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Crítica | Wolfwalkers traz conto folclórico que explode em beleza visual

Por| Editado por Jones Oliveira | 08 de Abril de 2021 às 08h07

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Filmes animados servem muitas vezes como uma forma mais delicada e nem tão bicuda de problematizar paradigmas já enraizados na sociedade. Pelo visual semelhante ao desenho, a mensagem chega como um filme infantil que se mostra, mais tarde, como algo para todas as faixas etárias, além de seu conteúdo ser bem-vindo até nas mentes mais fechadas. Em Raya e o Último Dragão, por exemplo, a Disney coloca o dedo na ferida ao abordar uma guerra geopolítica fadada à catástrofe por interesses individualistas; já em Os Boxtrolls, a Laika aborda os perigos de uma sociedade hierárquica utilizando o grupo dos Chapéus Brancos como uma ferramenta aristocrática.

Os exemplos são diversos e, no Oscar deste ano, há mais uma produção de cunho político que carrega uma crítica social ao crime ambiental movido a negacionismo religioso ao mesmo tempo em que volta às raízes da animação 2D e explora a beleza dos desenhos à mão e da riqueza do folclore irlandês: este é Wolfwalkers, representante do Apple TV+ na premiação da Academia de Ciências Cinematográficas e forte concorrente a Soul, da Pixar.

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Atenção! Esse texto pode conter spoilers sobre o filme. Leia por sua conta e risco.

Wolfwalkers é mais um trabalho do cineasta irlandês Tomm Moore, que mergulha nas origens do folclore irlandês e explode em esplendor visual. O longa-metragem de US$ 2 milhões de orçamento (que bate de frente com os US$ 200 milhões de Soul) traz o aconchego de uma obra aquarela e exploração do uso das cores em uma história até então inocente, mas que está longe de ser considerada infantil ao ter suas camadas descobertas.

O longa é ambientado em 1650 e acompanha a pequena Robyn (Honor Kneafsey), filha única do caçador Bill (Sean Bean). Ambos acabaram de se mudar da Inglaterra para a cidadezinha medieval Kilkenny, pois o pai fora convocado para ajudar com o extermínio dos lobos na floresta que rodeia o vilarejo em que vivem temporariamente. A jovem é hiperativa e sonhadora, disposta a ser uma caçadora após passar anos se espelhando nas habilidades com armadilhas e equipamentos de caça do mais velho — este, por sua vez, sempre cortando suas asas e direcionando-a para tarefas domésticas.

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Tudo muda quando Robyn escapa de seu vilarejo e adentra a floresta, determinada a matar um animal com as próprias mãos. No entanto, ela acaba conhecendo a pequena Mebh (Eva Whittaker), uma wolfwalker, criatura mística que, ao adormecer, vê seu espírito desdobrar-se do corpo e assumir a forma de lobo. A partir desse momento, o conto irlandês cria forma nas mãos de Moore e do roteirista Ross Stewart, que trazem a mitologia para mais perto do conhecimento global como uma verdade maior, traduzida por sentimentos e inigualáveis ilustrações do estúdio Cartoon Saloon.

Em paralelo, Wolfwalkers ainda traz uma crítica carregada ao comportamento e liderança do Lorde Protetor (como é chamado pelos demais personagens do longa), um governante fascista que deseja acabar com a floresta e seus habitantes para ampliar a área urbana de Kilkenny. Robyn é a ferramenta que quebrará essa ordem social estabelecida pelas vontades ditatoriais do Lorde Protetor: seja pela teimosia em respeitar as vontades do próprio pai e desafiar a autoridade local ou por ajudar Mebh a encontrar a mãe, que está desacordada há anos porque seu espírito de lobo nunca voltou para o corpo.

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Isso tudo é muito bem retratado pela arte animada do Cartoon Saloon, cuja técnica em aquarela misturada à animação em 2D traz um ar antigo ao visual. E isso é proposital: como se o espectador assistisse a um material antigo, histórico e, é claro, medieval — tudo muito bem pensado, já que uma das vantagens do cinema de animação é ir até lugares em que as câmeras não são capazes de registrar.

A arte vai além dos cenários, seja para entregar a atmosfera cinzenta e suja da parte urbanizada do vilarejo irlandês que transcende às telas: como em um momento que Mebh comenta como "a cidade" é fedorenta e o espectador quase pudesse sentir o odor pelas cores e traços grosseiros que desenham-na; ou pela caracterização dos personagens, em que a natureza está presente nos mais detalhados traços da pequena wolfwalker e o uso das cores, o desenho caricato da aparência do Lorde Protetor e o jogo de luzes das cenas o vilanizam de forma subjetiva.

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Por fim, a forma como o mais improvável acaba se tornando uma peça-chave na história é o que torna Wolfwalkers sem igual — e um forte concorrente a Soul, que venceu as categorias de animação nas premiações até agora; mas trazer duas personagens femininas para protagonizar uma história de revolução e embate ao negacionismo religioso (de um líder que usa Deus para justificar suas próprias ações ou esconde a promoção de sua própria imagem na do divino) e, ainda acima de tudo, trazer questões ambientais por meio de um conto folclórico irlandês.

É claro que há alguns fatores que possam fazer o público mais jovem se desconcentrar da história, como os 100 minutos de duração ou os difíceis nomes dos personagens, lendas e locais em que o filme é ambientado. No entanto, Wolfwalkers pode soar muito familiar para quem acompanhou a trilogia carro-chefe da Dreamworks atualmente, Como Treinar Seu Dragão, seja por trazer criaturas mitológicas da cultura escandinava ou pela atmosfera medieval que acolhe o espectador logo nos primeiros minutos.

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É difícil dizer se a animação de Tomm Moore levará um Oscar para casa esse ano, uma vez que a categoria possui nomes de peso competindo por apenas uma estatueta. Mas a derrota, se ocorrer, não torna Wolfwalkers um filme a se ignorar — muito pelo contrário, o título escondido no catálogo do Apple TV+ merece tanto apreço como qualquer longa da Disney, Pixar ou Dreamworks de um público de qualquer faixa etária.

Wolfwalkers está disponível no catálogo do Apple TV+.