Mulheres caçadoras | Divisão de papéis de gênero nos caçadores-coletores é mito
Por Augusto Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela |
Um conhecimento muito difundido sobre os seres humanos pré-históricos diz que, nas sociedades do passado, os homens saíam para caçar e as mulheres se encarregavam da coleta e forrageamento, bem como cuidavam de seus filhos e outros aspectos da comunidade. Esse argumento, usado até para justificar aspectos atuais da sociedade, está caindo por terra graças a novos achados arqueológicos e análises pelos cientistas responsáveis.
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Os fatos que refutam essa crença popular vêm sendo encontrados tanto na história quanto pré-história humana, que teve seu final em torno de 3.500 a.C. Um deles é o encontro de diversos túmulos femininos de diversas sociedades antigas onde as mulheres estão enterradas ao lado de ferramentas para a caça de grandes presas, como se vê nos túmulos dos homens.
Mesmo assim, alguns pesquisadores afirmam que o papel de caçadoras estava limitado a sociedades muito antigas, apenas da idade da pedra, e que sociedades forrageadoras mais recentes teriam acabado entrando no paradigma mais conhecido do homem caçador e da mulher coletora. Para investigar mais a fundo, a pesquisadora Abigail Anderson, da Seattle Pacific University, analisou dados de diversas sociedades, especialmente as forrageadoras recentes, dos últimos 100 anos.
Caçadoras da atualidade
Com sua equipe, Anderson estudou 63 sociedades forrageadoras do último século, indo da América do Norte à América do Sul, África, Austrália, Ásia e Oceania. Em 79% delas, as mulheres caçam, independente de serem mães ou não. Mais de 70% desse comportamento parece ser intencional, ou seja, não é apenas o abate oportunístico de um animal encontrado por acaso durante outra atividade.
Além disso, a caça praticada pelas mulheres parece ser direcionada a presas de todos os tamanhos, sendo mais comuns, inclusive, presas grandes. Outro aspecto interessante mostrado pela pesquisa é que as mulheres estão ativamente envolvidas no ensino de práticas de caça, costumeiramente usando uma maior variedade de armas e estratégias de caça do que as usadas pelos homens.
Em muitas sociedades forrageadoras, as mulheres são caçadoras habilidosas, tendo um papel importante na prática — desconstruindo o mito dos papéis de gênero fixos nesse tipo de organização social, mesmo nos tempos mais recentes. As antigas percepções geraram estereótipos que prejudicaram achados arqueológicos. Muitos pesquisadores acabavam relutando em interpretar objetos enterrados com mulheres do passado como ferramentas de caça, sugerindo outros usos, por exemplo.
Com a descoberta, Anderson e equipe também indicam ser necessário reavaliar possíveis evidências antigas e se desfazer da noção de separação de tarefas em pesquisas futuras. Evidências globais, finalizam os cientistas, mostram a participação das mulheres na prática da caça de subsistência na maioria das culturas.