Crítica Maligno | Quando o terror se perde na própria galhofa
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
Existe uma linha tênue que separa o assustador do ridículo — e a mágica que o cinema de terror faz é usar muito bem recursos como ângulos de câmera, iluminação e o próprio som para fazer com que o horror se sobressaia na narrativa. Quando essa equação não está bem calibrada, o resultado é o cômico, como a gente bem viu em algumas franquias nos anos 1980 e 1990. E Maligno, o novo filme de James Wan, caminha perigosamente sobre essa linha a ponto de se perder em alguns momentos.
A ideia da entidade invertida funciona bem quando ela está mergulhada nas sombras, porque causa um estranhamento que é desconfortável. Afinal, você não tem ideia do que é aquela coisa. No entanto, quando isso é colocado na luz, você só pode rir do quanto aquilo é bizarro e absurdo.
É nesse ponto que parece que James Wan decidiu fazer um filme B de propósito. Tanto que ele não só tira Gabriel da escuridão da incerteza como cria uma sequência inteira com ele em uma sala toda iluminada para evidenciar todos os absurdos da proposta e deixar claro, inclusive, os defeitos de produção. Você vê claramente a máscara de látex, as perucas em tons diferentes e até mesmo a movimentação do ator por baixo do sobretudo — por alguma razão, o monstro precisa de um sobretudo para atacar e há todo um trecho dedicado a ele indo atrás da roupa para voltar a agir. É quase como se Wan quisesse que o espectador risse daquilo tudo.
Curiosamente, todo esse show de bizarrice acontece no mesmo momento em que tudo é explicado e as revelações são feitas. E é por isso que a impressão que fica é que tudo foi feito de propósito para tirar o foco de outros problema um pouco mais complicados. Quase como na ilusão de um mágico, que puxa a atenção da plateia para um ponto para que ela não perceba o que acontece logo ao lado, Maligno escancara toda essa bizarrice ao mesmo tempo para jogar para baixo do tapete o porquê dos poderes sobrenaturais de Gabriel, que são usados a todo o momento pelo roteiro, mas que não têm justificativa alguma para existir.
E não é possível nem mesmo dizer que esse salto do horror para o cômico é uma metáfora para os nossos medos noturnos que se revelam ridículos à luz do dia, já que toda a relação com a paralisia do sono é tão pouco explorada que encontrar analogias nisso seria uma superinterpretação nossa. No máximo, a mensagem que o filme explora é de que relações construídas ao longo da vida podem ser mais fortes e saudáveis do que as de sangue — mas, novamente, isso acaba tendo muito pouco impacto na trama.
Pouco terror, mas ainda interessante
Isso tudo faz com que Maligno mal possa ser classificado como um filme de terror, já que o gênero se encontra somente no primeiro terço da trama. A partir dali, quando você mata a charada, ele passa a ser outra coisa, muito mais voltado à perseguição e ao suspense e com uma pitada de comédia involuntária.
Ao mesmo tempo, ele está longe de ser um filme ruim — por mais contraditório que isso soe. Deixando de lado a galhofa quase proposital que ele abraça e os absurdos construídos em torno disso, toda a trama envolvendo o passado de Madison, a origem de Gabriel e como tudo isso se amarra com as outras personagens é interessante e consegue prender o espectador. Está longe de ser algo original e inédito, mas que funciona.
Mas enquanto os clichês não chegam a incomodar e a tirar o brilho do filme, as atuações bastante medianas prejudicam bastante. Todo o momento dramático da protagonista revelando ter sido adotada chega a ser caricato de tão ruim, seja pelo diálogo que não colabora em nada quanto pelas reações exageradas de sua irmã (Maddie Hasson). São umas caras e bocas que só reforçam o caráter quase cômico que o longa adota.
No fim, Maligno está bem longe de ser uma das melhores coisas já produzidas por James Wan e dificilmente vai ser lembrado como um dos grandes nomes do terror moderno. Porém, é um bom lembrete de como todo horror tem um pouco de galhofa em seu DNA — e que o grande desafio é equilibrá-lo bem. Não foi o caso por aqui.