Empresas admitem ouvir conversas do celular para vender mais
Por Felipe Demartini • Editado por Douglas Ciriaco | •
A ideia de celulares escutando as nossas conversas e para entregar propagandas baseadas nisso pode deixar de ser uma teoria da conspiração. Pelo menos é o que apontam reportagens publicadas na imprensa dos Estados Unidos em que empresas de marketing assumem acessar microfones dos smartphones sem autorização para coletar dados para fins de publicidade.
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As revelações apareceram em reportagens do site 404 Media e incluem falas públicas sobre o assunto. Uma das companhias é braço de mídia do Cox Media Group e oferece essa função — chamada “Escuta Ativa” — em seu site oficial. Representantes de outra empresa, a MindSift, comentaram o assunto abertamente em um podcast.
A grande sacada seria a distribuição de anúncios para o que são chamados de “compradores prontos, em tempo real”. São designados assim quem, ao comentar nas proximidades do celular que deseja tal produto, recebe anúncios e promoções com potencial alavancado de compra em redes sociais como o Instagram e o Facebook.
Os detalhes sobre a tecnologia são mantidos em segredo, mas os clientes nem tanto. Ainda que informações tenham sido tiradas do ar após as informações virem a público, a reportagem do 404 Media cita uma concessionária de carros de luxo, uma locadora de imóveis e uma prestadora de reparos domésticos como adeptas desse tipo de rastreamento. A lista contém, ainda, uma ONG voltada a conscientizar sobre os riscos de dirigir alcoolizado.
Os representantes da MindSift ainda associaram a tecnologia de reconhecimento de voz a um parceiro de longa data que fornecia tal recurso a grandes companhias. A função estaria sendo fornecida a negócios pequenos e grandes, mas principalmente fornecedoras de serviços de reparo, construção e manutenção. A base seria simples: ao captar um comentário sobre um vazamento no teto, um anúncio de encanador, por exemplo, seria exibido nas redes sociais do indivíduo.
Quem contrata o serviço pode determinar um raio de alcance para as detecções e exibição de propagandas, enquanto um pixel de rastreamento seria adicionado ao site para garantir as métricas de acesso e visualização. Materiais oficiais fazem menção a dados de voz coletados não somente de celulares, mas também assistentes inteligentes e televisores.
Dados seriam anônimos (mas nem tanto)
Nos dois casos citados pela reportagem, as empresas afirmam usar conjuntos de dados agregados e anônimos, que não dariam a possibilidade de rastrear alguém individualmente — algo que vai contra o propósito da tecnologia em si. Em ambos, também, as informações seriam coletadas somente com consentimento e de acordo com os termos de uso dos dispositivos utilizados.
Em nota enviada ao 404 Media, a Amazon disse que o tipo de solução apresentada não poderia ser usada com dispositivos Alexa, enquanto os dados coletados por tais aparelhos não seriam compartilhados com terceiros. O Google segue caminho semelhante, afirmando emitir notificações sempre que o microfone de um celular Android é ativado e impedindo totalmente a captação de áudio quando o componente é desligado.
A MindSift não respondeu à reportagem publicada pelo site estadunidense, assim como a Meta, dona do Facebook e Instagram. O Cox Media Group, enquanto isso, disse utilizar diferentes tecnologias para entregar anúncios direcionados, incluindo recursos e bancos de dados de terceiros, que seriam compartilhados ou adquiridos. A companhia negou ouvir conversas privadas dos usuários ou ter acesso a informações que não tenham sido anonimizadas.
Como se proteger do rastreamento por voz?
A hipótese de que os dados falados ao redor do celular estariam sendo ouvidos e coletados é, no mínimo, assustadora — para não dizer ilegal. Dispositivos como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), por exemplo, proíbem o registro de informações sem o consentimento expresso do cidadão — o mesmo também vale para o compartilhamento, não importando a finalidade.
Entretanto, caso a escuta efetivamente esteja sendo feita de maneira ilegal, a ideia fica ainda mais assustadora. Isso porque não há muito o que os usuários possam fazer para se proteger, a não ser tirar o celular ou desligar aparelhos na hora de ter conversas sensíveis ou que abordem informações particulares.
Especificamente nos celulares Android e iPhone, é possível controlar individualmente o uso do microfone para cada aplicativo, impedindo o acesso quando indesejado. Os sistemas também emitem notificações quando o recurso é ativado. Alertas do tipo fora dos momentos em que o dispositivo estiver em uso podem ser sinais de problema.
Ainda, vale a pena ler as políticas de privacidade de dispositivos e apps, além de explorar configurações. Preste atenção às preferências que permitam controlar ou restringir o que é ouvido e armazenado por cada solução. Caso não concorde com as políticas ou a extensão do que é coletado, o ideal é interromper o uso.
Fonte: 404 Media (1), 404 Media (2)