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Médicos do século 18 realizavam transfusões de leite em pacientes humanos

Por| Editado por Luciana Zaramela | 20 de Fevereiro de 2023 às 10h00

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LightFieldStudios/Envato
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Se você tivesse que adivinhar para que os médicos usavam leite em meados do século XVIII, talvez que nunca diria que a substância seria usada para transfusões. Isso, no entanto, é exatamente o que alguns profissionais da saúde faziam! Embora a atividade não tenha sido realizada por muito tempo, ela teve uma certa popularidade após funcionar em alguns pacientes.

E não foi por falta de tentativa de transfusões sanguíneas, que vinham sendo testadas por séculos, mas demoraram para virar uma prática medicinal comum. O problema é que, por não sabermos acerca dos tipos sanguíneos na época, coagulações e mortes eram comuns, tornando o tratamento muito mais perigoso do que benéfico.

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História das transfusões

Alguns invasores espanhóis relataram ter visto os incas do Peru realizarem transfusões de sangue durante suas expedições, mas as evidências são parcas. De qualquer forma, entre os séculos XVI e XVII, os primeiros procedimentos do tipo foram feitos, com William Harvey descrevendo a circulação sanguínea em 1616 e experimentos europeus começando a ser realizados por todo o continente.

O médico e cirurgião Richard Lower realizou, na Royal Society de Londres, em 1666, a transfusão de sangue entre dois cães, utilizando uma pena de ganso para conectar a artéria de um animal à veia jugular do outro. Já em 1667, o médico francês Jean-Baptiste Denys realizou a primeira transfusão documentada de sangue entre um animal e um ser humano.

O paciente era um adolescente que perdeu muito sangue por meio de sangrias para o tratamento de uma febre, método hipocrático clássico da medicina da época, que acreditava-se livrar o corpo de impurezas. Como era de se imaginar, o jovem ficou fraco, e Denys prontamente transferiu o sangue da carótida de um cordeiro para as veias do rapaz, que melhorou e sobreviveu, ao contrário do animal.

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Naquele tempo, acreditava-se que a transfusão de sangue não apenas melhorava a saúde do indivíduo e curava doenças, mas também mudava sua personalidade e tratava a loucura. Como na maioria das vezes o paciente ainda acabava morrendo, o edito de Châtelet, de 1668, baniu a prática, que ficou na obscuridade por quase 150 anos.

Ela voltou ao rol de atividades médicas no início do século XIX, quando o obstetra James Blundell realizou uma transfusão com uma seringa contendo sangue desfibrinado — ou seja, sem fibrina, que ajuda na coagulação — para evitar que o líquido coagulasse na paciente. Embora tenha obtido melhores resultados do que tentativas anteriores, muitos pacientes ainda morriam e o procedimento não pegou como uma boa prática contra a coagulação.

Nem sempre foi sangue

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Em meados do século XIX, então, a mirabolante ideia surgiu — por que não transfusar leite? Em 1854, a resposta à pergunta chegou, com os médicos James Bovell e Edwin Hodder injetando o líquido em pacientes de cólera durante uma epidemia em Toronto. A ideia se inspirou em Denys, que também havia transferido leite para o corpo de animais, acreditando que "pequenos óleos e partículas de gordura" virariam "corpúsculos brancos do sangue".

Os médicos responsáveis ainda acreditavam que o leite ajudaria a regenerar os glóbulos brancos, e, surpreendentemente, o primeiro paciente a receber a substância sobreviveu e teve a saúde melhorada. Os 5 seguintes, no entanto, vieram a óbito. Mesmo assim, o tratamento se popularizou, sendo visto como uma alternativa segura e legítima à transfusão sanguínea. Alguns cirurgiões, no entanto, seguiram céticos, e, ao longo do tempo, a prática foi caindo em desuso e descrédito.

Nos anos 1880, infusões salinas substituiram o leite, e, após Karl Landsteiner descobrir os 3 primeiros tipos sanguíneos, na virada do século, a transfusão de sangue finalmente ganhou tração. Atualmente, milhões de pessoas recebem a substância todos os anos, com mais de 118,5 milhões de doações de sangue sendo coletadas por todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

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Atualmente, pacientes que foram feridos gravemente, passaram por cirurgias ou deram à luz recebem sangue como parte normal dos procedimentos médicos, e o líquido também é usado no tratamento de condições como falência renal, hemofilia e câncer.

Fonte: Nature, Indian J Crit Care Med, Transfusion, OMS