Crítica Maligno | Quando o terror se perde na própria galhofa
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
Existe uma linha tênue que separa o assustador do ridículo — e a mágica que o cinema de terror faz é usar muito bem recursos como ângulos de câmera, iluminação e o próprio som para fazer com que o horror se sobressaia na narrativa. Quando essa equação não está bem calibrada, o resultado é o cômico, como a gente bem viu em algumas franquias nos anos 1980 e 1990. E Maligno, o novo filme de James Wan, caminha perigosamente sobre essa linha a ponto de se perder em alguns momentos.
- Jogos Mortais | 10 Segredos e curiosidades que você não sabia
- Jason Momoa revela que terá novo visual em Aquaman 2
- Warner Bros cancela filme de James Wan derivado de Aquaman
O diretor já é um dos nomes mais importantes dessa retomada do gênero nos últimos anos, principalmente por causa das séries Invocação do Mal e Jogos Mortais. Por isso, a ideia de acompanhar uma história original que se propunha a misturar paralisia do sono com elementos sobrenaturais colocou o longa no radar dos fãs. Só que o filme entrega algo bem diferente do que o material promocional oferece e, por transitar demais na fronteira com o absurdo, acaba se entregando muitas vezes à galhofa.
Mas não me entenda mal: isso não quer dizer que Maligno é ruim, mas também é difícil classificá-lo como um terror no nível de outras produções assinadas por Wan. Ele parte de um ótimo conceito para criar uma atmosfera realmente opressora, mas parece não saber muito o que fazer a partir disso e se entrega a ação. Assim, o que deveria ser assustador passa a ser apenas estranho e, em alguns momentos, absurdo.
Atenção! Daqui em diante esta crítica pode conter spoilers.
Enquanto ela dorme
A trama de Maligno gira em torno de Madison Mitchell (Annabelle Wallis), uma mulher que começa a ter sonhos estranhos após ser visitada por alguma espécie de entidade que matou seu marido abusador. É como se ela, de alguma forma, testemunhasse diferentes crimes, embora não saiba explicar como e nem o porquê.
Ao mesmo tempo, a polícia passa a investigar esses estranhos assassinatos e busca entender não só como Madison é capaz de dizer onde eles aconteceram, mas por que essas mortes sempre têm alguma relação com a história da mulher.
No meio disso tudo, entra a figura de Gabriel, a misteriosa criatura responsável pelos crimes e que, de uma forma aparentemente sobrenatural, passa a assombrar a protagonista cada vez mais.
E é ao desenvolver essas relações que Maligno realmente chama a atenção. A primeira meia hora de filme constrói muito bem o mistério em volta de Madison e seus sonhos estranhos, misturando elementos de paralisia de sono com um estado de confusão mental que deixam o espectador tão perdido quanto a própria protagonista, o que ajuda a tornar as coisas muito mais tensas.
Nesse ponto, Wan mostra por que se tornou o grande nome do terror atual. Sem apelar para o jumpscare e outras técnicas baratas, ele usa apenas a ambientação criada pela história e a própria narrativa para gerar o mistério que, por si só, é a raíz de todo medo. Adicione a isso elementos da próprio cinematografia e você tem algo muito bom na sua frente. É uma sombra que gera dúvida ou um movimento que cria a apreensão — sem precisar escancarar algo medonho a todo instante na sua cara. Você não sabe o que esperar e isso é realmente amedrontador.
O problema é que esse clima não dura muito tempo. A impressão que dá é que, com Maligno, o diretor tinha uma boa ideia, mas não sabia muito bem de que forma conduzir e que o bom tempo que ele passou à frente de filmes de ação, como Aquaman e Velozes e Furiosos, fizeram com que ele esquecesse um pouco do básico do terror. O resultado é mostrar bem mais do que devia e seguir por caminhos um tanto quanto questionáveis.
Virando filme B
Como dito, Maligno mantém muito bem esse clima tenso do terror por pouco mais de meia hora. Contudo, a partir desse ponto, o grande mistério que sustenta a tensão da trama se desfaz à medida que você começa a entender o que está acontecendo, por que Madison tem essas visões e o que diabos é o tal Gabriel.
E o filme tanto sabe que as coisas se tornaram previsíveis que o tom muda quase que por completo já a partir do segundo terço da trama, passando a ser muito mais uma perseguição do que o terror que ele propõe no início. Não por acaso, ele arma um plot twist já sabendo que o grande segredo do filme foi descoberto há muito tempo.
É nessa virada de chave que Maligno se perde e passa a flertar fortemente com a galhofa quase que de forma proposital. Isso é bem claro a partir do momento em que ele deixa de esconder o monstro, passando a mostrar cada vez mais a criatura — e o que era assustador passa a ser apenas ridículo.
A ideia da entidade invertida funciona bem quando ela está mergulhada nas sombras, porque causa um estranhamento que é desconfortável. Afinal, você não tem ideia do que é aquela coisa. No entanto, quando isso é colocado na luz, você só pode rir do quanto aquilo é bizarro e absurdo.
É nesse ponto que parece que James Wan decidiu fazer um filme B de propósito. Tanto que ele não só tira Gabriel da escuridão da incerteza como cria uma sequência inteira com ele em uma sala toda iluminada para evidenciar todos os absurdos da proposta e deixar claro, inclusive, os defeitos de produção. Você vê claramente a máscara de látex, as perucas em tons diferentes e até mesmo a movimentação do ator por baixo do sobretudo — por alguma razão, o monstro precisa de um sobretudo para atacar e há todo um trecho dedicado a ele indo atrás da roupa para voltar a agir. É quase como se Wan quisesse que o espectador risse daquilo tudo.
Curiosamente, todo esse show de bizarrice acontece no mesmo momento em que tudo é explicado e as revelações são feitas. E é por isso que a impressão que fica é que tudo foi feito de propósito para tirar o foco de outros problema um pouco mais complicados. Quase como na ilusão de um mágico, que puxa a atenção da plateia para um ponto para que ela não perceba o que acontece logo ao lado, Maligno escancara toda essa bizarrice ao mesmo tempo para jogar para baixo do tapete o porquê dos poderes sobrenaturais de Gabriel, que são usados a todo o momento pelo roteiro, mas que não têm justificativa alguma para existir.
E não é possível nem mesmo dizer que esse salto do horror para o cômico é uma metáfora para os nossos medos noturnos que se revelam ridículos à luz do dia, já que toda a relação com a paralisia do sono é tão pouco explorada que encontrar analogias nisso seria uma superinterpretação nossa. No máximo, a mensagem que o filme explora é de que relações construídas ao longo da vida podem ser mais fortes e saudáveis do que as de sangue — mas, novamente, isso acaba tendo muito pouco impacto na trama.
Pouco terror, mas ainda interessante
Isso tudo faz com que Maligno mal possa ser classificado como um filme de terror, já que o gênero se encontra somente no primeiro terço da trama. A partir dali, quando você mata a charada, ele passa a ser outra coisa, muito mais voltado à perseguição e ao suspense e com uma pitada de comédia involuntária.
Ao mesmo tempo, ele está longe de ser um filme ruim — por mais contraditório que isso soe. Deixando de lado a galhofa quase proposital que ele abraça e os absurdos construídos em torno disso, toda a trama envolvendo o passado de Madison, a origem de Gabriel e como tudo isso se amarra com as outras personagens é interessante e consegue prender o espectador. Está longe de ser algo original e inédito, mas que funciona.
Mas enquanto os clichês não chegam a incomodar e a tirar o brilho do filme, as atuações bastante medianas prejudicam bastante. Todo o momento dramático da protagonista revelando ter sido adotada chega a ser caricato de tão ruim, seja pelo diálogo que não colabora em nada quanto pelas reações exageradas de sua irmã (Maddie Hasson). São umas caras e bocas que só reforçam o caráter quase cômico que o longa adota.
No fim, Maligno está bem longe de ser uma das melhores coisas já produzidas por James Wan e dificilmente vai ser lembrado como um dos grandes nomes do terror moderno. Porém, é um bom lembrete de como todo horror tem um pouco de galhofa em seu DNA — e que o grande desafio é equilibrá-lo bem. Não foi o caso por aqui.