Como a Jaguar quer se tornar uma "marca de luxo que também faz carros"
Por Felipe Demartini • Editado por Jones Oliveira | •
Se você é fã da Jaguar, é melhor já ir se acostumando com bancos aquecidos, telas de alta resolução, materiais refinados e alta tecnologia. Não é como se os carros da empresa, ao lado de suas irmãs Range Rover, Discovery e Defender, já não contassem com elementos assim, mas agora, sob uma nova marca, ela busca fortalecer cada uma das marcas enquanto faz uma aposta ambiciosa no mercado de alto luxo.
As palavras são fortes, mas também delimitam o caminho que a companhia deve seguir daqui em diante. “Nossa ambição é nos tornarmos uma marca de luxo que também tem um lado automotivo em vez de uma fabricante de carros de alto padrão”, explicou Rawdon Glover, diretor geral da Jaguar, em entrevista ao Canaltech. As frases são parecidas, mas segundo ele, a diferença está na abordagem.
Para a companhia, não se trata mais de disputar no mercado tradicional para ver quem sai na frente em termos de carros vendidos ou linhas de sucesso. Desde a mudança anunciada em junho de 2023, a Jaguar e suas outras marcas não miram mais apenas as fatias de mercado de nomes como Porsche, Bentley ou Mercedes-Benz. Nomes como Montblanc ou Ferrari também costumam aparecer nas falas dos executivos, como sinais de que o felino, em breve, deverá ter pelos bem mais lustrosos.
“Não queremos necessariamente competir [com essas empresas], mas sim mudar a forma como nos posicionamos enquanto nome nesse mercado”, continua Glover. Nasceu assim a JLR, uma empresa-mãe cujo logo você não deve ver muito por aí, mas que coordena toda a movimentação e o foco aprimorado nas marcas em si.
O diretor geral da Jaguar explica uma estratégia de dividir para conquistar. Na visão dele, ao separar cada nome do que chama de “casa de marcas”, a empresa consegue garantir maior pureza na proposta de cada uma delas, além de alcançar diferentes espaços e reduzir sobreposições, inclusive entre os próprios membros deste grupo que, agora, se torna mais seleto.
Glover cita Defender e Discovery como exemplos dessa redundância, com conceitos de veículos SUV que a empresa acredita serem diferentes, mas não claros na cabeça dos consumidores. “A principal ideia da ‘casa de marcas’ é maximizar o potencial de cada vertical. Separadas, elas podem seguir para diferentes espaços e, assim, aumentar seu potencial e relevância no mercado”.
Mudanças eletrizantes
O reposicionamento, claro, também acompanha regulações globais relacionadas aos carros elétricos e também uma mudança no perfil do próprio consumidor. A partir de 2025, toda a produção de carros da Jaguar deve ser elétrica, enquanto legislações globais caminham para o banimento completo de veículos a combustão — na Europa, casa da britânica JLR, por exemplo, esse limite foi fixado para 2035.
Inicia-se então uma corrida para ver quem vai chegar lá primeiro, com a presença da Jaguar TCS Racing como um dos nomes centrais da recém-finalizada temporada da Fórmula E sendo um pilar fundamental nessa jornada. A competição de carros elétricos, que inclusive chegou a São Paulo (SP) pela primeira vez em 2023, serve como uma das grandes vitrines para que a empresa demonstre seu poder, confiabilidade e, principalmente, desperte interesse do público.
“O fato de termos uma equipe de corrida totalmente elétrica postulante ao título demonstra a eficiência [dessa categoria de] veículos para todo o mundo”, afirma James Barclay, diretor da equipe Jaguar TCS Racing desde 2015, quando a empreitada da marca na Fórmula E foi iniciada, chegando a 2023 com os melhores resultados dessa história.
Mitch Evans, um dos pilotos do time, chegou à rodada dupla do ePrix de Londres, na Inglaterra, com chances matemáticas de levar o título. O troféu acabou ficando com Jake Dennis, da Avalanche Andretti, com o australiano na terceira colocação. Em 2023, a Jaguar TCS Racing também conquistou a segunda colocação entre as equipes, ficando atrás apenas da Envision Racing.
O título não veio, mas os resultados foram testamento do poder que a Jaguar possui na eletrificação. O time de cores verdes e azuis, que teve Nick Cassidy como outro postulante ao título, usa motores e tecnologias da Jaguar. Entre resultados como uma dobradinha em Berlim, na Alemanha, e um pódio inteiramente da marca no Brasil, com Evans, Cassidy e Sam Bird nos três primeiros lugares, a equipe também mantém seu legado no automobilismo.
“A Fórmula E foi o primeiro projeto da marca no esporte a motor em mais de 12 anos, mas as corridas sempre foram parte fundamental”, continua Barclay. “Começamos este projeto do zero, na única plataforma global que promove continuamente os benefícios da eletrificação, e não poderíamos estar mais felizes com nossa evolução, que vai além do próprio esporte.”
É um aspecto de que já falamos no Canaltech, sobre como a ideia da categoria é que os espectadores vejam a performance dos carros elétricos na pista e, logo depois, sigam a uma concessionária para os experimentar com as próprias mão. “A emissão zero pode mudar nossas vidas, e aqui, [na Fórmula E], levamos esse aspecto até o limite para expandir os horizontes da tecnologia”, finaliza o chefe da equipe.
Menos é muito mais
Ao lado da velocidade e da performance, o luxo também é parte integrante do circo do automobilismo e um aspecto que, como dito, faz parte do foco central da JLR nesse reposicionamento. A mudança também acompanha alterações sociais que englobam grandes cidades, um trânsito cada vez mais caótico e, ao mesmo tempo, a busca por experiências — outra palavra, aliás, bastante repetida pelos executivos da Jaguar.
“Escassez e curadoria são alguns dos princípios que devemos seguir daqui em diante, com propostas muito mais individuais do que massificadas. Teremos menos experiências para nossos clientes, mas elas serão muito mais imersivas”, explica Glover. “Estamos mais investidos no impacto do que no alcance.”
Isso também se aplica às concessionárias em si, que serão lojas próprias pela primeira vez, marcando outra alteração na estratégia da companhia. A ideia, aqui, é se aproximar até mesmo dos clientes que não desejam comprar um carro, mas querem conhecer as marcas, com estabelecimentos abertos de forma estratégica em todo o mundo para garantir que a experiência de luxo já comece neles.
Mobilidade e facilidade são outros temas que fazem parte do novo posicionamento. Para a JLR, as novas gerações veem a posse de um carro de maneira bem diferente do que seus pais, por exemplo, enquanto alguns nem mesmo querem ter um carro. Mas isso não significa que não estão interessados na cultura automotiva ou nos veículos em si.
Enquanto mais e mais pessoas vivem em áreas altamente povoadas, opções como o aluguel de veículos por aplicativo — a exemplo do serviço Jaguar on Demand, que já funciona no Brasil — ganham espaço. Ao lado da locação, a empresa também aplica modelos de assinatura em alguns países, permitindo que usuários fiquem com o carro por períodos mais longos, como seis meses ou um ano, mas sem a burocracia e a posse efetiva de um modelo.
"Dirigindo um carro que você não ama? Não por muito tempo! Rockar. Ame conseguir o carro que você ama."
“Mobilidade é um tema muito importante, e aqui não falamos apenas do trânsito”, complementa Glover. “Muitos clientes podem não querer um compromisso de longo prazo. O sentido tradicional do que significa ‘ter um carro’ está mudando e precisamos não só entender isso, mas também que os clientes querem experimentar e procuram opções para fazer isso.”
Surgem daí ideias inusitadas, como conversas com condomínios de luxo para a criação de estacionamentos de Jaguares que fiquem à disposição dos moradores, mas pertencem aos prédios, e não a eles. Permitir pensar fora da caixa também é o objetivo final da JLR, que vê seu futuro não apenas como evolução, mas também reinvenção.
*O jornalista viajou a Londres a convite da Jaguar.