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Crise de Identidade é até hoje a saga mais controversa da DC Comics

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DC Comics
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Se tem uma coisa que todo fã de quadrinhos de super-heróis sabe bem é que a Marvel Comics é conhecida por seus eventos “secretos” (Guerras Secretas, Invasão Secreta, etc.) e a DC Comics ficou popular com suas “crises” (Crise nas Infinitas Terras, Crise Infinita, etc.). No caso da segunda, as histórias reúnem quase todos os personagens da editora, normalmente em narrativas de amplitudes cósmicas. Mas tem uma dela em especial que promoveu um grande encontro de heróis em torno de uma trama, digamos, mais “intimista”: por isso e outros aspectos, Crise de identidade é a mais controversa das grandes sagas no universo de Batman, Superman, Mulher-Maravilha e companhia.

Para lembrar o que foi Crise de Identidade, é preciso voltar ao início dos anos 2000, quando o mercado de quadrinhos vinha se recuperando de um grande baque. A década anterior viu uma estafa de títulos no setor norte-americano de heróis, com tramas pobres que tentavam compensar a falta de criatividade com splash pages de cenas de ação nas mãos de jovens artistas — alguns com mais talento que outros, a exemplo do contraste entre Jim Lee e Rob Liefield.

As mortes de vários “medalhões”, como Superman, Lanterna Verde e Arqueiro Verde, por exemplo, mostraram-se muito mais como jogadas de marketing do que histórias que realmente perduraram como os melhores momentos da DC Comics. Veja bem, no final dos anos 1990, o setor estava tão saturado nos Estados Unidos que o mercado independente (com expoentes como Bone) e estrangeiro (em especial os mangás, como Dragon Ball e Lobo Solitário) passaram a fazer mais sucesso que os super-heróis. A Marvel Comics decretou falência nessa época e foi obrigada a se desfazer de direitos de personagens — algo que reverbera até hoje no uso dos mesmos nos cinemas.

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Na virada do século, a DC Comics passou a buscar talento de fora do meio tradicional, afinal, para contar histórias diferentes é preciso trazer pessoas com formações diferentes, certo? Um desses nomes foi o romancista Brad Meltzer, especialista em livros que abordam assassinatos misteriosos, tramas policiais e teorias da conspiração, The Tenth Justice ou The Lincoln Conspiracy. E essa experiência deu certo, pois o autor fez um excelente trabalho em seu recomendadíssimo arco com o Arqueiro Verde, que retornava dos mortos em 2001.

O grande sucesso fez com que a editora pensasse em Meltzer com mais carinho. Assim, ele foi o nome mais cotado para comandar o próximo grande evento da DC Comics: Crise de Identidade. Como sempre, os leitores esperavam por algo bombástico, capaz de estremecer a própria fundação do Multiverso DC. Mas, não foi bem isso que aconteceu.

Crise de Identidade vai na linha “murder mistery”

Lançada em 2002, pelas mãos de Meltzer e do desenhista Rags Morales, Crise de Identidade é um dos crossovers mais sombrios e polêmicos das histórias em quadrinhos. E suas consequências assombrariam os heróis por vários anos após sua publicação. Em vez de conflitos espetaculares no espaço, a história se manteve na Terra, mais especificamente no núcleo da vida pessoal dos personagens, em uma trama que partiu de um misterioso assassinato. Os traços mais realistas de Morales ajudaram a tornar a ambientação ainda mais “pé no chão” e intimista.

O evento acontece em um contexto em que Ralph Diby, o Homem Elástico, vive um casamento feliz com sua esposa, Sue; enquanto Eléktron ainda sofre com as idas e vindas de seu relacionamento com Jean Loring. Arqueiro Verde, que sempre manteve conexões com a política, tornou-se ainda mais engajado ao longo de seu amadurecimento.

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Como dá para notar, Meltzer costurava detalhes pessoais que normalmente não eram explorados pelos outros autores — exemplo disso é a treta que o Arqueiro Verde e o Falcão Negro alimentavam já há algum tempo, e piorou durante essa trama. Batman aparece em uma versão ainda mais paranoica e desconfiada com todos os outros heróis. E aí entra em cena dois vilões que não costuma ter tanta relevância durante as “crises”: o Exterminador e Doutor Luz.

A minissérie em sete edições inicia quando o Homem Elástico descobre que alguém assassinou sua esposa, deixando carbonizada e irreconhecível. Sua morte chocante tem um fator agravante: Sue tinha acabado de engravidar de seu primeiro filho. E as tragédias não param por aí.

Estupro e lobotomia chocaram os leitores

Quando a Liga da Justiça passa a investigar o caso, algumas revelações obscuras do passado vêm à tona. A primeira suspeita dos heróis é o Doutor Luz, mas muitos não querem discutir esse assunto. Quando o Lanterna Verde e o Flash, representados pelos então novatos Kyle Rayner e Wally West, perguntam o que aconteceu, os relatos trazem do passado um episódio sombrio da época da Era do Satélite — a chamada “era de ouro” da equipe, que compreende entre o final dos anos 1970 e meados dos anos 1980.

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Aconteceu o seguinte: o Lanterna Verde Hal Jordan, o Flash Barry Allen, Zatanna, Falcão Negro, Arqueiro Verde, Eléktron e Canário Negro descobrem que o Doutor Luz estuprou Sue Dibny. Eles capturam o vilão e, enquanto decidem o que fazer com essa situação, discutem bastante uns com os outros — e aí vemos como começou a treta entre o Falcão Negro e Arqueiro Verde.

E um ato questionável, eles decidem usar os poderes mágicos de Zatanna para “lobomotizar” o Doutor Luz, fazendo-o esquecer as identidades secretas dos personagens — afinal, foi assim que ele descobriu que Sue era mulher de Ralph. Só que, mais tarde, ficamos sabendo que o Batman também estava presente e condenou essa ação. O grupo decidiu, então, apagar as memórias dele também.

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Durante Crise de Identidade, o Exterminador e o Doutor Luz unem forças com outros vilões, enquanto a Liga da Justiça tenta lidar com a morte de Sue. As coisas pioram quando o pai de Tim Drake, o terceiro Robin, é aparentemente assassinado pelo Capitão Bumerangue; e Jean Loring, esposa de Eléktron, é encontrada enforcada e quase morta.

Como dá para notar, é muita coisa bombástica junta, o que aumentou a expectativa sobre a descoberta de quem realmente tenha assassinado Sue. O final não empolgou muito, mas apresentou mais uma reviravolta, com a revelação de que Jean Loring é quem estava por trás da morte. Na tentativa de chamar a atenção de Eléktron e restabelecer seu relacionamento ela decidiu atacar Sue e, acidentalmente, matou-a. E, não bastasse o motivo fútil, ela terminou o serviço com a ajuda da tecnologia de Ray Palmer, usando um lança-chamas. Para que ninguém desconfiasse, Jean simulou o enforcamento.

A conclusão causou grande polêmica, não só por ser algo bem diferente do que os leitores esperavam de uma “crise”, como também por descartar duas personagens queridas, como Sue e Jean, de forma tão violenta, envolvendo estupro e desequilíbrio mental. E isso tudo levou a grandes consequências nos anos posteriores.

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Pós-Crise de Identidade

Com a saga, tanto o Doutor Luz quanto o Exterminador, que antes eram vistos como personagens “Série B” e ameaças aos Novos Titãs, foram alçados a vilões de proporções maiores, com capacidade de enfrentar os veteranos do Universo DC. Eles até mesmo se tornaram os fundadores da Sociedade Secreta dos Supervilões. Jean Loring, que ficou presa no Asilo Arkham, recebeu um cristal misterioso e se tornou uma versão de Eclipso, que corrompeu o Espectro.

Depois de perceber que Zatanna e a Liga da Justiça haviam apagado suas memórias, Batman criou o sistema de vigilância com autômatos conhecidos como OMAC, que eram controlados por um satélite-espião chamado de Irmão Olho. Esse sistema viria a ser roubado por Maxwell Lord, que, por sua vez, usou-o para cometer crimes; e isso gerou a icônica cena em que a Mulher-Maravilha quebra seu pescoço para detê-lo.

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Além disso, os heróis passaram por um tempo de desconfiança, e precisaram aprender a lidar com as diferenças e os problemas do passado para atuar novamente como uma Liga da Justiça mais poderosa. No final das contas, Meltzer e Morales conseguiram criar um material que intrigou os leitores e mexeu com o núcleo de vários personagens.

Mas, como dá para notar, os temas, a abordagem narrativa e a própria conclusão tornam a Crise de Identidade a saga mais controversa da DC Comics. E, embora as consequências não sejam assim mais tão relevantes nos dias atuais, as marcas dessa história estão aí até hoje nas páginas da Liga da Justiça.