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Monetização de Kwai e TikTok é pouco transparente e pode "enganar" usuário

Por| Editado por Douglas Ciriaco | 18 de Julho de 2021 às 10h00

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Alveni Lisboa/Canaltech
Alveni Lisboa/Canaltech
Tudo sobre TikTok

Os aplicativos de vídeos curtos estão mais em alta do que nunca. O TikTok hoje é uma das principais redes sociais do mundo e todos os seus principais rivais lançaram ferramentas para concorrer com ele: o Instagram tem o Reels, o Snapchat tem o Spotlight e o YouTube tem o Shorts.

Aqui no Brasil, outra rede parecida também se popularizou bastante nos últimos meses: o Kwai. Assim como o rival famoso, a rede social é originária da China e foca em vídeos curtos para bombar entre os usuários. Ela conquistou muita gente em terras tupiniquins porque paga quantias em dinheiro para quem permanece interagindo com conteúdo diariamente e convida outras para adentrar na plataforma.

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As demais redes não poderiam assistir passivas ao crescimento do Kwai, por isso também seguiram o mesmo caminho e possuem programas de monetização de conteúdo. O grande problema são as falsas expectativas que esse sistema cria no usuário, dando a entender que as pessoas podem enriquecer apenas estando na plataforma e completando ações simples, o que não é o caso.

O Kwai, por exemplo, costuma divulgar cifras astronômicas para cada ação. No caso das figurinhas colecionáveis da Panini, por exemplo, são esperadas a concessão de R$ 42 milhões para os participantes. Para conseguir todas as estampas, é necessário fazer muito mais do que a rede estabelece como tarefas diárias: se você não convidar centenas de pessoas para entrar, provavelmente não verá nem um percentual desse bolo prometido.

“Quando eu entrei no Kwai, pensava que ganharia bastante dinheiro. Sai chamando todo mundo e consegui levar umas 10 pessoas para a rede. Não juntei nem R$ 40 e hoje praticamente nem uso mais”, afirma Pedro Almeida, 21 anos, estudante universitário. Com a decepção, ele disse que tem preferido focar a atenção para outras plataformas onde seus amigos estão mais presentes.

A estudante Joana Garcia, 17 anos, diz que recebeu o convite de um amigo e viu como uma oportunidade de juntar uma poupança durante a pandemia. "Como a gente fica mais tempo em casa, eu pensei: por que não ganhar dinheiro com isso? Me senti enganada! Produzi vídeos e fiquei horas assistindo, mas o que ganhei mal dá para comprar um sanduíche", diverte-se a jovem.

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Modelo duvidoso de publicidade

O chamado cashback por visualização e por convites tem causado controvérsia no âmbito de quem lida com publicidade digital. Isso porque essa modelagem tem sido acusada de violar diversos aspectos éticos do setor e até a legislação brasileira.

O Canaltech conversou com especialistas para entender melhor essa questão. Segundo a professora de comunicação Mônica Prado, do Centro Universitário de Brasília (CEUB), o maior problema seria a falta de transparência desse tipo de modelagem, o que caracterizaria propaganda falsa.

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“A publicidade digital enganosa ou duvidosa se instala porque os termos não são transparentes e o ‘pote de ouro prometido ao final do arco-íris’ vai chegar a muito poucos — e quando chega o faz por sorte ou direcionamento do algoritmo”, explica. Segundo a professora, isso causa frustração em muita gente que adentra no serviço e acaba perdendo horas do seu dia sem ser devidamente remunerado, conforme alardeavam as propagandas.

Um exemplo é a “moedinha do Kwai”: para todo usuário novo, ela gira conforme se assiste aos vídeos para gerar recursos convertidos em dinheiro. Com o passar do tempo, no entanto, ela simplesmente para, sem qualquer aviso prévio ou orientação. A partir daí, a única forma de lucrar é convidando mais e mais pessoas para entrar na plataforma e produzindo conteúdo, mas isso não é dito de início pela plataforma.

Especialista em Direito Digital, a advogada Amanda Caroline entende que essa prática pode ser considerada ilegal, a depender da interpretação do juiz. “Pela regra geral, esse tipo de atitude destoa da publicidade e pode ser considerada como prejudicial para os demais concorrentes. Isso porque, nesses casos, o consumidor não é atraído pela publicidade em si para assistir aos vídeos, não existe o interesse de busca/procura pelos vídeos dos aplicativos, mas tão somente a vantagem financeira”, analisa.

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O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) estabelece que os anúncios divulgados na plataforma devem respeitar ps três seguintes pontos:

  1. Veracidade: informar sobre o que é verdadeiro e passível de verificação e comprovação;
  2. Exatidão: deve ser exata e precisa, não cabendo informações genéricas e vagas.
  3. Pertinência: deve ter relação com a propaganda anunciada e aos serviços anunciados.

Se algo não estiver de acordo com isso, as redes sociais podem até sofrer processos na justiça. “O usuário deve juntar as provas pertinentes, como os prints de tela ou e-mail, para comprovar que a plataforma não seguiu os requisitos mínimos para realizar a publicidade. Pode fazer a denúncia no Conar e também ingressar no judiciário visando obter alguma indenização”, orienta a advogada.

Falta de regulamentação

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Por trás dessa prática, está a ausência de legislação clara sobre as plataformas. As leis brasileiras são escassas e não regulam como as Big Techs operam, em especial no âmbito da publicidade digital. Amanda Caroline entende ser necessário mais esclarecimento jurídico para o setor de redes sociais.

“É preciso, com urgência, que se crie um normativo mais contundente por parte do Estado, da sociedade e das empresas publicitárias, sob risco de a publicidade veiculada na internet impactar negativamente as partes envolvidas”, explica.

O Conar possui uma cartilha sobre publicidade digital voltada para influenciadores digitais. Entre as várias dicas, o órgão destaca que qualquer identificação publicitária deve ser apresentada junto com a primeira tela do anúncio, visível imediatamente, apropriada para o canal e compatível com todos os dispositivos potenciais. “É recomendável o uso de ferramenta de identificação disponibilizada pelas plataformas, sempre que possível”, destaca o documento.

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A cartilha continua: “A divulgação de sites, ofertas e cupons de descontos, promoções e a marcação (tag) do perfil da marca não são consideradas suficientes para esclarecer a relação entre o Influenciador, o Anunciante e a Agência”. Nesse caso, não há trabalho com agência intermediadora e sim relacionamento direto entre influenciador e anunciante.

Em 2020, o órgão julgou caso parecido onde a empresa Neon Pagamentos foi acusada de realizar a prática de cashback irregular. Ao apresentar sua defesa, confirmando a oferta e informando que toda a sua base de consumidores recebeu dinheiro por diferentes formas, a empresa apresentou os seus contornos e condições. “Em razão desse esclarecimento, naquela situação específica, foram acolhidos os argumentos e o Conar entendeu a conduta como válida, arquivando o processo”, conclui a advogada.

O Conselho disse que não pode opinar sobre o cenário apresentado pelo Canaltech porque só se manifesta sobre casos em análise. Como não há nenhuma denúncia nesse sentido, não haveria o que falar.

Critério sem transparência

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As plataformas sociais seguem um caminho semelhante ao do banco virtual: não esclarecem quais critérios usam para oferecer cashback aos usuários. Não há nada nos sites ou redes sociais que diga quanto a plataforma paga por visualização ou por assistir a vídeos, porque os valores variam de pessoa para pessoa. Tem gente que recebe mais, tem quem recebe menos — e isso é um problema sob a ótica do direito do consumidor.

O Canaltech baixou o Kwai e o TikTok para fazer testes de quanto poderia ser arrecadado em duas semanas. De início, ambas as plataformas oferecem várias possibilidades para acumular moedas, que podem ser convertidas em dinheiro. Nos sete dias iniciais, foi possível para juntar cerca de R$ 10,00 somente por ingressar na plataforma e assistir aos vídeos.

Ao usar um código de ingresso no Kwai, por exemplo, a rede promete reverter os convites em R$ 2.400, sendo que o primeiro convidado poderia gerar até R$ 75 para a pessoa. Na prática, isso não ocorre.

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Nos testes feitos pela reportagem, foram enviados convites para cinco outras pessoas com as seguintes regras: todas elas deveriam abrir o Kwai diariamente durante 15 dias consecutivos e assistir a pelo menos 60 minutos de vídeos diários. Isso é bem mais do que a rede estabelece como critério para o bônus: três minutos durante três dias consecutivos já deveriam ser suficientes.

Assim foi feito e o resultado decepcionou. Passados os 15 dias, a conta original só recebeu a bonificação do convite, que variou entre R$ 6 e R$ 8 por pessoa. Os outros R$ 50, referentes aos 10 acessos consecutivos e diários das pessoas, não foram creditados, mesmo com as regras seguidas durante uma quinzena.

Sistema pode “enganar” os usuários

Com o passar dos dias, o número de moedas resultante da visualização de vídeos vai decaindo em ambas as plataformas, até chegar a zero no Kwai. Já no TikTok, a monetização por assistir a vídeos permanece, mas ela é limitada a 30 minutos diários. Em alguns dias, dá para ganhar 6.400 moedas (o que equivale a R$ 0,64), enquanto em outros não é possível passar de 1.500 (R$ 0,15).

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Não há um critério claro e estabelecido para esse valor, mas parece que ele aumenta se o perfil ficar um ou mais dias sem acessar e reduz caso a pessoa atinja o tempo limite todos os dias.

Segundo a professora Mônica Prado, esse é um grave problema, porque o usuário é enganado pelo sistema. “As pessoas entram achando que vão ganhar muito dinheiro, mas acabam iludidas. Perdem várias horas do seu dia assistindo a vídeos ou produzindo conteúdo que não é entregue para uma quantidade suficiente de pessoas, não recebendo qualquer remuneração por isso”, explica a especialista.

O que dizem Kwai e TikTok

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Por que algumas contas recebem mais pelos convites e outras recebem menos? Por que mesmo com o acesso diário o bônus não foi pago? Como o algoritmo seleciona quem vai ganhar menos e quem receberá mais? Todas essas dúvidas, e muitas outras, foram enviadas para Kwai e TikTok, mas a resposta de ambos foi vaga.

Por meio de uma nota, a Kwai disse que sua plataforma é um local inclusivo onde o usuário pode “expressar sua criatividade” e ter a distribuição do conteúdo por meio de um “algoritmo inclusivo”. Confira na íntegra a posição da empresa enviada ao Canaltech:

O sistema de remuneração Kwai Bônus funciona como um incentivo para que qualquer pessoa possa criar conteúdos e usar a plataforma. O programa varia de acordo com campanhas e atividades específicas, é temporário e cada campanha tem um prazo de duração (que é divulgado junto com as regras de participação). A prioridade do Kwai é construir uma comunidade respeitosa, saudável e harmoniosa, que esteja de acordo com nossos Termos de Serviço.

O TikTok disse que o foco atual é oferecer a experiência ideal de aplicativo, explorando várias formas de monetizar conteúdo. A rede afirma que testa novos formatos constantemente e que oferece "oportunidades para agregar valor aos criadores e marcas". Confira na íntegra nota do TIkTok enviada à reportagem:

"TikTôRyka" é um programa de indicação do TikTok, onde os usuários podem receber um pequeno bônus por completar tarefas específicas ou convidar novos usuários para se juntarem à plataforma divertida e positiva do TikTok. Nosso foco principal é criar uma experiência de usuário ideal para nossa comunidade, introduzindo novos recursos e ferramentas para criar novos conteúdos e explorando novas oportunidades para agregar valor aos criadores e marcas.

Publicidade infantil e falta de controle

“Quando pensamos numa cadeia de valor justa e sustentável, um entreposto, como são as plataformas, não pode posar de omisso e achar que não é responsável eticamente pelo que circula. A dizer o mínimo, são cúmplices de práticas não éticas”, explica a professora Mônica.

O problema é que, quando existe a monetização de todos os vídeos em potencial, em tese, tudo que é produzido acaba virando “conteúdo publicitário”. Se todos os posts podem ser remunerados (embora a maioria não seja), teoricamente todos eles deveriam ser tratados desta maneira.

A partir daí, outros aspectos entram em jogo, como o público-alvo e os filtros de conteúdo. Hoje é bastante comum você ver vídeos de adolescentes e crianças na plataforma, algumas delas até incentivando a usar seus “códigos” para ganharem dinheiro na rede. Ou seja: há conteúdos produzidos por crianças para outras crianças, com intuito financeiro e sendo remunerados com dinheiro vivo, sem qualquer tipo de verificação legal.

Saindo do aspecto financeiro para adentrar nas questões éticas e morais, ambas as plataformas carecem de filtros de conteúdo mais apurados. Hoje, não existe gerenciamento preciso sobre a idade dos usuários que usam os serviços. Em poucos minutos, é possível se cadastrar no sistema sem apresentar documentos ou comprovar ser maior de idade, por exemplo.

Os conteúdos exibidos vão desde cenas arriscadas de pessoas fazendo estripulias, jovens dançando apenas de biquini ou incentivos a comportamento claramente abusivos contra mulheres. Quando a pessoa se declara como menor de idade, esse tipo de conteúdo é mais restrito, mas, como não existe a necessidade de comprovar, qualquer pessoa pode se passar por maior de 18 anos.

Recentemente, o TikTok fez um esforço mundial de excluir mais de sete milhões de perfis pertencentes a pessoas com menos de 13 anos, o que viola a política da rede. A plataforma também tem criado ferramentas de automação para combater conteúdos ilegais, como nudez, abuso, violência e outras práticas.

Robotização do usuário e métricas fake

A internet é celebrada como um universo que permite uma interação nunca antes vista. Diferentemente da TV e do rádio, em que o consumo é passivo, as plataformas permitem curtir, comentar e interagir de diversos modos distintos. Só que esse sistema de cashback faz exatamente o inverso: ele coloca os usuários novamente como passivos, quase como robôs, cuja única tarefa é rolar a tela na busca por alguns trocados.

“Esse contexto me faz lembrar dos estudos do sociólogo francês Pierre Bourdieu sobre a televisão francesa (que depois foram generalizados) em que ele cunha a expressão de que os meios e o poder que exercem geram uma violência simbólica porque impõem uma visão estreita e limitada do mundo a seus telespectadores. As plataformas sociais, de certa forma, exercem essa violência simbólica sobre seus usuários”, analisa a professora Mônica Prado.

Outro problema diz respeito aos números inflados da plataforma. Ao atrair pessoas unicamente interessadas no dinheiro, TikTok e Kwai perdem o fator espontaneidade que sempre permeou as redes sociais. “Trata-se de uma audiência fictícia — similar aos robôs comprados para inflar número de seguidores no Instagram —, que não está verdadeiramente interessada no seu conteúdo e que não vai gerar retorno para ninguém, em especial para as empresas anunciantes”, explica a especialista em redes sociais Rejane Evaristo.

Segundo ela, a médio prazo, isso pode fazer com que as plataformas caiam no limbo, porque essa construção artificial tende a desmoronar quando o bônus acabar. “Quando os anunciantes notarem que o engajamento é puramente fictício, sem gerar vendas para seus produtos e serviços, a tendência será abandonar a plataforma”, prevê a profissional.

Um exemplo citado por Evaristo são os influenciadores digitais do Instagram. Antes, toda marca queria pessoas com milhões de seguidores, mas atualmente o cenário é outro. “Muitas empresas perceberam ser vantajoso fazer campanhas com 'nanoinfluenciadores', pessoas com 20 ou 30 mil seguidores, do que com as estrelas do Insta. Além do investimento ser menor, as vendas geradas por eles costumam ser proporcionalmente bem maiores”, conclui.

Qual é a solução?

A educação midiática permite construir capacidades para que o cidadão caminhe pelo ambiente digital com mais segurança e ganhe uma massa crítica para observar o comportamento das plataformas. É necessário refletir sobre até que ponto elas estão se desviando das funções sociais que dizem ter.

“Esses novos tempos de internet, em que o que manda é o dinheiro e o quanto a plataforma pode ganhar financeiramente, somente educação midiática permitirá que o cidadão não se torne refém e se veja emaranhado nessa teia”, conclui a professora Mônica Prado.

A dica do Canaltech para quem deseja adentrar nessas plataformas é fazê-lo porque gosta e não esperando o retorno financeiro. Se você costuma produzir vídeos engraçados ou curiosos, terá grandes chances de fazer sucesso, mas é impossível garantir a viralização ou o enriquecimento a partir disso. Entre, divirta-se e interaja com o que considera relevante, mas sem colocar muita pressão nisso, assim você evita a decepcção.

O que você acha do sistema de monetização? Já se sentiu enganado por ele ou conseguiu tirar um bom retorno? Compartilhe sua experiência no campo de comentários ou cite o CT nas redes sociais.