Fórmula E é vitrine para o melhor momento dos carros elétricos até hoje
Por Felipe Demartini • Editado por Jones Oliveira |
A Fórmula E tem dois elementos fundamentais em seu DNA, que caminham de forma intrínseca: a busca por melhorar o meio-ambiente, entregando uma competição carbono zero; e apresentar os carros elétricos como uma alternativa confiável, segura e potente para esse primeiro objetivo. Mais do que ser uma vitrine, o ePrix de São Paulo veio como demonstração de que o mercado de eletrificação está mais maduro do que nunca.
O Canaltech cobriu a competição em 2020, em uma etapa no Chile na qual já se falava na ânsia para chegar ao Brasil. Três anos e uma pandemia depois, muita coisa mudou para melhor e, hoje, muito da ação que os espectadores viram nas pistas já pode ser experimentada diretamente pelos fãs, com a tecnologia disponível estando presente também nas concessionárias de algumas das marcas que participam das disputas.
“O Brasil era uma ‘sede natural’ desde o começo. É a economia mais importante da América Latina e também tem história no esporte a motor”, afirma Jamie Rigle, atual CEO da Fórmula E. Ao mesmo tempo, São Paulo também traz os desafios que a categoria deseja abordar de frente, principalmente no que toca a poluição, a mobilidade urbana e, acima de tudo, a movimentação das pessoas por uma grande cidade, a mesma em que a modalidade gosta tanto de correr.
“As mudanças climáticas são sentidas diretamente nas cidades, enquanto trazer a disputa a elas foi um de nossos princípios fundadores”, continua o executivo. “A Fórmula E nos dá a oportunidade de trazer o esporte diretamente para onde as pessoas estão vivendo e mostrar os veículos elétricos como uma solução para os grandes problemas das metrópoles.”
Na corrida, os espectadores têm a chance de ver tudo isso bem de perto, literalmente. As arquibancadas e camarotes ficam a poucos metros da pista, que também pode ser vista por quem está de fora. Em São Paulo, por exemplo, ela passava ao lado da Marginel Tietê e da Avenida Olavo Fontoura, o que atrai a curiosidade até mesmo de quem não é fã do esporte e nem mesmo estava sabendo que um evento acontecia ali.
“Quando se fala em automobilismo no Brasil, ainda se tem uma visão muito ligada a motores à combustão de alta potência. Tem barulho, tem ruído e uma visão mais tradicional”, aponta Gabriel Patini, diretor de desenvolvimento de negócios e inovação da Jaguar Land Rover para a América Latina. “A Fórmula E vem para mostrar que o carro elétrico também pode ser tão interessante quanto. É uma prova de alto nível e que impressiona quem não conhece.”
O executivo, parte de uma empresa que também tem equipe disputando na categoria, sob o nome Jaguar TCS Racing, destaca o papel importante da categoria para sedimentar a ideia de que os carros elétricos são potentes e, principalmente, confiáveis. O barulho pode causar estranheza no começo, mas quando as máquinas tomam as ruas, restam poucas dúvidas.
“A prova mostra o que o carro elétrico é capaz de fazer, senão ficaríamos sempre no campo teórico”, continua Patini. “Além disso, o esporte de alta performance desenvolve e eleva os padrões da tecnologia, muitas vezes até o limite. A Fórmula E ainda faz isso resolvendo um problema, o que a torna muito interessante [para o mercado como um todo].”
Tommaso Volpe, gerente-geral da equipe Nissan, concorda com essa concepção. “Estamos na Fórmula E para chegar a um nível de sofisticação e aprendizado colaborativo. O esporte aumenta a divulgação e conscientização sobre os veículos elétricos, mas também quebra velhas concepções e exibe a confiabilidade e credibilidade deles”, afirma.
Saindo da arquibancada com as mãos no volante
Rigle destacou a proximidade entre os carros da Fórmula E e os veículos elétricos. É claro, um Nissan Leaf não chega aos 300 quilômetros por hora nem tem os sistemas robustos de recuperação de energia vistos no Gen 3, como são chamados os carros da Fórmula E, mas muitas das tecnologias como baterias, ignições, volantes e outros são finamente compartilhadas.
Na conversa que teve com o Canaltech, inclusive, o CEO da modalidade propôs uma visita a uma concessionária como um desafio aos céticos, para que eles sintam de perto a potência de um carro elétrico e como os motores dessa categoria podem entregar tanta performance quanto um veículo a combustão. Isso, para ele, destaca um potencial palpável da categoria que também serve como principal vitrine para a eletrificação.
“[A Fórmula E] é muito próxima das pessoas, não é assim com outros esportes a motor. Você vê um Nissan na pista e, logo depois, pode ir à loja testar um carro da marca, que demonstra os aprendizados da equipe nas pistas de corrida”, indica. “Nossa corrida, na verdade, é sobre inovação e tecnologia. Trata-se de usar a inteligência e a inventividade humanas, com engenharia, para criar soluções técnicas que façam do mundo um lugar melhor.”
Rigle, claro, não para apenas no deslumbramento e aborda também os obstáculos reais. Segundo ele, hoje, a maior barreira a ser vencida pela eletrificação é a autonomia dos veículos, com uma ideia comum e equivocada de que os carros podem deixar seus usuários na mão durante o dia a dia, em caso de esgotamento da bateria.
Ele aponta a própria evolução da Fórmula E como contraponto forte. Em sua primeira temporada, os pilotos precisavam trocar de carro para completar a corrida. Com o Gen2, isso não era mais necessário, enquanto com os atuais Gen3, foram dadas mais de 30 voltas pelo Sambódromo do Anhembi com algumas das velocidades mais altas já atingidas na história da categoria. Traduza isso para veículos de passeio, que rodam em média a 60 quilômetros por hora pelas ruas das cidades, e nem mesmo um motorista de aplicativo ficaria sem energia ao final do dia.
“Na corrida, dá para sentir a velocidade e as ultrapassagens, mas criamos uma sensação diferente [em relação a outras categorias do automobilismo]”, continua Rigle. “Não existem muitos esportes com a inovação no DNA e que mudaram tanto com a tecnologia quanto a Fórmula E. Isso está mudando a percepção das pessoas.”
Para o piloto brasileiro Lucas Di Grassi, a chegada ao Brasil em 2023, quase 10 anos depois da corrida inaugural da categoria, acontece em um bom momento. “O timing é muito melhor e o Brasil está mais maduro para fazer essa transição energética”, apontou ele em uma entrevista rápida horas antes de assumir o cockpit de sua Mahindra para o ePrix de São Paulo.
“Temos potencial para mobilidade elétrica de verdade, mais do que Europa, Estados Unidos e China. Nossa matriz energética já é renovável e temos mais opções de carros, que começam a ter um custo melhor”, aponta. Di Grassi, entretanto, aponta para essa como uma realidade dos grandes centros urbanos, com o tamanho continental do Brasil ainda sendo um obstáculo a ser superado.
“O benefício de custo e qualidade para as grandes metrópoles será muito impactante, principalmente no transporte comercial e público. Viagens longas ou para o interior, porém, ainda precisam de mais algum tempo”, finaliza ele. Ainda assim, ele vê este como um bom caminho, principalmente diante da expectativa de 30 mil pessoas nas arquibancadas do Anhembi para a corrida.
Trabalho contínuo
É uma experiência que o CEO da Fórmula E, definitivamente, deseja repetir. Ele não confirma nem nega a realização de uma nova corrida em São Paulo — ou outra cidade do Brasil — em 2024, mas acredita que a constância também é a chave para manter a vitrine dos carros elétricos atrativa e sempre movimentada.
“Queremos construir grandes pilotos e disputas, assim como uma base de fãs apaixonados. Isso se fãs tendo os mesmos eventos todo ano”, indicou. Ele cita o México como um exemplo disso, país visitado pela modalidade há oito anos e que vê públicos cada vez maiores a cada corrida.
Rigle deseja que o mesmo aconteça por aqui, com a Fórmula E participando da história compartilhada do automobilismo nacional e aparecendo ao lado de outras modalidades e nomes consagrados do esporte. “Queremos estar onde o automobilismo é amado e o Brasil, definitivamente, é uma parte importante de nossa estratégia.”
O jornalista viajou a convite da Nissan.