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O que é audição ansiosa e por que você deveria se preocupar com isso

Por| Editado por Douglas Ciriaco | 05 de Dezembro de 2021 às 17h00

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Jéshoots/Pexels
Jéshoots/Pexels

A "audição ansiosa" é um fenômeno socio-cultural que aborda uma suposta impaciência do ouvinte dos nossos dias quanto a conteúdos extensos ou excessivamente densos. Na prática, significa que as pessoas estão cada vez menos dispostas a escutar músicas muito longas, cheias de poesia ou temas reflexivos. Isso explicaria o motivo pelo qual a música mundial mudou tanto nos últimos 10 ou 20 anos, com batidas mais repetitivas, menos estrofes e mais refrão-chiclete.

Músicas sucesso no passado como Stairway to Heaven, November Rain e Faroeste Cabloco poderiam ser fracassos retumbantes se fossem lançadas atualmente. De acordo com as plataformas de streaming de música Spotify, Deezer e Amazon Music, a Geração Z acredita que músicas com mais de 3 minutos já são consideradas longas demais.

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O fato é que a indústria fonográfica está preocupada com isso: artistas já buscam fazer canções mais curtas e os produtores de podcasts também apostam em versões menores. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o cantor Lulu Santos admitiu ter encurtado música para agradar ao público. "Minha música Inocente tinha quatro minutos e dez segundos. Disseram que estava grande e editei para ficar com três minutos e 21 segundos. Quer saber? A música ficou melhor", disse.

Apesar disso, não se trata exatamente da uma regra imutável. A música Batom de Cereja tem 2 minutos 55 segundos e segue à risca a fórmula de repetir excessivamente o refrão — ela inclusive foi a mais tocada de 2021. Já Happier Than Ever, de Billie Eilish, chegou ao topo das paradas mundiais mesmo com seus 4 minutos e 58 segundos. O que muitos artistas parecem fazer é intercalar músicas curtas com canções mais longas, assim dá para agradar a públicos distintos sem abrir mão da autonomia criativa.

Mas não é somente nas artes musicais que o fenômeno da audição ansiosa existe: praticamente todo lugar com produção de conteúdo é vítima da prática. Prova disso é o sucesso dos chamados "canais de cortes", uma espécie de "resumo bem resumido" de assuntos tratados em programas mais extensos, e prática super popular no YouTube. Os proprietários dos canais publicam trechos curtos e polêmicos, na tentativa de atrair pessoas com vídeos de poucos minutos, e assim conquistar a atenção para o conteúdo principal.

Audição acelerada

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As próprias redes sociais são reflexos dessa aceleração recorrente. Nos Estados Unidos, por exemplo, as pessoas já passam mais tempo na frente do TikTok do que no YouTube, o que parece loucura ao lembrar que os vídeos na rede social chinesa tem entre 30 segundos e 1 minuto, em média, e pode chegar no máximo a 3 minutos de duração. Enquanto alguém gastaria 15 minutos para consumir apenas um conteúdo no YT, outra pessoa pode gastar até o dobro do tempo em 30 ou 40 vídeos diferentes.

Outro exemplo nítido desse fenômeno é a reprodução acelerada de áudios e vídeos nos principais aplicativos para celular e computador. Muita gente só consegue ouvir os áudios no WhatsApp na velocidade 1,5x ou 2x, algo que também ocorre com certa frequência no YouTube, no TikTok e nas plataformas de streaming de áudio, como o Spotify, o Deezer e similares.

Na Netflix e serviços de streaming de vídeos também já é comum a prática de acelerar os conteúdos. Embora não hajam dados oficiais sobre isso, hoje há pessoas que assistem filmes e séries com velocidade maior do que a original.

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Até mesmo podcasts, cuja audiência era composta por pessoas que aceitavam bem conteúdos com duas ou até três horas de duração, já precisou se render ao padrão enxuto. Uma rápida pesquisa no Spotify nos conteúdos mais consumidos revela como o formato foi encurtado para caber na rotina das pessoas, pois a imensa maioria tem menos de uma hora de duração.

Ciência e a audição ansiosa

Por ser um conceito relativamente novo, ainda há pouco material científico e médico sobre esse assunto. Ainda não existem especialistas na temática e o próprio fenômeno pode ser encarado por vieses distintos — como distúrbios psicológicos, mentais ou fisiológicos — com impactos na cognição, fala e pensamento.

Para a fonoaudióloga Débora Portes, especialista em reabilitação auditiva, o ato de acelerar áudios ou vídeos pode criar um novo padrão de processamento do cérebro que prejudica a comunicação das pessoas. "Atualmente, alguns estudos comprovam que a ansiedade altera os parâmetros de fala, principalmente para os profissionais da voz, como diminuição da amplitude articulatória e/ou irregularidades na frequência e intensidade", explica.

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Na prática, acelerar áudios poderia fazer com que a mente da pessoa fosse acelerada no mesmo nível e isso pode desencadear problemas na fala, gagueira, dificuldade expressão e outras doenças associadas. Existe também o risco de essas questões físicas evoluírem para doenças da mente, o que pode exigir tratamento com psicólogo e psiquiatra.

Para o médico psiquiatra Bruno Machado, a audição ansiosa não pode ser considerada uma doença por si só, mas pode influenciar nas funções sensoriais, como audição, visão, equilíbrio e reconhecimento espacial. "Em determinados casos, a habilidade do ouvinte de compreender o que foi dito pode estar prejudicada pela própria preocupação de não ser capaz de entender aquilo que está ouvindo. Em outros casos a ansiedade pode prejudicar a concentração como um todo, impedindo a devida assimilação das informações recebidas por via auditiva", explica.

O especialista afirma receber vários pacientes no consultório com queixas de impaciência, mas a maioria delas está ligada a transtornos de ansiedade ou outros diagnósticos psiquiátricos, como o Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). "É frequente a ocorrência em indivíduos com diagnósticos de Ansiedade Generalizada, Síndrome do Pânico, Ansiedade de Separação e Ansiedade social. Tais quadros podem prejudicar o pleno funcionamento de áreas corticais cerebrais relacionadas à linguagem, sobretudo o córtex temporal esquerdo", analisa Machado.

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Por que você deveria se preocupar?

Essa aceleração pode impactar na performance mental e na qualidade de vida, com sérios prejuízos no trabalho, estudos, lazer, socialização e relacionamentos interpessoais. Em casos mais severos, pode levar o indivíduo a buscar isolamento, na tentativa de evitar o sofrimento ocasionado pela exposição a situações desagradáveis.

Há tratamentos bastante eficazes atualmente, quase todos com foco na superação da ansiedade. "Primeiramente é necessário identificar qual o diagnóstico específico de cada paciente com ansiedade, para então indicar a devida abordagem clínica, incluindo psicoterapias apropriadas e em alguns quadros uso de remédios", conclui o psiquiatra.

Em muitos casos, o problema pode ser tratado sem uso de medicamentos, com técnicas psiquiátricas de neuromodulação ou visitas regulares ao psicólogo para acompanhamento do quadro clínico. O importante é o usuário se policiar e, caso note um comportamento exageradamente anormal, como um sentimento incontrolável de querer acelerar tudo, buscar auxílio médico.