Emirados Árabes Unidos".

De acordo com Andressa, o foco tecnológico também está concentrado em ampliar a atuação da plataforma para identificar outras condições humanas. Atualmente, a plataforma também identifica sinais de Altas Habilidades/Superdotação. A nova versão chama-se Eugênio e foi desenvolvida a partir de uma demanda vinda de uma parceria pedagógica educacional que temos com uma escola municipal incrível de Florianópolis chamada EBIAS (referência estadual em educação especial) que já identificou diversas crianças em todo o Brasil e em outros países.

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"O próximo passo será expandir para a aplicação no campo da saúde mental, mais precisamente, na identificação de sinais de depressão", anuncia a CSO. "Nossa plataforma utiliza a tecnologia como ferramenta para apoiar a saúde e educação, orientando com dados, para tomadas de decisão mais assertivas, e essa é uma tendência que, a cada dia, vem se aprimorando e ganhando força nas áreas de diagnóstico por imagem, medicina clínica e pesquisas biomédicas", completa.

Sob o ponto de vista de Andressa, com a adoção da V.E.R.A. e do Eugênio como política municipal, estadual e nacional, seria possível encontrar, de forma rápida e precoce, uma grande parcela de autistas e superdotados que permanecem na invisibilidade e alheios de diagnóstico e tratamento, gerando, consequentemente, um custo social e financeiro para todos. "Encontrá-los pode significar qualidade de vida para famílias e esperança para autistas lutarem por dignidade e inclusão. Para superdotados, a possibilidade de criarmos oportunidades para que possam, a partir de seus talentos extraordinários, surpreender o mundo", opina.

O outro ponto de vista

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A farmacêutica Daniela Freitas, de 43 anos, é mãe de Vitor, que foi diagnosticado com TEA aos 6 anos. Em conversa com o Canaltech, revela os desafios que uma pessoa com autismo enfrenta no dia a dia: "Penso que o maior desafio esteja relacionado com a falta de apoio adequado as suas especificidades, pois ainda não entendemos as reais necessidades das pessoas com autismo".

Como mãe de uma criança com autismo, Daniela vê um potencial na V.E.R.A. "O grande potencial desta iniciativa é a facilidade e a democratização do acesso a um diagnóstico. Com a triagem entendemos a necessidade e a importância de procurar um médico especialista", afirma.

A farmacêutica conta que a experiência de contar com o auxílio da ferramenta para fazer o diagnóstico do filho foi positiva. "Fizemos tudo de casa, no nosso tempo e o resultado é imediato. Para nós [a importância de fazer esse diagnóstico] foi a possibilidade de entender melhor o nosso filho e para escola também, pois os professores têm condições de selecionar as melhores metodologias e estratégias de ensino", diz.

"Ainda é muito necessário para demarcar espaço de visibilidade, chamar atenção para as especificidades das pessoas com autismo e regulamentar políticas públicas que promovam a inclusão social e educacional", finaliza a mãe de Vitor.

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Por fim, Andressa ressalta a necessidade de contar com a adoção de pais, professores, profissionais da saúde, empresas e governos. "Juntos, mudaremos o quadro do autismo no Brasil e no mundo. Sabemos o que fazer e temos ferramentas para isso. O que estamos discutindo é quanto tempo levará para alcançarmos a todos que precisam ter conhecimento que existimos", conclui.