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Crítica | Raya e o Último Dragão deixa conto de fadas e mergulha na política

Por| Editado por Jones Oliveira | 10 de Março de 2021 às 10h59

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Crítica | Raya e o Último Dragão deixa conto de fadas e mergulha na política
Crítica | Raya e o Último Dragão deixa conto de fadas e mergulha na política

Já faz um tempo que a Disney expande o arco de suas personagens femininas além do romance de conto de fadas. Mesmo Mulan, em 1998, sendo a primeira princesa guerreira dos estúdios de animação, ainda havia a necessidade de dar um príncipe encantado para a protagonista ter seu merecido "felizes para sempre". No entanto, não é equivocado dizer que isso começou a mudar com Frozen e Moana, cujas jornadas das protagonistas não incluíam explorar suas vidas afetivas, e em Raya e o Último Dragão, o mais recente lançamento dos estúdios de animação, também não há espaço para contos de fadas.

Atenção! A partir daqui o texto pode conter spoilers sobre o filme! Leia por sua conta e risco.

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Logo no início fica claro para o espectador que Raya (Kelly Marie Tran, a Rose Tico em Star Wars: The Last Jedi) possui uma diferença gritante en relação às heroínas que a antecederam e que passaram por uma jornada de autoconhecimento e libertação para perceberem a guerreira que existia dentro de si. A mais nova protagonista da Disney, desde o minuto inicial, já tem total conhecimento de sua garra e suas habilidades de batalhas, algo que a tornou desconfiada e cética. Logo, fica claro que o arco de Raya mostrará uma história sobre assumir riscos, principalmente quando eles consistem em confiar em outras pessoas.

Tradicionalmente, como em outros filmes da Disney, Raya e o Último Dragão arremessa o espectador para 500 anos atrás, quando as cinco ilhas de Kumandra formavam uma única sociedade em que humanos e dragões viviam em harmonia — justamente por isso que as cinco terras que formavam o reino são chamadas de Coração, Garra, Presa, Espinha e Cauda, referindo-se a cada uma das partes de um dragão. Um dia, quando os Druun, criaturas nevoeiras que transformam suas vítimas em rochas, ameaçaram a vida na Terra, os dragões se sacrificaram para salvar os humanos, levando à extinção da espécie.

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Com o passar do tempo, a paz em Kumandra foi tomada por desavenças humanas, que acabou gerando uma verdadeira guerra geopolítica entre as cinco ilhas e uma nova briga de interesses entre os povos acabou fazendo a ameaça de séculos atrás retornar e levar todo o sacrifício dos dragões por água abaixo. Raya, arrependida de um erro, agora tem a missão de juntar as cinco peças da joia de Sisu, o tesouro que mantinha o reino longe das ameaças dos Druun, e salvar o mundo.

É válido dizer que esse é o filme "menos infantil" da Disney até agora, dado o momento em que uma história como essa é lançada ao mundo. Logo após as eleições presidenciais dos Estados Unidos, Raya e o Último Dragão ainda bate de frente com o negacionismo e a ignorância e traz de forma quase didática como nada se ganha quando minorias entram em conflito.

Os Druun, por sua vez, podem ser vistos como uma simples metáfora de tudo o que causou medo na população mundial nos últimos anos, desde conflitos políticos, violência policial, a crise ambiental e até mesmo o coronavírus. A lista é vasta e mesmo que em Raya e o Último Dragão a névoa roxa transforme suas vítimas em estátuas rochosas, no mundo real não é equivocado dizer que os efeitos de nossos medos são igualmente aterrorizantes.

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A aventura de Raya possui desafios e nisso não há dúvidas, mas assim como qualquer um de nós, a protagonista acaba enfrentando muito mais obstáculos criados por ela e por seu ceticismo. Com a missão de coletar uma parte da joia de Sisu em cada uma das ilhas que cerca o Coração, o novo filme da Disney mostra que habilidades de lutas não são suficientes para ter sucesso numa aventura se não existe confiança naqueles que também embarcam e acompanham a heroína na história. E é nessa questão que Raya tira sua lição.

Em paralelo, também é interessante observar a diversidade não só dos personagens, mas de culturas e ambientes que compõem a história. Cheio de referências, a aventura de Raya varia de desertos no estilo Mad Max a coloridos e movimentados mercados (como os de Hong Kong), em que o visual se estende aos personagens que habitam cada um desses locais. Um dos destaques, inclusive, é Namaari (Gemma Chan, de Podres de Ricos), cujas versões criança e adulta fogem dos padrões estéticos femininos em detalhes simples e discretos, mas que no conjunto já são capazes de quebrar paradigmas patriarcais impostos para meninas desde a infância.

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Mais uma vez: Raya e o Último Dragão não inventa a roda nesse aspecto, já que há um tempo a Disney vem explorando o visual de suas personagens femininas para englobar cada vez mais representatividade, mas é necessário chamar a atenção para a quebra dessa zona de conforto que usualmente envolveria vestidos, cabelos longos e maquiagem. Raya, e principalmente Namaari, não possui comportamento ou visual puramente femininos, mas isso está longe de torná-la menos mulher. Na verdade, é gratificante ver uma produção de alcance global mostrar para as gerações mais novas que isso está cada vez mais normalizado.

Quanto à Sisu, Awkwafina brilha no elenco de voz original de uma forma que sua personagem tem tudo para se tornar um ícone entre os queridinhos coadjuvantes das animações (como o Mushu de Eddie Murphy ou o Gênio da Lâmpada de Robin Williams), além de ser a inocência e a emoção que faltava para quebrar a racionalidade de Raya durante toda a história. O dragão, com visual e trejeitos tão belos e impactantes que se assemelham a de uma sereia, é a peça-chave do filme, contrastando e trazendo essa alegria necessária, como de uma criança, para momentos sérios e de conflito.

Raya e o Último Dragão faz história por trazer a primeira princesa do sudeste asiático da Disney, mas tambémse torna um filme atemporal que pode ter diversas interpretações e inserido como metáfora nos mais variados contextos políticos, econômicos e sociais. Com estética e efeitos visuais impactantes, a produção ainda conta com um elenco de voz original de peso, como Sandra Oh (Grey's Anatomy, Killing Eve), que interpreta Virana, a mais próxima personagem a ocupar o posto de antagonista; Daniel Dae Kim (Lost, Hawaii-Five-0), que empresta a voz ao Chief Benja, pai de Raya; e Benedict Wong (Doutor Estranho), que vive Tong, o valente, mas solitário, morador da Espinha.

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Raya e o Último Dragão está disponível por meio do Premier Access no Disney+ e em cinemas selecionados ao redor do Brasil.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.