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Medicina na Roma antiga tinha fórceps, bisturi e pinças como atualmente

Por| Editado por Luciana Zaramela | 14 de Junho de 2023 às 16h34

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Wellcome Library/Domínio Público
Wellcome Library/Domínio Público

Embora os médicos sejam profissionais de grande prestígio nos dias de hoje, nem sempre foi assim. No século I d.C., durante o Império Romano, as pessoas que se dedicavam à medicina eram encaradas com desconfiança ou mesmo repúdio — além de não conhecerem muito bem as doenças que tratavam, elas eram considerados gananciosas, incompetentes e constantemente acusadas de tomar vantagens sexuais dos pacientes.

Plínio, o Velho, um almirante e estudioso que morreu em 79 d.C. enquanto tentava resgatar vítimas da erupção do monte Vesúvio, em Pompeia e Herculano, escreveu em sua obra “História Natural” um relato contra a profissão médica. Segundo ele, esses profissionais cobravam demais, administravam remédios duvidosos e tinham querelas (brigas) insuportáveis.

“Os médicos ganham experiência às nossas custas e realizam experimentos que nos levam à morte", diz o autor. Em mais de um túmulo romano, podem-se ler as palavras “Uma gangue de médicos me matou”.

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À época, bálsamos de cura eram compostos de caracóis esmagados, carne de doninha curada no sal e cinzas de cabeças cremadas de cães, então não é de se surpreender que não funcionassem. Os instrumentos médicos, no entanto, mudaram muito pouco — bisturis, agulhas, pinças, sondas, fórceps, escopros e brocas já faziam parte do kit médico de 2.000 anos atrás, seguindo na sala de cirurgia até hoje.

Caixeiros-viajantes do passado

Uma descoberta recente que mostrou mais sobre o mundo médico de dois milênios atrás — e que comentamos aqui no Canaltech — aconteceu na Hungria, quando arqueólogos desenterraram um raro kit médico intacto de medicina junto a restos mortais do século I d.C., em uma necrópole próxima a Jászberény, cidade a 56 km da capital, Budapeste.

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Dois baús de madeira incluíam fórceps para arrancar dentes, uma cureta para misturar, medir e aplicar remédios e 3 bisturis de bronze com lâminas removíveis de aço, adornados com prata à moda romana.

Também havia um almofariz, ou morteiro, junto aos itens, com marcas de abrasão e restos de remédios, sugerindo que seria utilizado para triturar ervas medicinais. O mais curioso dos artefatos era uma niveladora de osso, para reduzir (devolver) fraturas ao seu devido lugar, e o cabo do que parece ter sido uma broca, utilizada na trepanação craniana e extração de fragmentos de armas dos ossos. Os itens estavam aos pés do esqueleto de um homem presumivelmente romano, talvez um médico antigo.

Sofisticados e variados, os instrumentos eram usados para operações complexas, mostrando o avanço da medicina na época romana. A cidade húngara que abriga os restos era parte do que se chamava de Barbaricum, uma enorme região para além das fronteiras imperiais que servia como tampão contra ameaças externas.

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Um indivíduo tão bem equipado teria razões para estar tão longe dos centros romanos? Ele poderia estar tratando uma figura local de prestígio, ou acompanhando uma expedição militar junto a uma legião, por exemplo.

Kits semelhantes já foram encontrados no que era território romano, com o maior e mais variado vindo de Rimini, na Itália, em 1989, da casa de um médico do século III d.C. Antes dos objetos húngaros, os mais antigos vinham de um sítio arqueológico de 70 d.C., encontrados em 1997 na Inglaterra, e o mais renomado vinha de Pompeia, na “Casa do Cirurgião”, enterrada sobre cinzas e fuligem por conta da erupção e encontrada em 1770.

Sem diploma, sem problema

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Talvez a desconfiança que vinha com os profissionais que não conseguiam curar muito bem seus pacientes venha das grandes expectativas dos romanos. Aulo Cornélio Celso, em seu tratado “De Medicina” (Sobre a Medicina, em tradução livre), do século I, afirmou que um cirurgião deveria ser “jovem ou, em qualquer taxa, mais próximo da juventude do que da idade; com uma mão forte e firme, pronto para usar a mão esquerda bem como a direita; com visão aguçada e limpa”.

O médico ainda deveria, segundo Celso, ser destemido e empático, mas não se abalar com os gritos de dor do paciente, e seu maior desejo deveria ser o de ver o paciente bem. A maioria dos médicos romanos era, na verdade, grego, ou ao menos falava a língua helênica. Muitos eram pessoas libertas, ou mesmo escravizadas, o que pode ter influenciado no baixo prestígio social.

Estudar medicina só era possível em grandes centros urbanos, onde futuros cirurgiões trabalhavam como aprendizes de médicos reconhecidos, liam obras em grandes bibliotecas e participavam de palestras em locais como Atenas e Alexandria. Para ter experiência tratando de feridas de combate, muitos “estagiavam” no exército ou em escolas de gladiadores, o que poderia explicar a presença das ferramentas na Hungria.

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Os médicos eram itinerantes, e escritores da antiguidade, como Galeno, indicavam aos profissionais viajar para descobrir quais doenças eram mais comuns em cada território. Não havia, no entanto, um curso fixo ou prova formal para se tornar um profissional da medicina, então qualquer um podia ser médico. Caso os métodos de tratamento fossem eficazes, mais pacientes apareciam, caso contrário, uma mudança de profissão poderia ocorrer.

Como eram as cirurgias antigamente?

As cirurgias eram, em grande parte, realizadas nos orifícios corporais, tratando pólipos, amígdalas inflamadas, hemorroidas e fístulas. Operações mais radicais incluíam trepanações, mastectomias, amputações, reduções de hérnia e remoção de catarata. À época, o campo era majoritariamente masculino, mas havia inúmeras parteiras, com conhecimento ginecológico e cirúrgico bastante avançado.

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Embora a famosa cesariana tenha surgido muito tempo após Júlio César, que nasceu em 100 a.C., os romanos já realizavam embriotomias, onde uma faca era utilizada para cortar os membros de um infante preso no canal de parto. Um fórceps, então, era usado para remover os membros, o torso e a cabeça.

Grotesco, o procedimento era feito apenas em último caso, visando salvar a vida da mãe. As cirurgias, no geral, também eram últimos recursos — em um tempo onde não se sabia nada sobre esterilização ou germes, a morte por sepse ou choque era comum, e todos os instrumentos encontrados na Hungria, por exemplo, podiam levar à morte.

Fonte: The New York Times, Universidade Eötvos Loránd