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Crítica | Tenet é uma experiência esmagadora esnobe

Por| 10 de Dezembro de 2020 às 21h20

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Warner Bros.
Warner Bros.

Brincar com o tempo pode ser algo muito versátil. De alguma maneira, Christopher Nolan vem conseguindo manter seu jogo temporal sempre muito vivo desde seu primeiro longa-metragem, Following (1998), que localiza a narrativa não-linear a partir da aparência do protagonista. Mas, se o filme de 1998 foi o inaugural, provavelmente Tenet não será o último.

Todos os filmes de argumentos originais do diretor — dos quais se exceptuam a trilogia d’O Cavaleiro das Trevas (2005, 2008 e 2012 respectivamente), Insônia (2002) e O Grande Truque (2006) — carregam essa sina temporal: Amnésia (2000) segue para trás em blocos de sequências, A Origem (2010) traz níveis de sonhos cada um com sua passagem de tempo própria e relativa; Dunkirk (2017), apesar de uma certa linearidade, tem três núcleos de personagens cada um com uma passagem diferente das horas — gerando ritmos distintos. Até mesmo o citado O Grande Truque, que é adaptado de um romance de Christopher Priest, faz seus malabarismos com o tempo a partir de truques de ilusionismo.

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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

O que vale

A questão é que, para Nolan, nunca faltou ambição. O ar de grandiosidade dos seus filmes tem se tornado uma marca que ele parece ostentar com orgulho. E pode ser uma satisfação válida, porque existe uma relação crescente entre a exposição dos roteiros e a forma-cinema que é proposta. Tenet, nesse sentido, pode ser visto como um exercício pomposo e exagerado (sem julgamento). Isso porque há uma necessidade quase patológica pela exposição de explicações — todas inseridas em diálogos — ao mesmo tempo em que a ação se agiganta a ponto de se tornar autoral.

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Por essa perspectiva, a direção de Nolan consegue assinar a forma do filme em uma medida quase absurda. É como se ele pudesse dizer que sabe fazer cinemão comercial como ninguém. O domínio da visão do diretor sobre as cenas colossais em IMAX é, de fato, absoluto. Acontece, porém, que quando as cenas recuam e, verticalmente, perdem comprimento ao assumir as filmagens em 70mm, a potência do que é visto parece ser diminuída — por mais que a trilha praticamente onipresente e intensa de Ludwig Göransson (de Pantera Negra), em uma emulação conceitual do Hans Zimmer nolaniano, insista em manter o todo excessivo.

Não se trata, ainda assim, de algo desproposital. Com Tenet, Nolan pode deixar a impressão de que ele quis chegar a outro nível: enquanto as explicações expositivas criam capítulos à parte como se fossem rápidas aulas sobre o que está acontecendo, elas também podem estar criando descansos entre as extravagâncias (novamente sem julgamento). Neste caso, pouco importa se o público está entendendo ou não o todo, porque o que vale é a experiência esmagadora.

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O peso do esnobismo

“Inversão de tempo”, “reversão de entropia”, “movimentos temporais de pinça”... tudo é uma utilização da ciência para a construção de sonhos. Novamente desenvolvendo os princípios ao lado do físico teórico Kip Thorne (vencedor do Nobel), como havia acontecido em Interestelar (2014) — outro que trabalha com o tempo, mas por meio de universos alternativos criados através de buracos negros —, Nolan parece buscar o irreal a partir da ciência. E, mesmo que seja burocrático, pode ser bem divertido assistir aos personagens tentando explicar o impossível baseados em conceitos reais. É um nó bem dado que, claro, pode ser um tanto quanto maçante, mas pode divertir em igual medida.

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Ainda, Tenet deve ser o projeto mais pessoal de Nolan até aqui. Sem se perder nas emoções do seu coração aparentemente gelado, ele até se dá ao luxo de rir de si mesmo ao trazer Michael Caine em uma participação especial. O ator, que está em seu oitavo filme com o diretor, protagoniza aquela que talvez seja a única cena com algum humor dentro das duas horas e meia: quando a personagem de John David Washington (chamado somente de Protagonista) diz que os ingleses não têm o monopólio do esnobismo, Crosby (Caine) não demora em responder taxativamente que, realmente, eles não têm o monopólio, mas tem a participação majoritária — Nolan, como Caine, é inglês.

Assumindo, então, toda sua forma esnobe de fazer cinema (terceira vez sem julgamento), o diretor acaba por, de repente, construir o filme que mais tem a sua identidade. Com Tenet, Nolan prova que por mais interesse que ele tenha em fazer o público entender seus filmes e por mais apreço científico que ele tenha na escrita e no desenvolvimento geral, o que importa mesmo é a, na prática, opressiva estimulação das imagens e do som. As emoções empáticas, enfim, são postas em último plano para que o peso intimidador do seu cinema seja aproveitado.

Um cinema imperativo

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O problema, no final das contas, é que muito do filme é, justamente, explicando o que está acontecendo, por que está acontecendo e o que pode vir a acontecer. Aliás, mesmo com tantas explicações, pode continuar sendo difícil acompanhar a história em si. Assistir, cena após cena, com, principalmente, Protagonista e Neil (Robert Pattinson) tentando dar sentido e completando as frases um do outro, pode ser algo cansativo.

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É por isso que Nolan está longe de ter domínio narrativo como tem dos conceitos visuais e sonoros. Se ele, finalmente, largasse as exposições científicas e pulasse caoticamente em suas elucubrações mastodônticas, provavelmente Tenet teria a chance de ser visto como uma obra-prima quase experimentalista. De todo jeito, é possível que a melhor forma de aproveitar o filme seja não tentando entendê-lo. Curtir a experiência e se sentir esmagado pela potência de um cinemão comercial que poucos conseguem fazer é um caminho, por acaso, prazeroso.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.