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"The Handmaid's Tale": uma série que precisa ser vista

Por| 22 de Setembro de 2017 às 15h29

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"The Handmaid's Tale": uma série que precisa ser vista
"The Handmaid's Tale": uma série que precisa ser vista

As apostas estavam altas em Westworld, mas quem levou a melhor na entrega do Emmy 2017, que aconteceu em 17 de setembro, foi uma série distópica, com temática adulta, que trata de intolerância e repressão. E que nem está nos principais canais de TV e streaming.

A surpresa que The Handmaid’s Tale causou foi tão grande quanto o impacto que provoca em quem a assiste. A série levou cinco prêmios: melhor direção, melhor roteiro, melhor atriz coadjuvante em série de drama (Ann Dowd), melhor atriz de série de drama (Elisabeth Moss) e melhor série de drama.

Essa foi a primeira vez que uma série produzida por uma plataforma de streaming venceu a categoria principal da premiação. Os dez episódios da primeira temporada foram exibidos no Hulu, que não está disponível no Brasil. Uma segunda temporada já foi encomendada e estreia em 2018.

Resumidamente, a série é uma distopia que imagina o futuro em que as mulheres foram escravizadas para servir apenas como reprodutoras. Inspirada no livro O Conto de Aia, lançado por Margaret Atwood em 1985, a atração recebeu muitas comparações com o presente, por tratar de questões que estão em xeque atualmente.

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O Canaltech já assistiu à série e explica (sem spoilers) porque The Handmaid’s Tale precisa estar na sua lista.

História

A literatura de alta qualidade tem vários exemplos de distopias que imaginam o futuro da humanidade por meio de um olhar crítico e pessimista. Quase todos se passam num tempo em que a tecnologia é preponderante. Caso de 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

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A mesma coisa acontece com as ficções científicas que tratam de cenários em que a tecnologia se torna personagem principal e coloca o homem em segundo plano, como 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Arthur C. Clarke, e Andróides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick.

The Handmaid’s Tale é diferente. Margaret Atwood escreveu um livro que foge da sua bibliografia, mais afeita a dramas atuais.

Sim, é possível ver na história características da sua obra, como dilemas éticos e a posição da mulher, mas o exercício de imaginação supera o que ela já escreveu.

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A história se passa num território que era os Estados Unidos, que viraram uma nação fundamentalista após um conflito em que a classe política é dizimada. Chamada de República de Gilead, este novo país tem leis rígidas e excludentes — e é surpreendente descobrir quem idealizou essa espécie de constituição.

O país enfrenta um problema de saúde grave, que deixa as pessoas estéreis. Por isso, as mulheres férteis se tornam um bem valioso e são cultivadas como meras reprodutoras. Cada casa de um membro do regime tem uma aia, a mulher que vai servir ao patrão e dar um filho à família. Cumprido o ritual, ela é enviada a outra casa. E é por meio delas que o espectador acompanha a história.

Nesse futuro, as mulheres não podem usar maquiagem, ler nem andar sozinhas. Perdem seus nomes e identidades. São obrigadas a usar apenas um tipo de roupa, e cada classe tem seu modelo. Seus desejos são reprimidos e são obrigadas a dar os filhos concebidos, num teatro chocante, da concepção à entrega.

A religião é ponto central. Quem discorda do regime ou faz algum tipo de resistência é enforcado em praça. Mulheres que desafiam são apedrejadas. Nada escapa ao Olho, o órgão de vigilância do sistema.

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Os livros são proibidos ao cidadão e ficam restritos aos membros do alto escalão, os chamados Comandantes.

É nesse universo sufocante que Atwood apresenta sua história, que discute intolerância, direitos humanos, violência contra a mulher, numa versão do futuro que nem parece tão distante assim.

Roteiro, direção e fotografia

Esta é uma série adulta, o que já diz muito sobre a forma como o roteiro é pensado. Nada de soluções fáceis, sustos desnecessários, viradas absurdas na trama. Aqui, a história se desenvolve com inteligência e profundidade.

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Mesmo quando é necessário recorrer a algum flashback para esclarecer o passado de algum personagem, esse recurso se encaixa no ritmo e não é didático a ponto de explicar o alfabeto. A direção não deixa escapar maneirismos, revela os segredos na hora certa e não brinca de esconde-esconde com o espectador. Na maior parte das vezes, nem se sabe o que está para ser revelado, mas, quando surge, vem de forma natural, encaixada no fluxo da trama.

As narrações em off são discretas e completam a cena. Os diálogos mostram que os roteiristas partiram do princípio de que era necessário respeitar não só a obra da autora, mas também o espectador. Se a transposição de um livro exige adaptações na narrativa, The Handmaid’s Tale encontrou um ponto de equilíbrio em que é possível ler o livro na tela.

A fotografia acompanha o trabalho cuidadoso do roteiro. Alternando tons quentes e frios, ela se caracteriza por certa palidez, mas que consegue diferenciar bem o momento atual e os flashbacks. O vermelho do figurino das aias é um ponto de referência forte e que se configura como uma personagem.

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Elenco

Este é um dos pontos mais fortes da série. Entre atores principais e coadjuvantes, o elenco está afiado e entrega atuações emocionantes. Basicamente, não há pontos baixos, mas três atrizes e um ator merecem o destaque.

Ann Dowd, vencedora do Emmy, entrega uma Tia Lydia primorosa. Responsável pelo treinamento das novas aias e pelo comportamento da classe, ela mostra um rigidez expressiva que assusta. Ela emprega força em cenas de tortura e humilhação, mas é capaz de ser terna em pequenos gestos. Só vendo.

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Joseph Fiennes, o comandante Fred Watford, oficial do alto escalão que teve papel fundamental na criação de Gileade, tem atuação contida, de acordo com o personagem. A necessidade de se manter distante das emoções o faz ser gélido, com expressões calculadas, que escondem um ser que o espectador não consegue decifrar.

Outro destaque é Yvonne Strahovski, que vive Serena Joy, mulher de Watford e que tem um papel importante na trama. Dona de uma beleza frágil e clássica, a atriz consegue fazer uma mulher de interesses dúbios, entregue a um dilema moral ao mesmo tempo em que precisa viver sua função. Foi assim no seu papel na série Dexter e que ela repete agora.

Mas a série é de Elisabeth Moss, que faz a aia Offred. Mais do que encarnar a personagem principal, ela tomou a história para si. Sua presença na tela é contagiante, seu jogo de expressões, olhares e gestos mostram uma atriz madura, técnica e cheia de recursos.

Ela já tinha entregado ótimas atuações em Mad Men e Top of the Lake, mas em Handmaid’s Tale ela alcance seu auge até agora. Aos 35 anos, é uma atriz que precisa ser acompanhada e e merece papéis desafiadores como esse.

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Relevância

Numa marcha organizada por mulheres contra Donald Trump, em 2016, cartazes mostravam a seguinte frase: The Handmaid’s Tale não é um manual de instruções.

A atualidade do livro, repassada à série de TV, assusta. Totalitarismo, repressão, racismo, supressão dos direitos das mulheres, tudo isso encontra paralelos na atualidade, seja nos Estados Unidos, na Europa ou no Brasil.

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O paralelismo da realidade com Handmaid’s Tale só tem equivalência à já consagrada comparação “Isso é tão Black Mirror”.

Efeitos colaterais

A série fez tanto sucesso que o livro da escritora canadense foi reeditado pela Rocco e está disponível na Amazon por R$ 26,90.

Outro efeito The Handmaid’s Tale causou foi o interesse pela obra de Margaret Atwood. Desta vez, a Netflix, que havia recusado a série premiada, vai produzir Alias Grace, inspirada no livro Vulgo Grace (1996). Com seis episódios, a trama conta a história de uma imigrante irlandesa acusada de matar seu patrão e a governanta da casa onde trabalhava. A estreia está prevista para 3 de novembro.

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O livro também foi relançado pela Rocco e está com preço de R$ 36,90 na Amazon.

Coincidentemente ou não, Vulgo Grace tem cenas e fotografia que lembram The Handmaid’s Tale — a capa do trailer lembra muito a cena da concepção das aias, e o tom pálido é dominante.

Como o Hulu não está disponível no Brasil, portanto, não há meio legais de assistir The Handmaid's Tale no país. Mas há uma esperança, ainda sem data certa. A Paramount, disponível na NET, OiTV, Claro TV, Sky e Vivo TV, anunciou que vai exibir The Handmaid’s Tale em 2018, provavelmente no início do ano.

Resta esperar e ler o livro até lá.