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Crítica | Aquaman abraça de forma épica o universo fantástico do personagem

Por| 13 de Dezembro de 2018 às 10h12

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Crítica | Aquaman abraça de forma épica o universo fantástico do personagem
Crítica | Aquaman abraça de forma épica o universo fantástico do personagem

O Aquaman não é exatamente o personagem mais querido do mundo. Alvo de zoeiras inesgotáveis, memes e visto, simplesmente, como o elo mais fraco da Liga da Justiça, ele já havia demonstrado que, nos cinemas, a coisa ia ser um pouco diferente. O filme dirigido por James Wan mostra que por trás do homem que conversa com peixes e navega montado em um cavalo marinho há um poder que tem seu espaço mais do que merecido no panteão de heróis da DC Comics.

O maior trunfo que leva o longa que estreia nesta semana nos cinemas brasileiros vai além do carisma do protagonista, Jason Momoa, que é por vezes canastrão e por vezes divertido. O principal destaque do filme é o fato de ele deixar de lado os cacoetes dos primeiros anos desse universo cinematográfico e, simplesmente, abraçar com amor o aspecto divino e fantástico dos heróis da editora.

Aquaman é parte de uma franquia estabelecida nos cinemas pela Warner, mas o filme não faz questão nenhuma de tornar o personagem parte de nosso mundo. Muito pelo contrário, boa parte das cenas mais interessantes acontecem sob as águas, e mesmo os segmentos na superfície são totalmente ligados aos acontecimentos que ocorrem sob o mar. É uma trama que, mais uma vez, coloca a Terra na berlinda, como em todo filme de super-herói, mas a decisão de nosso destino, dessa vez, acontece ali, embaixo d’água.

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A história segue as linhas gerais dos quadrinhos e outras adaptações. Arthur Curry é fruto do amor do humano Tom (Temuera Morrison) com a rainha Atlanna (Nicole Kidman). Ela foge de Atlântida e de um casamento arranjado para encontrar felicidade e uma família na Terra. Mas, como ela mesma diz, os atlantes têm boa memória e os momentos felizes logo chegam ao fim quando ela é levada, à força, de volta. Caso contrário, todos morreriam.

Ao contrário de muitos dos heróis com origens dessa categoria, o Aquaman não cresceu desligado de suas origens. Ele jamais foi a Atlântida, é verdade, mas ainda na infância descobre ser portador de poderes e chega até a ser treinado por Vulko (Willem Dafoe) para dominá-los. Ele acha que sua mãe está morta e não quer saber do mundo subaquático, vivendo sua vida primeiro como uma lenda protetora de vilarejo de pescadores e, depois, como o herói que ajudou a salvar o mundo do Lobo da Estepe (como visto em Liga da Justiça).

A existência de um bastardo e concorrente ao trono, entretanto, nunca fui confortável para Orm (Patrick Wilson), o asqueroso e nojento príncipe de Atlântida. Mais do que isso, a ânsia de poder deste que é um dos personagens mais interessantes do filme o leva a declarar guerra à superfície, mesmo que, para isso, ele tenha que subjugar seus aliados subaquáticos.

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É nesse balanço entre poder, rejeição, traição e tradição que está o cerne de muitas das questões envolvidas em Aquaman e, também, os pontos que mais saltam aos olhos. O filme está cheio de cenas belas, lutas bem coreografadas e efeitos especiais interessantes, mas quando mergulhamos pelos reinos é que os olhos realmente se enchem com o show de luzes, efeitos e elementos de uma sociedade tão distante da nossa.

Em prol desse aspecto fantasioso, o longa de Wan deixa de lado até mesmo alguns maneirismos bizarros dos anteriores, como a necessidade de colocar uma bolha de ar para que os personagens conversem (o conceito é largado, mas não esquecido, e acaba sendo utilizado de outras maneiras bem mais interessantes). Afinal de contas, estamos assistindo a um filme de super-herói e a suspensão de descrença pode ir bem longe nesse sentido. Querer firmar os pés de absolutamente tudo em um realismo muitas vezes desnecessário é um desserviço que, felizmente, não acontece aqui.

É nesse sentido fantástico que está o grande deleite do filme, relativamente comprido, mas daqueles que o espectador não vê passar. As cenas belas são apresentadas em sucessão, assim como os animais majestosos e, principalmente, a história de todo esse mundo. Ao mesmo tempo em que não há a necessidade de ser realista aqui, também não existe a vontade de ser didático.

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As lendas, histórias e tradições vão sendo contadas aos poucos e sempre que necessário. Por mais que o espectador queira saber tudo sobre esse mundo, ele o enxerga dos ombros de Arthur, que não quer ter nada a ver com isso. É ele, também, o elemento de ligação entre quem assiste ao filme e esse universo, tentando aplicar soluções de nosso cotidiano às situações míticas nas quais se encontra.

Isso leva a boas sacadas do roteiro, mas, também, às piadas que nem sempre funcionam, seja por aparecerem fora de hora, por soarem simplesmente idiotas ou por não serem entregues direito por Momoa. Convenhamos, ele está bom no papel e trabalha em um roteiro interessante, mas, por mais carismático que seja, não é exatamente o melhor dos atores da atualidade.

A prova de que abraçar o aspecto mitológico e épico do universo foi a melhor escolha de Aquaman é comprovado pelo fato de os momentos menos inspirados do filme serem, justamente, os confrontos com o vilão humano. O Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II), talvez por ser o antagonista mais famoso do personagem, também está no filme, mas parece deslocado. O pirata, que nutre um desejo de vingança contra o protagonista, que não demonstrou misericórdia diante da morte de seu pai, é peça secundária na construção de Arthur como um herói que olha além do próprio umbigo, mas meio que para por aí

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O longa pincela temas como meio ambiente, em uma inspirada constatação de que o primeiro ato da guerra do mar contra a terra foi devolver décadas de lixo lançados no oceano. A xenofobia também é abordada nesse mesmo tom, com as raças superiores subaquáticas enxergando os humanos como menores. A estranha aliança firmada entre o Arraia Negra e Orm faz certo sentido dentro da construção desse conflito, mas o desenrolar da vendeta entre o vilão e o protagonista soa deslocada de uma história épica e com interesses muito maiores.

Sem spoilers aqui, mas o espectador deve sair do cinema pensando a que ponto essa união efetivamente chegou, diante das relações inexistentes entre humanos e atlantes. Ao mesmo tempo em que tais fatos dão uma medida da vilania de Orm, o verdadeiro antagonista, certos atos também soam como inverossímeis dentro desse universo.

Tudo não passa de uma construção, no final das contas, para que o relacionamento entre superfície e água se estreite e, ao mesmo tempo, solte faíscas. Aquaman pode ser visto como um filme de origem, apesar de o personagem já ter sido apresentado antes, e faz isso de forma bastante interessante, capaz até mesmo de mudar a opinião do público com relação a um personagem que é sempre deixado de lado.

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É uma construção, também, o caminho que vem sendo tomado com filmes como esse e, também, Mulher-Maravilha, que tratam seus personagens divinos com a abordagem devida. É sempre interessante imaginar como seres de tamanho poder se comportariam e coexistiriam em um mundo complicado como o nosso, mas quando isso acaba os tolhendo do verdadeiro aspecto que os tornou heróicos, entretanto, o tiro acaba saindo pela culatra.

Justamente por dar ao Aquaman a intensidade de um ser capaz de falar com os peixes e controlar os mares, Wan e equipe acabam transformando Arthur Curry em um grande herói. Ele é um rei mestiço, agora sentado em um trono que, por anos, foi governado por alguém que se provou um traidor. O herói dirige uma nação quebrada, em um reino fragmentado, e tem grandes responsabilidades diante de si. E ainda precisa cuidar da Terra, onde seu coração está de verdade.

São grandes fardos e deveres para alguém visto como fraco e inferior, uma ideia que, agora, cai por terra com a força de uma superprodução. A nova pegada, acima de tudo, pinta um panorama interessante para o futuro deste universo cinematográfico que, após algumas pancadas, parece estar encontrando seu rumo. Longa vida aos reis, deuses, alienígenas e detetives.