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Por que o calor vem causando tantos danos na Europa?

Por  • Editado por  Rafael Rigues  | 

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Wirestock/Freepik
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Enquanto os termômetros do Reino Unido chegaram à a temperatura histórica de 40,2 ºC, a França alertou sua população sobre o calor extremo e incêndios mortais varreram Portugal, Espanha e outros países, forçando milhares de pessoas a deixar suas casas. Em meio às mudanças climáticas induzidas pela ação humana, as ondas de calor vêm ficando cada vez mais frequentes e intensas. Mas por quê? E o que esperar destes fenômenos no futuro?

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), instituição dos Estados Unidos que estuda e monitora sistemas terrestres, descreve que as ondas de calor são períodos marcados pelo tempo anormalmente quente, que costumam durar mais de dois dias. Como têm potencial para se expandir por grandes áreas, as ondas de calor submetem grande quantidade de pessoas a temperaturas que podem causar problemas sérios para a saúde e até levá-las à morte.

O calor extremo também causa efeitos consideráveis na infraestrutura, prejudicando tanto ferrovias quanto operações de aeroportos. Além disso, as ondas de calor podem, ainda, causar impactos consideráveis e duradouros em plantações, reduzindo a produção e afetando os custos para fazendeiros e consumidores.

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Entendendo o calor na Europa

Willians Bini, diretor de agronegócio da empresa de meteorologia Climatempo, destaca que, no momento, o hemisfério norte está passando por meses mais quentes em função do verão. “Aqui no Brasil, quando você tem um verão chuvoso e um inverno mais frio, normalmente tem uma relação com fenômenos de grande escala como o El Niño e a La Niña", explicou, em entrevista ao Canaltech. Ambos atuam em escala global, provocando algumas alterações nos padrões normais de temperatura e de chuva.

Enquanto isso, o Brasil vem passando por um bloqueio atmosférico. “Está seco, as frentes frias não estão chegando e, consequentemente, você acaba tendo tardes mais quentes — mas essa condição de tempo seco e temperaturas altas no centro-oeste, e em parte do sudeste, é normal, tanto que não estamos falando em recordes de temperatura no país”, observou Willians.

Ele destaca que o calor extremo que vem atingindo a Europa e os Estados Unidos não tem relação com a La Niña, fenômeno marcado por um resfriamento anômalo das águas do oceano Pacífico. “O ponto principal é que esse momento que estamos passando, de mudanças climáticas, faz com que os extremos climáticos sejam mais fortes”, alertou ele. Portanto, cada vez mais devem haver eventos como chuvas fortes e picos de calor e de frio.

Vale lembrar que, embora estejamos acostumados com temperaturas médias maiores que as que estão ocorrendo na Europa, isso não significa que o calor extremo por lá seria recebido com normalidade por aqui. “O que está acontecendo lá não é normal, a gente também estaria sofrendo, também teríamos problemas de desidratação se acontecesse aqui o que está acontecendo lá”, ressaltou. “Somos um país tropical, mas os extremos climáticos que acontecem aqui também nos trazem impactos”.

Os efeitos da onda de calor

Recentemente, aeroportos em Londres tiveram suas pistas danificadas em função do calor. Ricardo Dias, mestre em engenharia de estruturas e professor adjunto na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, explica que, durante a fase de projetos de infraestrutura, os países precisam levar em conta os efeitos relacionados a fenômenos naturais particulares de cada local (como ventos, chuvas e ocorrência de neve).

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Os levantamentos normativos mostram as variações térmicas que devem ser consideradas, para que as estruturas sofram menos impactos pelas deformações causadas pela temperatura. “Como o aquecimento global tem trazido temperaturas extremas, sem registros anteriores, as obras construídas na Europa não levaram em consideração as variações térmicas elevadas, nunca conquistadas na região”, disse ele.

Por exemplo, o calor acentuado fez com que os trilhos dos trens acabassem se dilatando mais que o projetado. “As juntas de dilatação, os espaços vazios obrigatórios entre as peças longas do trilho, não têm, portanto, espaço suficiente para o alongamento que tem acontecido”, disse, em entrevista ao Canaltech. Na prática, isso fez com que as peças se expandissem a ponto de causar deformações não previstas na estrutura dos trilhos.

Os impactos do forte calor se estendem também para as estradas. “O asfalto fica maleável em altas temperaturas e, assim, pesos acentuados colocados sobre eles deformam a pista, afundando-a pontualmente”, explicou o professor. Com isso, a passagem de veículos pode ser dificultada e até impedida.

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Como o Brasil é um país tropical, Ricardo ressalta que as variações térmicas positivas acentuadas já são consideradas nos projetos, quando comparadas com países setentrionais. “ Nas obras construídas aqui, poderemos sofrer mais, acredito, com os extremos que tragam neve (peso hoje desconsiderado aqui em coberturas) e ventos muito acelerados – que também são resultados do superaquecimento do planeta – se aqui ocorrerem”, sugeriu.

O que esperar no futuro?

Willians destaca que a atual onda de calor no hemisfério norte é um extremo climático temporário, que não deverá causar impactos nos próximos meses. Já no Brasil, as previsões dos verões em um futuro mais distante variam. “Existem diferentes cenários e projeções que o Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima ("IPCC", na sigla em inglês) projeta pra as próximas décadas, que mostram desde um cenário mais otimista até um mais pessimista”, apontou ele.

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Nestes cenários, podem haver efeitos como temperaturas médias mais altas e reduções no volume de chuva. “Agora, se falarmos do próximo verão, será um verão de La Niña, que vai trazer impacto negativo para a agricultura”, disse Willians. “Vale ressaltar que vai ser o terceiro ano consecutivo de La Niña, e a última vez que isso aconteceu foi entre 1998, 1999 e 2000”, observou.

Ele acredita também ser perigoso comparar o calor europeu com aquele que ocorre no Brasil. “Dá a impressão de que estamos acostumados com isso, mas quando falamos em Brasil, estamos falando em um país com dimensões continentais: temos o nordeste, que é um pouco mais quente e seco, mas também tem problemas de chuva”, disse. “Não vejo nenhuma lição [para ensinar à Europa], porque não vivemos no nosso cotidiano o que eles estão vivendo lá”.

Já Ricardo considera que, como o aquecimento global é um fenômeno de difícil reversão no ponto atual, deverá ser necessária uma revisão geral nas normas técnicas em relação aos valores das variáveis positivas que os países frios devem considerar. “Creio, então, que deverá ocorrer uma substituição gradativa e de longo prazo na infraestrutura, que hoje está despreparada para os novos extremos das ondas de calor”, explicou. Mas ressaltou: “até lá, poucas medidas paliativas satisfatórias podem ser aplicadas”.