Magnetosfera | Todo planeta tem um campo magnético?
Por Danielle Cassita • Editado por Patricia Gnipper | •
Em linhas gerais, a magnetosfera terrestre é a região exterior da atmosfera, que envolve nosso planeta e nos protege de tempestades magnéticas e de partículas carregadas que viajam pelo vento solar, eventos que podem afetar satélites, bússolas, radares e outros instrumentos que usamos em nosso dia a dia. Mas não pense que isso é algo exclusivo da Terra: na verdade, quase todos os planetas do Sistema Solar têm um campo magnético de respeito — as exceções são Vênus e Marte.
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Os campos magnéticos dos planetas podem se formar a partir do movimento dos metais derretidos em seu interior. Na ausência deles, a ação do vento solar pode causar efeitos significativos para o planeta — no caso de Marte, por exemplo, o campo magnético tem ação tão fraca que chega a ser equivalente a apenas 2% daquele que está presente na Terra, e essa ausência pode ter sido a grande culpada pela perda da atmosfera marciana.
O problema é que, como não podem ser visualizadas diretamente, estudar as magnetosferas é difícil, e os melhores dados que temos delas em outros planetas foram coletados por sondas enviadas para seus arredores. Felizmente, existem planos para o lançamento de mais missões para estudar melhor a magnetosfera de outros mundos.
Mas, de acordo com o que a ciência já descobriu, conheça os diferentes campos magnéticos dos planetas do Sistema Solar:
Terra
A magnetosfera do nosso planeta é a mais estudada de todas. Ela conta com a magnetopausa, região ao redor da magnetosfera onde a pressão do vento solar e a força do campo magnético se igualam. E, embora a Terra esteja protegida por seu campo magnético, a magnetosfera conta com grande quantidade de plasma. Na região do círculo polar ártico, por exemplo, podemos ver esse plasma em ação quando partículas altamente energizadas, trazidas pelos ventos solares, entram em contato com a atmosfera superior da Terra, justamente atraídas pelo nosso campo magnético. O resultado dessa interação é a produção de radiação em vários comprimentos de onda, o que gera cores e formas no céu conhecidas como auroras boreais — isto é, no caso da região polar do hemisfério Norte, pois as auroras do hemisfério Sul são chamadas de auroras austrais.
Esse fenômeno não é exatamente uma exclusividade da Terra, já que todas as magnetosferas do Sistema Solar contam com partículas de plasma que se movem em função do campo magnético. A principal fonte de plasma na magnetosfera é o vento solar, mas levou alguns anos até ficar claro que as partículas do vento podiam penetrá-la. Este é um conhecimento importantíssimo, porque as partículas do Sol podem ser bastante prejudiciais para nós na Terra: cada ciclo solar dura 11 anos, enquanto a intensidade do vento solar varia.
Então, pode acontecer de o Sol realizar uma ejeção de massa coronária, que é quando ocorre uma explosão intensa de plasma. Se esse material chega à magnetosfera terrestre, existe a possibilidade de uma reconexão magnética extremamente rápida, ou seja, uma tempestade geomagnética. Uma bem intensa dessas aconteceu em 1859 e, caso se repetisse hoje na mesma intensidade, boa parte do mundo iria passar alguns meses de blecaute, provavelmente.
Vênus
Apesar de Vênus ser quase um irmão da Terra quando pensamos em tamanho, massa e composição, o planeta tem grandes diferenças em relação ao nosso, que vão bem além da pressão atmosférica esmagadora e temperaturas extremas: pela densidade que possui, era esperado que Vênus tivesse um núcleo rico em ferro que estivesse parcialmente derretido e, se este fosse o caso, teria um campo magnético como o da Terra. Mas como não vemos isso por lá, por muito tempo os cientistas consideraram que, como o planeta leva mais de 200 dias para orbitar o Sol, seria possível que o movimento necessário para criar o campo magnético não ocorresse.
Embora nós tenhamos essa formação nos protegendo das partículas do vento solar, nosso vizinho conta apenas com sua ionosfera, que forma uma magnetosfera induzida. A ionosfera venusiana é uma camada atmosférica cheia de partículas carregadas que recebe a ação do vento solar. Assim, essa formação atua como uma camada fina no lado do planeta voltado para o Sol, e se estende com uma grande cauda para trás dele; conforme o vento solar o atinge, uma magnetosfera discreta e bem menor que a da Terra se forma e protege o planeta.
Marte
No passado, Marte foi um planeta bem diferente daquele que vemos hoje: ao invés de desértico e frio, o planeta já teve uma atmosfera quente e água líquida correndo pela superfície. Entretanto, esse cenário começou a mudar quando o campo magnético do planeta, gerado pela atividade que ocorre em seu núcleo, desapareceu. Para os cientistas, o campo magnético global que envolveu o planeta era bastante parecido com o que temos na Terra, ou seja, causado por um efeito de dínamo devido à ação que ocorre em seu núcleo.
Esse efeito ocorre quando o núcleo mais externo e líquido envolve o sólido, e se move em direção oposta à da rotação do planeta. É possível que o campo magnético gerado pelo dínamo tenha desaparecido devido à densidade e massa baixas de Marte, o que teria feito com que o núcleo se resfriasse mais rapidamente e ficasse sólido, de modo que encerraria o efeito.Contudo, isso não significa uma perda total de magnetismo: apesar de o campo global ter sido extinto há bilhões de anos, algumas "bolsas" de mini-magnetosferas restaram na crosta marciana, formando uma magnetosfera induzida.
Mercúrio
A maioria dos objetos pequenos do Sistema Solar não tem campos magnéticos, porque seus núcleos são completamente sólidos e não podem gerar um dínamo. Já Mercúrio, apesar de pequeno, tem um núcleo composto por um interior sólido, mas com uma parte externa onde há metal líquido. Só que, dada a proximidade com o Sol, o planeta fica mais exposto aos ventos solares. Assim, como tem um núcleo responsável por um campo magnético equivalente a apenas 1% do terrestre e um forte vento solar para enfrentar, Mercúrio consegue manter apenas uma fraca magnetosfera.
Mesmo assim, a missão Messenger, da NASA, orbitou o planeta de 2011 a 2015, e mapeou o campo magnético de Mercúrio em alta resolução. Assim, a missão mostrou que a magnetosfera lá é extremamente dinâmica e fica à mercê das emissões solares. Aliás, a magnetosfera de Mercúrio será estudada novamente em um futuro não tão distante: a missão BepiColombo, realizada em conjunto pela Agência Espacial Europeia (ESA) e pela japonesa JAXA, segue a caminho do planeta desde 2018 e deverá alcançá-lo em cinco anos.
Júpiter
Além de ser o maior planeta do Sistema Solar, Júpiter ostenta a maior magnetosfera da nossa vizinhança, que se estende a quase 5 milhões de quilômetros — essa distância é 150 vezes maior do que as dimensões do próprio planeta. A magnetosfera joviana conta com átomos de oxigênio e enxofre ionizado, que vêm das luas Io e Europa: a primeira tem grande presença do dióxido de enxofre, enquanto a segunda tem oxigênio em abundância. Assim, conforme a atmosfera de cada lua interage com as partículas da magnetosfera, nuvens de átomos vão para lá. Essas nuvens são a principal origem de plasma na magnetosfera do planeta.
Aliás, Io tem um papel interessante no sistema: essa lua é vulcanicamente ativa, seus vulcões emitem dióxido de enxofre e o gás vai para a órbita do planeta; depois, este gás se torna plasma que forma um cinturão de formato parecido com o de uma rosquinha envolvendo o planeta. Só que Júpiter tem rotação tão rápida que o plasma não consegue acompanhá-lo, e acaba sendo “puxado” por correntes elétricas. Quando essas correntes vão para a atmosfera, elas causam auroras extremamente brilhantes.
Saturno
Saturno também tem uma enorme magnetosfera, cuja força equivale a 600 vezes àquela da Terra, e essa formação é gerada pelas forças do fluxo do material no interior do planeta. Então, quando as partículas do vento solar atingem o campo magnético saturniano, a bolha protetora da magnetosfera entra em ação, mas, fora da magnetosfera, a força magnética do Sol é quem manda. Os dados coletados pela sonda Cassini, da NASA, revelaram que a lua Encélado é responsável por alimentar uma grande pluma de partículas de gelo e poeira que, ao serem dissociadas e ionizadas, compõem o ambiente plasmático da magnetosfera.
Outro aspecto interessante é que, ocasionalmente, Saturno passa pela magnetocauda de Júpiter, e neste período recebe menos pressão de plasma do que costuma receber do vento solar diretamente. Isso acontece porque essa formação de Júpiter tem densidade de íons menor do que o vento solar, com a cauda permitindo que apenas algumas partículas viagem por ela, de modo que a densidade fica bem baixa. Quando isso acontece, a magnetocauda se move, e então Saturno entra e sai dela várias vezes durante o evento.
Urano
Urano tem um campo magnético bem diferente de seus vizinhos: enquanto a maioria dos planetas do Sistema Solar tem seus campos alinhados com o eixo de rotação, este planeta gelado tem inclinação de quase 98º em relação ao plano de órbita, e seu campo magnético é inclinado a -59º do eixo de rotação. Além disso, ele é assimétrico. Na prática, isso significa que a magnetosfera de Urano é complexa, de modo que sua orientação varia em todas as direções. Lá, ocorre a reconexão magnética: quando o vento solar e a magnetosfera se movem na mesma direção, as partículas do Sol não atingem o planeta. Mas, se não estiverem alinhadas e o vento solar atingir Urano no ângulo certo, as linhas do campo magnético podem permitir a entrada de algumas partículas.
No caso de Urano, isso parece ocorrer todos os dias por lá, ou seja, a magnetosfera é "ligada" e "desligada" quase como um interruptor. Esse mecanismo poderia causar a ocorrência de auroras por lá, embora não seja possível ter certeza porque as últimas observações do planeta voram feitas com a sonda Voyager 2 em 1986. Entender o que acontece em Urano é importante para estudos sobre planetas distantes e como as superfícies deles podem ser.
Netuno
O oitavo planeta do Sistema Solar também tem um campo magnético um pouco “rebelde” em relação aos outros: além de ser 27 vezes mais poderoso do que o que temos na Terra, o campo que envolve o planeta tem inclinação de 47º e comportamento um tanto caótico, porque muda de acordo com as interações do vento solar. Além disso, modelos recentes do campo magnético do planeta mostram o campo em fluxo constante, inclinado para um lado específico e assimétrico.
Essa diferença em relação aos outros planetas ocorre porque Netuno gira em um eixo inclinado em relação ao Sol, e seu campo é ainda mais inclinado. Como as magnetosferas são invisíveis a olho nu, não é possível fotografá-las para estudos, então as informações que temos do campo magnético do planeta vêm das missões Voyager, coletadas na década de 1980. Futuramente, mais missões poderão ser enviadas para estudar estes mundos gelados para, assim, entendermos melhor o que acontece por lá.
Fonte: Astrobites, Universe Today, Space.com, EOS, Sky and Telescope, NewsScientist