Crítica Uncharted: Fora do Mapa | Grandeza em pequenos começos
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
Para ser sincero, Uncharted nunca teve uma história muito original. Nos videogames, a franquia sempre foi uma grande amálgama de histórias de exploração, misturando Indiana Jones, Tomb Raider e As Minas do Rei Salomão para criar algo novo que, ao mesmo tempo, fosse muito familiar. Com um herói carismático e muitas cenas de ação, era uma fórmula que sempre teve muito potencial para ser sucesso também nos cinemas.
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Por isso mesmo todos os problemas de produção acenderam um sinal de alerta na cabeça dos fãs. Foram mais de 10 anos tentando tirar o projeto do papel, com diversas trocas de elenco, diretor e uma quantidade assustadora de roteiros sendo descartados. A demora foi tanta que até seu protagonista teve que ser substituído por ter ficado velho demais para o papel.
Diante de todo esse histórico, é natural que Uncharted: Fora do Mapa chegue aos cinemas rodeado de desconfiança. Contudo, o longa estrelado por Tom Holland mostra que a fórmula consegue ser mais forte que todos esses entraves e entrega uma aventura divertida e empolgante que pode até não ficar à altura dos games, mas é suficiente para espantar a maldição das adaptações de jogos.
O chamado da aventura
Não é segredo para ninguém que a Sony está procurando novas franquias para emplacar nos cinemas e Uncharted sempre foi uma grande aposta para isso. A série é uma das mais populares do PlayStation e o potencial nas telonas sempre foi imenso. Não por acaso, o estúdio escalou Tom Holland para viver o papel do herói Nathan Drake.
Só que essa ânsia não se traduz em um projeto apressado — muito pelo contrário. O grande acerto de Fora do Mapa é entender que o público do cinema é muito mais amplo do que o dos videogames e, assim, se preocupa em apresentar seu universo e desenvolver seus personagens com calma, de modo que até mesmo quem nunca viu um PlayStation possa se afeiçoar ao aventureiro.
Mesmo que essa estrutura do herói em formação seja já bastante batida, ela é necessária para apresentar tudo aquilo que faz parte de Uncharted. As motivações de Drake, sua relação com Sully (Mark Wahlberg), a dinâmica entre os ladrões e até mesmo o tipo de ameaça que eles são capazes de encarar em busca de um tesouro. É um pequeno começo para que a grandeza que a gente conhece dos jogos possa aparecer mais para frente.
E, nesse sentido, a escalação de Holland para viver o herói é o grande acerto. O ator está em um ótimo momento após o sucesso de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, mas o seu Nathan Drake em nada lembra o Peter Parker que vimos há tão pouco tempo. Ele consegue dar uma cara nova ao personagem, adotando uma postura muito mais confiante e até mesmo cínica que não existe em sua contraparte da Marvel.
Tanto que ele carrega tranquilamente o filme nas costas. Dos seus conflitos com Sully à procura incessante pelo seu irmão Sam, o Drake de Tom Holland transita muito bem por todas as diferentes facetas que a história de Uncharted: Fora do Mapa apresenta sem deixar a desejar em nada — sendo até mais interessante que o personagem nos games.
Só é uma pena que o filme não tenha um roteiro tão bem afinado para aproveitar o carisma do ator, tirando um pouco do brilho daquela que é a maior característica de Drake. Ainda que ele continue sendo esse herói bastante espirituoso, faltam diálogos e situações que saibam explorar isso. Todas as tentativas de engatar uma piada não funcionam e não rendem nem mesmo um sorriso amarelo.
Em compensação, as cenas de ação são realmente muito boas e entregam tudo aquilo que os jogadores esperavam ver em um filme de Uncharted. Apesar das perseguições com câmera tremida e a edição frenética das lutas, o título é rodeado de bons momentos. Não é nada genial, mas o suficiente para recriar a dinâmica dos games.
Só é uma pena que a maior parte dessas cenas tenha sido entregue nos trailers, o que tira muito do impacto. Ainda assim, é impossível não se empolgar ao vê-las na tela grande e com a icônica trilha sonora.
Sim, apesar de o material promocional ter escondido o tema da série, ela aparece em alguns momentos na segunda metade de Fora do Mapa — pontuando justamente a transformação do Drake garoto no herói que o público espera ver. E apesar de ser um pouco frustrante não ouvir a trilha mais vezes, as suas execuções foram muito bem escolhidas e dão o tom épico que esses momentos exigem.
Pause forçado
E se Tom Holland é a melhor coisa do filme com seu Nathan Drake, Uncharted: Fora do Mapa tem sérias dificuldades de entregar bons personagens para dividir a tela com o herói. Embora não esteja ruim, o Sully de Mark Wahlberg soa muito mais como o próprio ator do que como esse velho vigarista que sempre tem um comentário ácido ou algum esquema duvidoso na manga.
Tudo se resume a algumas reclamações e a tentativas de passar todos para trás, mas sem nem chegar perto do charme que o personagem exige. Só que, ainda assim, a química entre os dois funciona e está longe de ser um problema.
Por outro lado, Sophia Ali e a Tati Gabrielle ficam bem abaixo da média. A primeira vive Chloe Frazer, uma exploradora que tem conexões tanto com o passado de Sully quanto de Drake, mas que acaba não sendo desenvolvida para além de algumas poucas referências aos jogos. Já Gabrielle é a vilã Jo Braddock, que é outra exploradora sem escrúpulos e que tem uma única cara ao longo de todo o filme. Em uma pobreza de atuação, não oferece perigo aos heróis e nem entretenimento para o público.
E tudo bem que Uncharted nunca foi conhecido por seus vilões, mas prejudica demais uma história em que nenhuma das ameaças são significativas. Braddock é a típica personagem que fala muito e faz pouco. Com exceção de uma única cena em que ela aparece lutando e demonstrando toda a habilidade que diz ter — e que é muito breve —, ela faz mais barulho do que realmente entrega alguma coisa. E nem espere muita coisa de Antonio Banderas, que é quase um figurante dentro da trama.
Comparação inevitável
E como não poderia deixar de ser, as comparações entre filme e jogo são inevitáveis. E o grande mérito de Uncharted: Fora do Mapa é justamente saber dosar essas referências ao game sem alienar quem nunca ouviu falar de Drake. E é por isso que essa estratégia de trazer a velha fórmula do herói em formação funciona tão bem.
Assim, dá para dizer que o filme é justamente esse prólogo para os games — algo que é reforçado pela cena pós-crédito —, o que explica até mesmo o porquê do herói ainda ser tão ingênuo nesse mundo de ladrões e golpistas. E é uma solução que funciona muito bem, respeitando o cânone dos jogos ao mesmo tempo em que leva a trama do longa para frente.
Mas isso não quer dizer que os games são deixados de lado. Como os trailers já apresentaram, o roteiro é uma grande colagem de situações e eventos de todos os jogos da franquia, seja pela relação de Nate e Sam, os primeiros trabalhos com Sully ou a tão repetida cena do avião. Nada é gratuito, o que faz com que essa organicidade funcione para todo mundo e a favor do filme.
Press Start
Se a ideia de Uncharted: Fora do Mapa era apresentar a franquia na esperança de engatar uma série de filmes, o tiro foi certeiro. Mesmo com vários deslizes em termos de escalação e do próprio roteiro, o resultado final é bem positivo. Não é nada fenomenal, mas também está bem longe de ser a tragédia que poderia ser — ainda mais depois de todos os problemas de produção.
Trata-se daquele filme leve e divertido perfeito para passar na TV em um domingo à tarde e que funciona justamente por se apoiar em uma fórmula que sempre deu muito certo no cinema, mas sem se tornar genérica. Foi o caminho adotado nos jogos e que transformou Drake em um dos símbolos do PlayStation.
E por mais que nada nos indique que o herói vai ter o mesmo brilho na tela grande, a série comprovou ser aquela jóia com um enorme potencial para o futuro, bastando apenas ser melhor lapidada. A Sony parece ter encontrado a franquia que buscava, mesmo precisando fazer alguns ajustes.
Ecoando o lema do próprio herói, a grandeza está em pequenos começos — e Uncharted: Fora do Mapa é exatamente isso. Resta saber agora se a série vai seguir esse mapa ou se perder no caminho.
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