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O que tem de errado em Indiana Jones, segundo arqueólogos

Por| Editado por Luciana Zaramela | 25 de Julho de 2023 às 16h26

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Paramount Pictures
Paramount Pictures

Com a estreia do último filme do arqueólogo mais famoso do mundo — Indiana Jones e a Relíquia do Destino — reacendeu-se o debate sobre o impacto do acadêmico aventureiro na percepção popular. Embora tenha inspirado muitos historiadores, arqueólogos, paleontólogos e cientistas afins a escolherem suas carreiras, nem todos veem as representações cinematográficas da profissão com bons olhos, dizendo que ele parece mais um ladrão de tumbas ou caçador de tesouros. Quem está certo?

Arqueólogo ou caçador de tesouros?

Para entender as atividades do Dr. Jones, é importante diferenciar as profissões e/ou atividades potencialmente ilegais, digamos, que outros exploradores de artefatos antigos realizam. Arqueólogos escavam locais importantes à sua ciência, como ruínas de cidades antigas, tumbas e locais de descarte da antiguidade para revelar objetos inseridos em um contexto passado — ou seja, buscam algo que nos revele como era a vida dos humanos de outras épocas.

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Muitas vezes, poucos objetos podem representar tudo o que sabemos sobre uma cultura antiga, especialmente as que não escreveram relatos de sua existência. Para um arqueólogo, o trabalho consiste em interpretar artefatos como esses para permitir um vislumbre de épocas sobre as quais pouco sabemos.

Já um caçador de tesouros ou saqueador vai atrás de resquícios do passado apenas para ganho pessoal ou privado, vendendo tudo de importante que encontrar — a custo do contexto de conhecimentos passados e do próprio ambiente explorado.

Não é muito diferente de um ladrão de tumbas, que não tem preocupação nenhuma com a vida humana no passado, cujos detalhes podem ser jogados no lixo meramente pelo ganho financeiro. Obras da cultura pop como Unchartede Tomb Raider, por exemplo, tratam de caçadores de tesouro, que, em teoria, teriam de ser diferentes do arqueólogo Indy.

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O que faz o Indiana Jones, afinal de contas?

As aventuras do professor universitário geralmente giram em torno de um único objeto, cuja captura deve ser feita a qualquer custo. Muitas vezes, o Dr. Jones já tem todas as informações que precisa sobre o item, precisando apenas recuperá-lo. Segundo conta o Dr. Christopher Lowman ao site IFLScience, a arqueologia nunca é sobre um único artefato — especialmente quando ele não está no contexto onde foi encontrado.

Já que o objetivo dessa ciência é revelar mais sobre comunidades e culturas do passado, não faz sentido focar em um “santo graal”, um tesouro único. Nos filmes, acaba que não descobrimos grande coisa sobre a vida em tempos antigos a partir do tesouro obtido.

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Quando não está disparando armas e socos contra nazistas, Indy é um professor PhD que pode ser visto lecionando para alunos interessados. Nesse ponto, ele é igualzinho aos acadêmicos de hoje — passa o ano dando aulas e discutindo a prática arqueológica e vai a campo pesquisar no restante do tempo.

O problema, segundo Lowman, é a atividade de campo, que tem pouco ou nenhum respeito pela preservação dos sítios arqueológicos, algo importantíssimo para os profissionais da ciência. Conservação e proteção de locais é parte chave do processo, única forma de garantir que pesquisas futuras sejam possíveis novamente. Difícil seguir os passos do dr. Jones quando os sítios arqueológicos que ele visita estão destruídos ou repletos de corpos humanos mais recentes do que se esperaria.

Isso pertence mesmo a um museu?

Como evidenciam as muitas piadas feitas sobre os objetos mostrados no Museu Britânico de Londres, que vão de esfinges e estátuas gregas aos Mármores do Partenon e o Portão de Ishtar, atualmente existe uma consciência de que patrimônios culturais arqueológicos pertencem aos países de onde vêm — e não em um museu em uma metrópole estrangeira.

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Indiana Jones é, no fim das contas, um personagem ficcional, escrito para agir como age (e que, no roteiro original, era mesmo um caçador de tesouros e não um acadêmico), mas suas atitudes, mesmo que anacrônicas, demonstram a visão sobre a arqueologia que predominava no início do século XX.

Muitos dos primeiros arqueólogos da história trabalhavam a serviço de exércitos invasores. Um exemplo é a invasão do Egito por Napoleão, em 1789, que levou arqueólogos, historiadores e artistas, cujo trabalho era documentar a conquista do país e escavar o solo em busca de artefatos a serem levados como espólio. É assim que foi encontrada a Pedra de Rosetta, por exemplo, que hoje está no Museu Britânico.

No século XIX, arqueólogos eram, no geral, amadores com uma grande paixão pelas culturas estudadas, mas que agiam de forma colonialista e exploratória. Qualquer aspecto sagrado dos objetos era ignorado, sendo roubados e jogados em museus ou coleções particulares, lá ficando até hoje, em muitos casos.

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Foi só mais tarde que a disciplina recebeu padronização e método para remoção de artefatos, incluindo desenhos detalhados e esboços de sítios arqueológicos inteiros. Apesar do aspecto heroico ter sumido, Indy ainda representa as ideias românticas do intrépido explorador que encontra relíquias do passado.

Com o tempo, a própria arqueologia se virou para abordagens mais científicas e experimentais, se importando mais com generalizações sobre o comportamento humano do que o foco em objetos únicos. É uma mudança que, de certa forma, podemos ver no Indy dos filmes mais recentes, que já se sente velho e fora de lugar frente às mudanças do mundo e de seu próprio meio acadêmico.

Mas seria o Indiana Jones positivo ou negativo para a ciência em nosso mundo? Alguns acadêmicos já criticaram a obra por dar uma noção pouco realista da arqueologia ao público, ou mesmo pela ligação do passado com o sobrenatural, algo bastante presente nos filmes.

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Já Lowman acha que o saldo é positivo, assim como Jurassic Park foi positivo para a paleontologia — ou seja, ambas são obras que apresentaram um campo da ciência a diversas gerações, gerando interesse na realidade por trás das histórias, por mais fantasiosas que sejam.

Mesmo assim, o cientista acha que é hora de histórias como a de Indy serem aposentadas, já que as representações trazidas por elas não cabem mais — assim como os pesquisadores atuais se preocupam com as comunidades impactadas por seus estudos arqueológicos, é importante a arqueologia seja representada de acordo. Ativismo e atenção às identidades do presente e do passado permeiam o campo científico, e é hora da cultura pop também abraçar esses aspectos.

Fonte: Smithsonian Magazine, IFLScience