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Crítica Cowboy Bebop | Você vai ter que carregar esse peso

Por| Editado por Jones Oliveira | 16 de Novembro de 2021 às 18h30

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Divulgação/Netflix
Divulgação/Netflix
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É muito difícil adaptar um anime para live action. Não apenas porque há a grande chance de tudo ficar com cara de cosplay, mas porque as duas mídias têm estéticas completamente diferentes e que nem sempre são fáceis de transportar de uma linguagem para a outra. A movimentação dos personagens, suas expressões corporais e toda a ação que quase sempre acompanham esse tipo de animação é algo que, quando colocado em carne e osso, pode ficar estranho.

Por isso mesmo, é curioso ver como Cowboy Bebop se esforça para manter toda essa estética do anime original intacta. Desde que a Netflix apresentou as primeiras imagens à reprodução da icônica abertura, sempre houve esse cuidado em mostrar ao fã que, diferente de Death Note, haveria um respeito enorme com o anime-base. Tanto que trouxeram a compositora Yoko Kanno para recriar a trilha sonora tão emblemática.

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A nova série ostenta com tanto orgulho essa origem que traz toda a estética do anime para fazer com que a adaptação soe como o Cowboy Bebop que todos conhecem. Isso faz com que se torne bastante cartunesca e exagerada — o que funciona muito bem em alguns momentos, mas falha miseravelmente em outros.

E isso é curioso, pois mostra como esse cuidado e respeito à essência do anime de Shinichiro Watanabe parece ir somente até a página dois. Enquanto o visual e o jeito do live action bebem diretamente daquilo que o anime apresentou, a produção da Netflix parece não ter entendido a parte mais importante: no fim, são a história daqueles personagens e como ela é construída os verdadeiros charmes por aqui.

Muito gingado e carisma

Esse estilo mais cartunesco e exagerado de Cowboy Bebop funciona muito bem na primeira metade da série. Ao replicar a estrutura de casos isolados do anime, ele foca em seus personagens e aí todas as brincadeiras visuais e referências à estética do anime dão uma cara diferente para o live action, fazendo com que ele se diferencie e fique realmente interessante.

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Por mais que ele flerte muito com a canastrice e as caras e bocas causem estranhamento, tudo isso se encaixa bem na construção da dinâmica do trio de protagonistas. Todo o gingado da animação está presente aqui e a adaptação consegue trazer até mesmo a sincronia dos movimentos à trilha sonora e a tônica das aventuras isoladas, o que faz com que seja muito fácil você se apaixonar por esse futuro distópico.

Para os fãs, o golpe é ainda mais baixo, porque Cowboy Bebop remete a todo o instante a elementos do anime original, apelando para um lado afetivo que empolga sempre que acontece. Ver John Cho (Star Trek) como Spike Spiegel é incrível, porque ele está idêntico ao personagem e sem parecer ser apenas um ótimo cosplay em cena.

Só que a semelhança acaba sendo muito mais visual do que de personalidade. No anime, o protagonista é muito mais safo, com um jeito meio malandro e vagabundo que serve para esconder o mistério de seu passado. E o charme do personagem, no anime, é como ele transita muito bem por entre essas personas, com uma versatilidade que Cho não consegue imprimir no live action. O seu Spike ainda é um personagem muito legal, mas muito longe de ser tão complexo quanto o original. Elealterna apenas entre o carrancudo preocupado e o engraçadão, sem todas as camadas do que o anime apresenta.

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A Faye Valentine de Daniella Pineda (Jurassic World: Reino Ameaçado) é outra que também destoa bastante, principalmente por não ter sido apresentada como a ladra que realmente só quer enganar o grupo. Embora Cowboy Bebop tente se aproximar disso em um ou outro episódio, a sua história já é introduzida logo de início, o que tira o impacto da reviravolta que é construída no anime.

E por mais que seja injusto e até mesmo ilógico ficar comparando anime e live action — afinal, o papel de uma adaptação é adaptar esses elementos mesmo —, é aqui que a insistência da Netflix em puxar a todo instante referências do material original se volta contra ela. O seriado usa tanto a animação como muleta que é impossível não traçar paralelos e, nesse ponto, você se dá conta de como ele não chega perto do que o anime apresentou há mais de duas décadas.

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Ainda é muito divertido ver o trio junto. A estrutura de “episódio da semana” ao som de jazz, a dinâmica do grupo e o próprio exagero das cenas de ação conseguem carregar boa parte do carisma do Cowboy Bebop original. O problema é que, para a história que está sendo contada, apenas isso não basta — e é aí que as coisas desandam feio.

A balada do anjo caído

A estética anime aplicada ao live action tem um limite. Por mais que seja divertido ver as lutas coreografadas que mais parecem uma dança sincronizada com a trilha sonora agitada e os exageros combinem com a dinâmica do trio de protagonistas, ela não funciona quando o roteiro precisa ser sério. Aí, todo o tom cartunesco deixa de ser o grande charme de Cowboy Bebop para se tornar o seu maior problema.

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O grande ponto aqui responde pelo nome de Vicious, o grande vilão da trama. O ator Alex Hassell (The Boys) está terrível no papel, repleto de caras e bocas e com expressões exageradas que tiram completamente a tensão que o seu personagem deveria trazer para a história. E não apenas porque a sua caracterização é a mais fraca de toda a série — seu visual está idêntico ao Didi vestido de mulher em Os Trapalhões —, mas porque ele está tão fora do tom que parece ter saído de uma história infantil. É quase como se fosse um vilão de Chiquititas e não de um dos animes mais cultuados de todos os tempos.

É sofrível acompanhar os momentos do personagem e, à medida que a história avança, ele passa a ser mais importante para o roteiro, o que compromete demais a série. A segunda metade da trama exige uma seriedade e tensão para que o clímax funcione, mas o tom histriônico de Vicious joga tudo isso fora. A própria Balada do Anjo Caído, o momento mais famoso do anime, se perde por causa dessa atuação afetada do ator.

E ele não é o único. Todo o núcleo mais sério de Cowboy Bebop sofre por não saber lidar com a estética do anime. O episódio de Pierrot Le Fou, o assassino enviado para matar Spike, é ruim de dar vergonha. O personagem usa a risada de vilão como se saísse de um desenho para crianças e que destoa completamente do senso de perigo que deveria ser retratado ali. A ideia é soar insano e ameaçador, mas é só ridículo mesmo.

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Mudanças sem sentido

Além disso, Cowboy Bebop faz algumas alterações bastante significativas na história que certamente vão incomodar os fãs. Era claro que a adaptação não iria cobrir toda a trama do anime e que uma segunda temporada é mais do que provável — o gancho que ele deixa é enorme —, mas foi preciso mexer em muita coisa para fazer essa divisão funcionar.

O grande ponto é que não se trata apenas de alterar a cronologia dos fatos. Muita coisa do final do anime foi puxada para esta temporada e acontecimentos do início da história foram adiados, mas tudo isso é compreensível. O que é imperdoável foi mexer na personalidade de personagens importantes, descaracterizando-os por completo, para garantir essa segunda temporada.

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Não adianta nada fazer mil referências ao anime, trazer a compositora original e encher a série de gingado para fazê-la soar como o anime que todos adoram se, no fim, a ideia é seguir por caminhos totalmente diferentes.

Talvez a Netflix tenha decidido ousar e surpreender não só quem está tendo seu primeiro contato com Cowboy Bebop, mas também os velhos fãs, trazendo um final inesperado — o que faz essa insistência em referenciar a animação a todo o instante seja só uma armadilha para essa reviravolta. O problema é que, ao fazer isso, ela mostra que não aprendeu nada com o terrível Death Note.

O que faz o anime ser tão querido e clássico não é apenas o fato de a sua estética ser diferenciada e usar uma trilha sonora tão marcante e visuais icônicos. São os personagens os grandes atrativos, o que inclui os seus traumas e dores e como eles lidam com isso entre uma missão e outra, além de que nem sempre a jornada de redenção segue como a gente planejou — e é isso o que os fãs queriam ver. São personalidades tão marcantes que você se apega a cada um dos protagonistas para, quando a reviravolta acontecer, você ser tão impactado quanto eles. E nada disso acontece por aqui. Ou melhor, acontece, mas de uma forma totalmente diferente e que deturpa o que foi apresentado desses personagens.

No fim,a melhor coisa que o live action fez foi apresentar o anime para um universo de pessoas que ainda não o conheciam. Ele diverte no início e mexe muito com o saudosismo dos fãs, mas para por aí. Cowboy Bebop tenta ter a malemolência do anime original e chega a imitar muito bem alguns de seus movimentos, mas não consegue manter o gingado e tropeça em seus próprios passos — e agora a Netflix vai ter que carregar esse peso.

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Cowboy Bebop estreia no catálogo da Netflix em 19 de novembro de 2021.