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Dodgeball Academia: um roteiro com anime e terraplanismo

Por| Editado por Bruna Penilhas | 04 de Dezembro de 2021 às 19h30

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Imagem: Divulgação/Pocket Trap
Imagem: Divulgação/Pocket Trap

O jogador entra na escola, sobe todas as escadas e se dirige ao terraço. De cara para a balaustrada, um NPC (personagem não jogável) olha para o horizonte e responde: “será que é agora que eu viro o protagonista do anime?”. É com bom humor, referências a animes e críticas sociais que o roteiro de Dodgeball Academia chamou atenção em 2021.

O jogo brasileiro desenvolvido pela Pocket Trap e publicado pela Humble Games aparece na lista dos 50 melhores jogos de Nintendo Switch deste ano, segundo o Metacritic. O RPG tem criativas mecânicas em batalhas de queimada, além de boas e engraçadas inovações do texto.

O roteiro é um dos pontos altos em uma aventura que apresenta um jovem estudante de queimada, que deseja ser o melhor e parte para uma escola do esporte. A trama caçoa de animes shounen como Dragon Ball e Naruto, à medida que se inspira muito neles.

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Para quem joga em português do Brasil, os diálogos ainda têm um incremento: sotaques, regionalismos e críticas sociais que pegam de surpresa. Em um dos oito capítulos da aventura, jogadores têm que enfrentar um grupo de “bolaquadraticos”, fanáticos que acreditam que bolas de queimada são, na verdade, quadradas.

O trecho não só serve críticas ao terraplanismo, como denota um jogo que não tem medo de dizer o que diz, ser exagerado e até bobo em alguns momentos. As linhas entendem tão bem como o brasileiro pensa atualmente, que jogar Dodgeball não é acompanhar uma história. É lidar com uma trama que senta do seu lado e se diverte muito com você pela jornada.

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Como o roteiro de Dodgeball Academia foi criado

Roteirista do jogo, Tiago Rech se juntou a equipe aficionada por animes da Pocket Trap quando o RPG de queimada já dava seus primeiros passos. Rech destacou que um dos segredos do roteiro de Dodgeball Academia é o exagero e a superlativização das falas e situações. “Em vez de um personagem dizer que iria dar uma bolada, ele fala em dar uma 'boladaça'. Fica mais engraçado, porque é mais ridículo”, contou rindo.

Entre as inspirações, Rech fala de muitos animes e quadrinhos. Space Dandy, do criador de Cowboy Bepop, Asobi Asobase e Turma da Mônica estão entre alguns exemplos.

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“Tem uma tirinha da Turma da Mônica que ficou marcada a ferro na minha cabeça. Nela, o Cebolinha está fazendo alguma mer** com a Mônica. Quando tudo obviamente dá errado, o Cebolinha fala ‘agora que a porca torce o rabo’. Eu lembro que aquilo ficou na minha cabeça e eu queria colocar no roteiro”, lembrou Rech, ao citar a energia que trouxe para os diálogos do jogo.

Dodgeball Academia tem uma preocupação em incluir regionalismos no texto. Uma das inspirações é a dublagem brasileira de Yu Yu Hakusho. “Ela é muito boa. Eles usam muitas expressões. Muitas gírias na dublagem do Yusuque”, contou Rech.

Os regionalismos brilham por toda parte. O roteiro foi trabalhado originalmente em inglês, por conta da publicadora estrangeira, e depois recebeu uma localização com muita atenção aos detalhes. Vale mencionar os itens equipáveis e de saúde, que vão de brigadeiros a suco de acerola, além de cuecas freadas. Os personagens possuem sotaque, traduzidos nos balões de diálogo.

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Além de expressões características como “visse” e “oxe”, cada personagem de Dodgeball Academia conta com cacos nas falas. Um personagem possivelmente carioca, por exemplo, carrega nas palavras escritas com alguns “s” e “x” a mais.

“O mais comum é uma linguagem neutra na tradução de jogos”, ponderou Rech sobre a ideia de trazer sotaques para as linhas do jogo. "Precisamos usar mais o cenário e a cultura nacional [nos jogos]. E digo isso com muito cuidado para não parecer ufanista. Não é sobre ser patriota, colocando tudo verde e amarelo. É sobre aproveitar e trazer nossa cultura”, argumentou.

Visão crítica aos animes

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Da mesma forma que bebe muito de animações japonesas, Dodgeball Academia critica as produções, obra de um roteirista que fala muito delas a todo momento durante a entrevista ao Canaltech. “Eu adorava o começo de Naruto. Assistia semanalmente. Mas a coisa desandou e li o final da história pela Wikipedia”, relatou.

“O jogo tem a cara de Shonen, quando fala tanto de superação. Esse gênero sempre tem o personagem que quer ser mais forte, treina para isso e realmente fica mais forte que todo mundo. Eu não acredito que temos o controle sobre ser o mais forte. Você não consegue determinar se será o mais forte, apenas se será o melhor que pode ser. Queria trazer isso para o texto”, contou o roteirista.

Um dos pontos da história que marcam a ruptura de Dodgeball Academia com esse estilo de anime está na conclusão. “Queria muito evitar a história do herói que chega para salvar o dia no final do jogo. Em Dragon Ball, todo mundo fica apanhando até o Goku chegar e dar um pau no inimigo sozinho”, indagou Rech. “Essa é uma parada que detesto. Tentei fazer com que cada personagem em Dodgeball Academia tivesse seu papel no final. No fim das contas, o jogo é uma história de equipe e, clichê por clichê, prefiro ir com esse troco”, completou.

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Reação a recepção positiva do jogo

Rech se mostrou muito atento ao acompanhar as reações a Dodgeball Academia. O roteirista, fã do designer de jogos Tim Schafer e de produções como Monkey Island, relembrou diversos momentos da série de jogos da LucasArts Entertainment. “Queria um dia escrever uma piada tão boa como as do Tim Schafer”, confessou.

Rech se disse feliz com a recepção positiva de seu trabalho. Entre os destaques, o roteirista lembrou um elogio feito pelo jornalista brasileiro Rique Sampaio aos sotaques em Dodgeball, durante o podcast Overloadr, além de um tweet do produtor de conteúdo Makson Lima. “O Makson escreveu que o jogo tinha se tornado uma referência. Isso é muito doido. Um dia chegar e se tornar referência”, disse Rech.

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Dodgeball pode ganhar continuação ou adaptação?

Rech se mostrou positivo ao falar de um novo capítulo para Dodgeball. O roteirista, que disse não saber nada sobre uma sequência do jogo, comentou que voltaria ao universo de queimada: "Gostaria muito de voltar para Dodgeball, mas vamos esperar para ver o que vai acontecer”.

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E sobre uma adaptação? Rech concordou que a história do jogo podia se tornar um filme ou série: “não sei se vai existir, mas acho que o mundo permite a criação de várias outras histórias”.

Entre as tramas criadas que não entraram no roteiro final de Dodgeball, o roteirista lembra de uma missão que iria misturar investigação e cenários psicodélicos. “Uma história que ficou de fora do jogo falava sobre o contrabando para a escola. No lugar de drogas, pensamos em colocar energético. Os alunos iriam tomar o energético e ficar doidões de açúcar. A ideia era levar as batalhas da missão para quadras com psicodelia e formas geométricas flutuando no espaço”, contou.

“Dá para fazer muita coisa dentro daquela escola”, fechou o roteirista.