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Crítica | Marvel 616 mostra impacto dos heróis em várias esferas do mundo real

Por| 02 de Fevereiro de 2021 às 19h00

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Tem muita gente que não gosta de super-heróis e não entende a graça de ver seres superpoderosos usando colantes coloridos para salvar a vida de um monte de gente que não pediu para isso. Ou que acredita ser um fetiche secreto das pessoas em ser imbatível para controlar o mundo à sua maneira. Mas, para a imensa maioria dos fãs, é uma mitologia moderna embalada em uma linguagem que nos oferece diversão, reflexões e, especialmente, esperança e inspiração. E não há nenhum documentário já produzido que possa mostrar isso melhor do que Marvel 616, que chegou recentemente ao catálogo nacional do Disney+.

Em 2018, quando a Disney ainda vinha discutindo com a Marvel Studios e a Marvel Comics como poderia criar atrações baseadas em suas propriedades, a editora propôs dois projetos: o Marvel’s Hero Project e o Marvel 616, ambos com a premissa de mostrar o impacto dos super-heróis e das histórias em quadrinhos no mundo real. O primeiro, já criticado por aqui (veja a crítica entre os links acima), mostra crianças que são “heróis da vida real”; enquanto o segundo transita entre várias linguagens para detalhar como os personagens de papel se concretizaram em sonhos, diversão, novas ideias e, principalmente, inspiração.

Marvel 616 tem esse nome porque a “Terra-616” é a “Terra oficial” do Universo Marvel: é nela que tudo acontece “de verdade” na cronologia das histórias de seu Multiverso. A atração foi encomendada em 2019 e aborda diferentes nichos, como a produção séries de TV, os bastidores da indústria dos brinquedos, a difícil vida de artistas de quadrinhos, a arte do cosplay, entre outros assuntos. A série, em oito episódios, apresenta uma narrativa amigável para todos os públicos e estreou no Brasil no dia 29 de janeiro.

Abaixo, algumas considerações, com pequenos spoilers que trazem basicamente descrições de sinopses de episódios. Vamos a elas.

Uma boa porta de entrada para os novatos

O que mais agrada em Marvel 616 é seu formato fácil de compreender, com muitas entrevistas especiais e imagens — muitas imagens. O segundo episódio é emblemático nesse sentido. Quem acompanha mais de perto os quadrinhos da Marvel, sabe que a virada dos anos 2000 para 2010 para essenciais para que a companhia deixasse para trás os tempos difíceis de falência nos anos 1990.

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Para se reinventar, a companhia passou a apostar em uma constante de revisão de suas propriedades, em uma espécie de “soft reboot” constante, que se comunica bastante com a Marvel Studios. Esse processo retroalimenta todas as franquias e permite que os personagens estejam sempre dialogando com seus fãs em diferentes mídias. Mas, para que isso acontecesse, a Marvel Comics precisava mudar sua concepção de legado.

Quando a Marvel Studios nasceu, em 2008, a companhia não podia contar com vários de seus personagens de maior sucesso, porque a Marvel Entertainment negociou seus direitos na época da bancarrota. Isso fez com que o estúdio e a editora passassem a valorizar mais os personagens que tinham muito potencial, mas que nos últimos anos andavam esquecidos ou vinham sendo maltratados.

Assim, após o retorno de grandes fases dos Vingadores, a Marvel Comics decidiu apostar na diversidade que já vinha flertando desde o início dos anos 2000 e recrutou talentos que pudessem trazer o frescor da nova geração de fãs. E as mulheres, que sempre tiveram um espaço muito importante na editora, mas acabaram relegadas ao esquecimento, foram importantíssimas para a ascensão da companhia nos anos 2010.

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Imagem: Reprodução/Disney+
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O segundo capítulo de Marvel 616 mostra a jornada de várias roteiristas e desenhistas, que tiveram grande importância na evolução de personagens e narrativas, mas que ficaram com papeis coadjuvantes, a exemplo de Louise Simonson, que esteve ao lado de seu marido, Walt, em uma das melhores fases do Thor nos anos 1980 e comandou os X-Men na década seguinte; e Ann Nocenti, que criou personagens como Mary Tyfoid e Longshot, criaturas que passaram a ser favoritos dos fãs nas páginas do Demolidor e dos X-Men, respectivamente.

O destaque fica por conta de Sana Amanat, jovem indiana que, mesmo sem grande experiência editorial, iniciou uma revolução no legado da Marvel. Foi com sua Ms Marvel que a editora viu seus personagens femininos ganharem a devida importância e abrirem portas para mais diversidade, ao lado de um novo Homem-Aranha, Miles Morales, e de uma atualizada Carol Danvers, a Capitão Marvel — com todos os méritos que a roteirista Kelly Sue DeConnick merece.

Muitas surpresas para os veteranos

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Uma das coisas mais bacanas de Marvel 616 é que a série traz muita coisa para quem não acompanha de perto as histórias da Marvel Comics, mas também tem bastante surpresas para os veteranos. E o primeiro episódio, já, de cara, mostra como isso acontece, com a trajetória do infame seriado live-action japonês do Homem-Aranha, exibida em 1978.

Na época, a Marvel Comics, que desde os anos 1960 vinha em uma ascendente de sucesso incrível, ainda não era muito popular em outros países, especialmente no que mais consome quadrinhos em todo o mundo: no Japão. Eis que a Marvel Entertainment liberou a adaptação das histórias do Homem-Aranha para uma atração que tivesse mais a ver com a ação dos mangás.

Assim, surgiu Amigo da Vizinhança que, embora tivesse o mesmo uniforme, poderes semelhantes, o senso de justiça e o heroísmo local na comunidade em que vive, não tinha mais nada a ver com Peter Parker: ele usava metralhadoras (!) para enfrentar seus inimigos, com direito a criaturas gigantes, veículos estranhos e robôs — muitos robôs.

Imagem: Reprodução/Disney+
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A série mostra com detalhes como foi difícil essa adaptação, especialmente pelo choque cultural e devido ao baixo orçamento de produção. Atores e diretores lembram, por exemplo, como eram perigosas as cenas nas alturas, inclusive na Torre de Tóquio e em pontes altas, em sequências de luta e explosões reais — tudo sem dublê (!!).

E, entre as revelações, vemos como o seriado do Homem-Aranha japonês influenciou a criação do gênero chamado de Super Sentai, posteriormente popularizado por Changeman e Power Rangers; e como a atração inspirou os conceitos que mais tarde viriam a se concretizar na forma da franquia Transformers.

Diversão para todos

Uma das coisas mais legais desse projeto é que ele foi gravado de uma forma semelhante à de The Mandalorian: em vez de um diretor ditando o tom e outros auxiliares complementando o trabalho, todos os cineastas que comandaram cada episódio foram escolhidos a dedo para narrar, especificamente, uma faceta da Marvel Comics na realidade, a partir de suas próprias especialidades.

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Há dois capítulos que apostam bastante no humor para mostrar, de forma descontraída, diferentes aspectos da história da Marvel Comics. O quarto episódio, dirigido pelo comediante Paul Scheer, que busca por personagens “perdidos” na vasta biblioteca da editora. Em sua busca para entender como criar uma franquia de sucesso, ele fala com importantes roteiristas, a exemplo de Donny Cates e Gerry Duggan; e visita diferentes setores para entender como funcionar a companhia, a exemplo das áreas de marketing, brinquedos e, claro, séries de TV.

Imagem: Reprodução/Disney+
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Já no episódio sete, dirigido por Brian Oakes, podemos ver mais sobre o chamado “Método Marvel” de fazer quadrinhos, que surgiu de uma necessidade, mas se tornou um guia entre os anos 1970 e 1990 — e é ainda utilizado até hoje por alguns veteranos. Esse processo, criado por Stan Lee, na época que ele andava muito atarefado, prevê um roteiro inicial bem “curto e grosso”, sem diálogos, apenas com as descrições de personagens e cenas.

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Ao retornar para o escritor, as personagens ganhavam suas conversas, claro, e, normalmente, os resultados eram inesperados, já que os desenhistas também agregavam mais cenas e detalhes à ideia inicial — muito mais do que no tradicional processo entre roteirista e ilustrador. Embora isso sobrecarregue os artistas, que muitas vezes não eram compensados por seu trabalho extra, é uma peculiaridade interessante que vive até hoje nos corredores da Marvel Comics, como em Dan Slott, criador famoso por sua passagem de dez anos pelo principal título mensal do Homem-Aranha.

Faltou um pouco mais de abrangência, mas vale a pena

A série ainda aborda a difícil vida de artistas estrangeiros que batalham para entrar no circuito comercial de artistas em companhias como a Marvel Comics; a paixão de fãs em reproduzir as roupas de e trejeitos de seus personagens prediletos, tornando-se “réplicas vivas” de heróis e vilões em competições de cosplay; e duas emocionantes peças teatrais, montadas a partir de um projeto da Casa das Ideias especificamente para adaptações em grupos dramáticos colegiais.

Imagem: Reprodução/Disney+
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Embora não as histórias não sejam tão amplas, ao ponto de abranger mais povos, culturas e exemplos, dá para ter uma ideia de como os super-heróis deixam de ser apenas seres poderosos de papel e se tornam inspiração para jovens de todas as idades: afinal do que seriam as habilidades do Capitão América sem sua coragem e sua luta contra injustiças? E qualquer um que colocar o uniforme do Homem-Aranha pode ser um herói, basta sempre pensar em como ajudar o próximo, como faz Peter Parker, certo?

Marvel 616 fez tanto sucesso lá fora e promete repetir o feito aqui no Brasil — o suficiente para que a produção já pense em realizar uma segunda temporada muito em breve. Todos os oito capítulos estão disponíveis no Disney+.