O que é singularidade tecnológica e o que isso tem a ver com IA
Por Guilherme Haas • Editado por Douglas Ciriaco |
No cenário de inovação e evolução da inteligência artificial, um tema tem provocado a imaginação das pessoas e gerado debate entre cientistas e acadêmicos: a singularidade tecnológica. O conceito se refere a um evento hipotético futuro no qual a inteligência dos computadores conseguirá superar a dos humanos e determinará mudanças irreversíveis para a civilização.
O termo singularidade tem origem na matemática e na física como a descrição de um ponto de indefinição que pode apresentar comportamentos imprevisíveis. Albert Einstein popularizou esse conceito ao descrever o centro dos buracos negros — um ponto de densidade e gravidade infinitas no qual nenhum objeto pode escapar, nem mesmo a luz.
Na matemática, o conceito de singularidade é usado para descrever pontos em uma função ou equação nos quais o objeto matemático não é definido ou não é diferenciável, e sobre os quais as propriedades usuais podem não se aplicar.
Essa ideia de inflexão e imprevisibilidade foi emprestada para a definição de singularidade dentro da área de tecnologia.
O que é singularidade tecnológica?
A singularidade tecnológica seria um ponto hipotético no futuro no qual a inteligência das máquinas vai superar a capacidade humana e poderá se tornar incontrolável e até mesmo incompreensível para as pessoas — com resultados imprevisíveis para a humanidade.
Nesse ponto de inflexão, ou de nã retorno, as máquinas superinteligentes se tornariam capazes de construir versões melhoradas de si mesmas e tomar decisões próprias sem a supervisão humana.
A singularidade tecnológica também pode ser descrita como uma era de maior interação da biologia com a tecnologia, com aplicações de robótica, automação, genética e nanotecnologia que podem transformar a relação indivíduo-máquina.
Singularidade e a inteligência artificial
A evolução vista atualmente nos sistemas de inteligência artificial e nos modelos de linguagem em larga escala (LLMs) pode representar um passo em direção à singularidade tecnológica.
Ferramentas de IA generativa, como o ChatGPT, já apresentam capacidades avançadas de processamento de linguagem natural (PLN) e possuem treinamento com uma base de dados que engloba grande parte de todo o conhecimento humano.
Os modelos atuais de chatbot conseguem não apenas gerar textos sobre qualquer área ou especialidade, como também escrever códigos de programação, analisar documentos, produzir resumos e calcular dados de planilhas e relatórios.
O impacto da disseminação dessas ferramentas sobre a atividade humana é gigantesco: profissionais das mais diferentes áreas passaram a utilizar soluções de IA no dia a dia enquanto algumas ocupações começaram a ser substituídas por inteligência artificial.
Um estudo realizado em março de 2023 pelo banco Goldman Sachs, sediado em Nova York (EUA), indica que dois terços dos empregos atuais estão expostos a algum grau de automatização por ferramentas de IA, e que a IA generativa poderá substituir até um quarto de toda a força de trabalho ao redor do mundo nos próximos anos.
Enquanto isso, os modelos de linguagem são aprimorados, refinados e ficam cada vez mais potentes. Atualmente, companhias como Microsoft, OpenAI, Anthropic e DeepMind estudam o desenvolvimento de uma superinteligência artificial, ou uma inteligência artificial geral (AGI): uma proposta de IA que teria capacidade cognitiva similar ou superior à dos humanos.
A AGI envolveria um sistema que, além de executar tarefas e responder a comandos, seria capaz também de aprender com a experiência, adquirir conhecimento, realizar associações complexas e compreender contextos — em um funcionamento similar ao cérebro humano.
Muitas das discussões sobre a inteligência artificial geral são teóricas e hipotéticas, mas com frequência elas esbarram no conceito de singularidade tecnológica e no debate sobre os benefícios e riscos que essa superinteligência pode trazer para a humanidade.
Discussões sobre IA e a singularidade tecnológica
Segundo o conselheiro consultivo da ABRIA (Associação Brasileira de Inteligência Artificial) Cassio Pantaleoni, “todos aqueles que estão engajados com o desenvolvimento da IA creem que no futuro as máquinas superarão os humanos em certas capacidades, como hoje já é possível observar". "No debate entre os entusiastas e os céticos o que se encontra é uma perspectiva de time frame — o quando — para que isso se torne realidade”, comentou com exclusividade ao Canaltech.
Para o especialista em inovação e cofundador da AAA Inovação Allan Costa, é preciso conter a euforia sobre novos modismos e analisar com discernimento as aplicações práticas da inteligência artificial.
“É importante que entendamos que a IA nem vai destruir o mundo provocando a guerra da aniquilação total — tenho muito mais medo é dos homens mesmo, nesse sentido —, nem será só mais um modismo passageiro. É preciso um certo distanciamento e muita curiosidade para entender de verdade os impactos que ela irá provocar em cada vida, em cada empresa, em cada setor”, explicou.
De acordo com Costa, o olhar crítico sobre a evolução da tecnologia é capaz de “separar o ruído do que é efetivamente uma tendência de impacto relevante”, e esse exercício permitirá a construção de um mundo em que a IA não substituirá os humanos, mas vai atuar para potencializar e ampliar as suas habilidades.
No debate sobre a possibilidade de os modelos de inteligência artificial superarem as capacidades humanas e atingirem a singularidade tecnológica, há ainda outra questão que problematiza essa comparação: a complexidade do cérebro humano e seu funcionamento.
O conselheiro da ABRIA Cassio Pantaleoni defende que, nessas reflexões sobre o futuro da IA, “não se pode ignorar o campo de outras ciências como a filosofia, a psicologia evolucionista, a neurociência, a biomedicina, as ciências cognitivas etc”.
Segundo o consultor, “quando ampliamos este espectro para campos conceituais que destituem o paradigma computacional dos estudos de IA, tudo fica muito mais complexo. Afinal, ainda não temos um consenso sobre como se dá a intencionalidade, o comprometimento ontológico, a moralidade e a própria consciência”.
Como se vê, não há certezas sobre o futuro e se um dia a singularidade tecnológica tornará os humanos obsoletos. O que é certo é que as ferramentas e modelos de inteligência artificial continuarão presentes, com impacto sobre as atividades e permeando as relações dos indivíduos com o mundo.