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Mulheres pré-históricas também caçavam, tal como os homens

Por| Editado por Luciana Zaramela | 24 de Outubro de 2023 às 19h26

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Sandy Brown Jensen/CC-BY-2.0
Sandy Brown Jensen/CC-BY-2.0

Quando pensamos em nossos ancestrais caçadores-coletores, humanos nômades que subsistiam da comida que a natureza proporcionava, o que vem à cabeça? Uma divisão de gênero entre quem coletava e quem caçava, certo? Estudos recentes têm questionado esses estereótipos, revisando trabalhos antigos que simplesmente assumiam o papel de caçador para os homens.

Mais especificamente, as cientistas Sarah Lacy, da Universidade de Delaware, e Cara Ocobock, da Universidade de Notre Dame, compilaram evidências arqueológicas e fisiológicas que sugerem não só a capacidade das mulheres pré-históricas poderem caçar como seus contemporâneos masculinos, mas também que elas ativamente ajudavam a realizar a atividade, bem como os homens também forrageavam, ou seja, coletavam frutas e bagas.

Novo olhar científico às caçadoras

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Segundo conta Lacy em um comunicado, a pesquisa compartilhada veio da fadiga em ver a falta de critérios nas considerações sobre o papel de gênero na pré-história. Se costuma pensar, por exemplo, que a lascagem de pedras para produzir ferramentas era uma atividade predominantemente masculina, mas é claro que não há como saber disso — não há impressões digitais ou outras evidências empíricas de quem realmente fazia isso.

A ciência masculina do passado tendia a colocar, por conta dos vieses de uma academia dominada pelos homens, o trabalho encontrado nas evidências na mão dos imaginados homens do passado. Às vezes, mesmo provas do contrário eram ignoradas — há marcas em ossos e ferramentas de pedra também encontradas em túmulos femininos, por exemplo. Isso também vale para a fisiologia dos ancestrais humanos do Paleolítico.

Lacy comenta que, ao olhar mais a fundo para a anatomia e fisiologia moderna e considerar os esqueletos de pessoas do passado, não há diferença nos padrões de trauma entre homens e mulheres. Isso indica que essas pessoas faziam o mesmo tipo de atividade, sem uma divisão óbvia de tarefas.

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Homens até poderiam ter uma vantagem na força muscular, mas é provável, segundo as pesquisadoras, que as mulheres tivessem uma melhor adaptação a tarefas de resistência, já que possuíam níveis maiores de estrogênio no corpo. É preciso uma combinação de ambos os fatores para ter uma caçada bem-sucedida. Como os primeiros humanos viviam em grupos pequenos, faz sentido que todos tivessem de participar de basicamente todas as atividades para garantir a sobrevivência coletiva.

Como há poucas evidências da vida no passado, é fácil notar de onde vieram as ideias do homem caçador. Uma das obras que gerou essa noção é uma coleção de artigos de 1968 pelos antropólogos Richard B. Le e Irven Devore, que assumiram um papel de caçador aos homens antigos. Isso ficou tão entranhado no senso comum que o desafio da teoria por acadêmicas mulheres sequer foi considerado nas décadas seguintes.

Segundo Lucy, isso foi antes do trabalho com genética e fisiologia nos mostrar o papel do estrogênio, por exemplo, que se junta a outras evidências para desfazer estereótipos sem embasamento. A cientista admite que há muito que não sabemos sobre as sociedades pré-históricas, mas lembra que não podemos aplicar os rótulos de gênero dos dias atuais nos humanos primitivos, já que não são inerentes à espécie, que foi igualitária por milhões de anos.

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Ela espera que pesquisadores futuros abordem tais questões com uma cabeça mais aberta às ideias de divisão do trabalho entre os gêneros. Vale lembrar que um artigo publicado mais cedo neste ano estudou os papéis de gênero em sociedades caçadoras-coletoras que ainda vivem por todo o mundo e descobriu que, na maioria delas, as mulheres de fato caçam.

Mais do que isso, elas são habilidosas com uma maior variedade de ferramentas e de estratégias de caça e estão envolvidas ativamente no ensino dessas práticas aos mais novos. É assim que, aos poucos, a ciência vai se livrando de mais alguns de seus vieses — e consegue analisar melhor as mensagens que o passado deixa para encontrarmos.

Fonte: American Anthropologist 1, 2, University of Delaware