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Sputnik V: o que sabemos até agora sobre a vacina russa contra a COVID-19

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Na terça-feira (11), a Rússia aprovou a primeira vacina do mundo contra o novo coronavírus (SARS-CoV-2), conforme foi anunciado pelo presidente Vladimir Putin. Na ocasião, foi informado que a imunização, em massa, da população contra a COVID-19 deve começar ainda em outubro. Entretanto, a produção desse imunizante está cercada de dúvidas e alguns mistérios.

Apelidada de Sputnik — em homenagem ao primeiro satélite artificial a orbitar em volta da Terra, desenvolvido pela União Soviética (URSS) durante a Guerra Fria —, a vacina russa custou cerca de quatro bilhões de rublos (aproximados R$ 300 milhões) e foi financiada pelo Fundo de Investimento Direto da Rússia (RDIF). Além disso, o desenvolvimento da Sputnik V contou com a colaboração do Ministério da Defesa do país.

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Com a produção prevista para começar em setembro, "o plano é aumentar a produção de vacinas para 200 milhões de doses até o final de 2020, incluindo 30 milhões de doses na Rússia", detalha o site oficial da vacina, lançado ontem (11). A página vinculada a instituições públicas russas conta com traduções para sete línguas, inclusive o português.

Desenvolvida pelo Centro Nacional de Pesquisa Gamaleya, sediado em Moscou, pelo menos 20 países manifestaram interesse em obter o imunizante Sputnik V, incluindo Brasil, México, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Indonésia, Filipinas e Índia, informa o governo local. Isso sem os pesquisadores russos terem sequer completado os estudos clínicos da vacina, atestando sua eficácia e segurança.

Por enquanto, ela é vista com bastante ceticismo pela comunidade científica. Inclusive, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda o imunizante, já que não foi informada sobre detalhes dos estudos clínicos e nem como a vacina age no sistema imunológico contra o novo coronavírus.

Pesquisa em andamento

Pouco se sabe sobre a pesquisa para o imunizante gerida pelo Centro Nacional de Pesquisa Gamaleya, porque os estudos não estão entre os mais avançados neste momento. Afinal, de acordo com a OMS, há 165 vacinas contra a COVID-19 em desenvolvimento. Desse total, seis estão na fase 3 de testes clínicos, que é a última. Entretanto, a vacina russa não é uma delas, já que acabou de concluir a fase 2.

Na última etapa de testes, a fase 3, o objetivo é validar a segurança e eficácia da vacina dentro do seu público-alvo. Para isso, o número de participantes deve chegar aos milhares, que devem ser monitorados tanto na sua capacidade de proteção contra a COVID-19 quanto nos possíveis efeitos colaterais do imunizante.

"A partir de agora, as primeiras pessoas vacinadas com a Sputnik V se tornarão simultaneamente participantes da terceira etapa do ensaio", detalha a agência de notícias russa Tass sobre os próximos passos do imunizante. Em outras palavras, a vacinação em massa é parte dos testes clínicos e cerca de duas mil pessoas participarão, incluindo voluntários do país de origem do medicamento.

Além disso, o estado brasileiro do Paraná deve participar de forma ativa com os testes de fase 3 da vacina russa. Ontem, o governador Ratinho Júnior afirmou que negociava a pesquisa nacional do imunizante com a Rússia, em um acordo que deve ser firmado nesta quarta-feira (12).

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No país, o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) é que coordenará os testes de eficácia da vacina e que produzirá o medicamento, em massa, caso tenha sua eficácia comprovada. Entretanto, tudo deve ser liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por enquanto, a agência aguarda o fechamento da parceria e detalhes da fórmula para avaliar a autorização dos testes.

Transparência nos resultados

Sem ter concluído todas as etapas da pesquisa para a produção e liberação de uma vacina segura e eficaz, pesquisadores internacionais poderiam contar apenas com a análise de dados divulgados pelos cientistas envolvidos que se referem às etapas 1 e 2. Entretanto, essas evidências científicas ainda não foram divulgadas em periódicos de ciência internacionais.

O que se sabe (ou o que se acredita) é que a vacina do Centro Nacional de Pesquisa Gamaleya já passou pelas duas fases de testes, entre os meses de junho e julho. Segundo o Ministério da Defesa da Rússia, entre os vacinados com a fórmula experimental estavam soldados russos, além do cientista Alexander Ginsburg, diretor do projeto, que afirmou ter se auto-aplicado a vacina. Mais especificamente, a primeira etapa envolveu 38 civis e 38 militares voluntários, enquanto a segunda contou com 100 pessoas.

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Por outro lado, pesquisas de outros imunizantes contra a COVID-19 podem ser acessadas e consultadas de maneira bastante simples via internet. É o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, que tem detalhado os resultados das fases 1 e 2 na revista científica The Lancet, desde julho.

Um ponto curioso é que, além do Centro Gamaleya, participa ativamente do desenvolvimento o Centro Vektor, criado em 1974. Com laboratórios de segurança máxima, o instituto era um dos responsáveis por estudos com armas biológicas soviéticas, durante os anos de Guerra Fria. Além disso, preserva ainda em suas instalações exemplares do vírus da varíola.

Curto período de testes

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Com um curto período de testes para as etapas 1 e 2 da vacina contra a COVID-19, é provável que o processo, na sua totalidade, tenha sido apressado pelo desejo do Kremlin de "chegar primeiro" nessa nova corrida entre as potências mundias, agora, por uma vacina eficaz e segura contra o novo coronavírus — que já contaminou mais de 200 milhões de pessoas no mundo todo, sendo 9.000 mil delas apenas na Rússia.

Em abril, o presidente Vladimir Putin instruiu as autoridades de saúde a tomarem decisões que buscassem simplificar e acelerar os prazos para os ensaios clínicos e pré-clínicos da potencial vacina. Depois de um mês, o país já noticiava que a possível fórmula estava em fase de testes em animais. Em julho, já se falava na vacina sendo eficaz e segura contra a COVID-19, com menos de 200 pessoas testadas.

Nessa mesma linha de tempo, governos como o dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido acusaram hackers do estado russo de tentar roubar informações sobre o desenvolvimento de vacinas contra a COVID-19. Na ocasião, o governo da Rússia negou as alegações e explicou que o segredo da vacina está nos conhecimentos desenvolvidos pela comunidade científica do país ao longo dos anos.

Isso porque "cientistas do Centro Gamaleya têm trabalhado em vacinas baseadas em vetores adenovirais [o modelo usado para a potencial vacina contra a COVID-19] desde a década de 1980 e se tornaram os líderes mundiais no desenvolvimento desse tipo de vacinas", explica o site oficial da vacina Sputnik V.

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Inclusive, as autoridades russas afirmam que o Centro Gamaleya já registrou, com sucesso, uma vacina baseada em vetor adenoviral contra o Ebola e que outra vacina baseada em vetor adenoviral está em estágios avançados de testes clínicos contra a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS). A partir dessas experiências é que o governo explica a velocidade histórica no desenvolvimento do novo imunizante.

Imunidade esperada

Sem esses detalhes sobre os estudos da vacina, é difícil entender questões sobre a segurança do imunizante e a sua eficácia, além de compreender qual é a resposta imunológica que o imunizante desperta nos pacientes contra a COVID-19 e por quanto tempo ela dura. Segundo Putin, o medicamento oferece uma "imunidade sustentável" contra o novo coronavírus.

"A alta eficácia da vacina foi confirmada por testes de alta precisão para anticorpos no soro sanguíneo de voluntários (incluindo uma análise para anticorpos que neutralizam o coronavírus), bem como a capacidade das células imunes dos voluntários se ativarem em resposta ao pico da proteína S do coronavírus, que indica a formação de anticorpos e resposta imunocelular", informa o site oficial do imunizante.

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Como funciona a vacina?

Em laboratório, os pesquisadores russos trabalharam com diferentes tipos de adenovírus, conhecidos por causar o resfriado comum. Para os testes com a vacina, o vírus foi modificado de forma que não se replicasse mais, ou seja, não conseguisse mais se reproduzir. Na sequência, foi editado geneticamente e teve incluído em seu material gênico a proteína spike, encontrada na membrana do novo coronavírus.

Em outras palavras, o vírus modificado carrega um identificador da COVID-19 e, assim, espera-se que as pessoas que receberam a vacina desenvolvam anticorpos contra a doença. No entanto, para garantir uma imunidade mais duradoura contra o agente infeccioso, serão usados dois tipos diferentes de vetores de adenovírus (rAd26 e rAd5) para a primeira e segunda dose da vacinação, após 21 dias, aumentando sua eficácia.

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Outras vacinas em desenvolvimento contra a COVID-19 também utilizam o adenovírus modificado e não replicante na fórmula do imunizante, como acontece nos laboratórios da Universidade de Oxford, no Reino Unido, com participação da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). A metodologia também é usada pela farmacêutica da Johnson & Johnson, a Janssen.

Fonte: BBC, Folha de São Paulo, The New York Times, The Moscow TimesTass e Sputnik V