Alan Moore criou saga revolucionária nunca publicada pela DC Comics
Por Claudio Yuge | •
Alan Moore é uma das lendas vivas dos quadrinhos. Ele descontruiu o conceito de super-heróis com Miracleman e Watchmen, ajudou a amadurecer a leitura com seu Monstro do Pântano e John Constantine e trouxe várias outras “bíblias” da Nona Arte ao longo de sua carreira, a exemplo de V de Vingança, Batman: A Piada Mortal, Do Inferno, A Liga Extraordinária, entre outros clássicos instantâneos. Já faz bastante tempo que ele não se interessa mais pelos super-heróis, mas uma de suas sagas prometia revolucionar o Universo DC nos anos 1980 — mas ela nunca aconteceu, por diversos fatores.
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Em 1986, a DC Comics vivia um momento efervescente, com a Crise nas Infinitas Terras solucionando problemas cronológicos e unindo as várias Terras paralelas da editora em um só mundo. Ao longo das décadas, a empresa teve versões muito diferentes de Batman e Superman, por exemplo; e comprou propriedades da Fawcett Comics e da Charlton Comics, como Shazam e Besouro Azul.
Então, esta saga ajudou a solucionar problemas de cronologia e deixar tudo mais compreensível para os novos leitores, com um novo começo — os reboots não eram populares antes disso.
Nesse período, Batman — O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, trouxe uma visão adulta e pessimista, porém igualmente inteligente e divertida, do Homem-Morcego em idade avançada — algo como “o que aconteceria no futuro, nos últimos dias de Bruce Wayne?”.
Nessa mesma época, Alan Moore conquistava cada vez mais prestígio na DC Comics e no mercado, especialmente por conta do que havia realizado com Monstro do Pântano e Watchmen.
Inspirado pela obra de Miller, Moore apresentou uma ideia para a editora que reuniria todos os heróis em uma saga chamada Twilight of the Superheroes (“Crepúsculo dos Super-Heróis”, em tradução literal). A intenção do autor era a de criar um conceito de conclusão para a infinita trajetória dos personagens e elevar as propriedades a uma posição mítica, comparável a lendas como a do Rei Artur.
Contudo, a série, que teria 12 edições e afetaria toda a continuidade DC, nunca foi realizada e somente veio à tona anos depois, quando foi registrada nos primeiros dias da Internet, nos anos 1990.
O que teria acontecido?
Em Twilight of the Superheroes, John Constantine é abordado por Rip Hunter, que vem do futuro para alertá-lo sobre a queda dos super-heróis. Hunter diz que décadas à frente, a sociedade entrou em colapso e as dinastias do seres superpoderosos dominam o mundo.
A Casa de Aço (Superman, Mulher-Maravilha e seus filhos, Supergirl e Superboy) deve pretende se tornar mais poderosa por meio de um casamento arranjando com a Casa do Trovão (Capitão Marvel e Mary Marvel e seus filhos, Mary Marvel Jr. e Capitão Marvel Jr.) — vale destacar que, na época, a DC ainda chamava Shazam de Capitão Marvel.
Essa união aterroriza as outras facções: a Casa dos Titãs (remanescentes dos Novos Titãs, liderados por um amargurado Asa Noturna), a Casa da Justiça (os últimos heróis, liderados por Donna Troy), a Casa do Mistério (com os últimos personagens ligados à magia na Terra), a Casa dos Segredos (os vilões restantes), a Casa do Amanhã (vários viajantes deslocados no tempo fazendo o possível para evitar danos à linha temporal) e a Casa das Lanternas (os últimos gladiadores esmeralda, exilados na Terra, e agora planejando uma invasão a Marte). Todos se preparam para o casamento à sua maneira.
Dois outros mistérios dominam a história. Um deles se concentra em Batman, que está desaparecido há anos e muitos acreditam que ele esteja morto, mas, na verdade, ele faz parte de um grupo secreto. O outro é envolve o Questão investigando o assassinato de um anão, que morreu por uma desconhecida e poderosa força.
O futuro John Constantine leva as Casas a entrar em conflito, pressionando uma aliança entre a Casa dos Titãs, a Casa da Justiça e a Casa dos Segredos. Enquanto isso, ele parece estar ajudando uma iminente invasão alienígena, comandada por Adam Strange.
À medida que o casamento se aproxima, Superman e Mulher-Maravilha têm problemas para controlar seu filho sádico, enquanto Mary Marvel Jr. teme a união. No dia dos votos, o bloco criado pelas outras casas ataca.
A batalha é brutal e sangrenta, e os únicos sobreviventes são Superman, Capitão Marvel e poucos (Mary Marvel, Capitão Marvel Jr e Supergirl) que fogem do planeta e encontram um lar em outro lugar.
Superman descobre a verdade
Quando a invasão alienígena orquestrada por Adam Strange começa, o Homem de Aço fica sabendo que o Capitão Marvel, na verdade, está morto há semanas: ele era justamente o suposto anão, que, na verdade, era uma criança, que o Questão vinha investigando. O assassino é um metamorfo, que se passava pelo Capitão Marvel. O autor do crime é ninguém menos do que o Caçador de Marte.
Apesar de seus esforços, a invasão é demais para Superman lidar sozinho e ele fica sobrecarregado. Antes que os alienígenas possam tomar controle, Batman e seus aliados secretos, incluindo Constantine, conseguem deter os extraterrestres e destroem a armada espacial.
Para o horror do atual Constantine, muitas das coisas que acontecem no momento presente se alinham para que esse futuro aconteça, mas de uma forma que os heróis se enfrentem e a humanidade prevaleça. No final, o bruxo de rua, que até vislumbrava um lado mais brilhante em sua vida, decide deixar uma mulher pela qual estava destinado a se apaixonar e evitar o que aconteceu no futuro descrito por Hunter. O personagem, então, volta a se tornar sozinho e amargo.
Mas por que isso não aconteceu?
Havia a questão dessa saga estar muito próxima de Crise nas Infinitas Terras. Como Twilight of the Superheroes lidava com a criação de linhas temporais e realidades paralelas, ia contra tudo o que a DC Comics tinha feito para unir todos seus personagens em uma só Terra. Além disso, a caracterização sombria de diversos personagens, especialmente na linhagem do Superman, deixou os executivos apreensivos — embora os anos 1980 seja caracterizado justamente por essa abordagem mais “crua” e realista.
Contudo, muitas dessas ideias foram aproveitadas de outras formas na editora, sem a bênção de Moore — e talvez essa seja uma das razões pelas quais o autor tenha encerrado de vez sua relação com a DC Comics. O crossover Armageddon 2001, publicado em 1991, por exemplo, envolve um mensageiro do futuro viajando para o presente para convencer os super-heróis a evitar um futuro desastroso. Em Reino do Amanhã, de 1996, acontece algo semelhante, com uma batalha entre gerações de heróis.
Em 1999, a DC Comics introduziu uma abordagem mais flexível sobre linhas temporais, bem semelhante à proposta de Moore, no que ficou conhecido como Hypertime. E em Crise Infinita, de 2005, e no reboot dos Novos 52, em 2011, a editora reintroduziu suas múltiplas Terras com elementos que podem ter sido inspirados pela ideia inicial do autor inglês — e isso inclui a proposta do Ciborgue se tornar quase totalmente uma máquina.
Na animação Liga da Justiça Sombria: Guerra de Apokolips, também é possível ver influência da história do roteirista britânico, assim como na série DC's Legends of Tomorrow. E vale destacar que Constantine, que atualmente é bastante popular, não era muito conhecido assim no final dos anos 1980.
Twilight of the Superheroes tinha alguns conceitos já explorados por Moore em Miracleman e poderia ter sido o Game of Thrones dos quadrinhos de sua época. E, infelizmente, a briga entre o escritor e a DC Comics impediu que o próprio autor revisitasse seu conceito e o executasse em outros períodos. Mas, para todos os efeitos, mesmo esquecida e nunca produzida, a saga se tornou um marco na história dos quadrinhos.