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Por que as pessoas estão adquirindo vícios na pandemia?

Por| 30 de Novembro de 2020 às 16h00

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fotografierende/Pexels
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Você começou algum vício durante essa pandemia ou notou o aumento de um vício já existente? Se sim, não está sozinho. Em agosto, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), feito em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Estadual de Campinas, apontou que 34,3% dos entrevistados que se declararam fumantes passaram a consumir mais cigarros por dia durante o período de isolamento social. Enquanto isso, 22,8% aumentaram em dez, 6,4% em até cinco e 5,1% em 20 ou mais cigarros. Foram ouvidos 44.062 brasileiros.

Segundo o estudo, esse aumento do vício está associado à deterioração da saúde mental dos tabagistas, com piora de quadros de depressão, ansiedade e insônia. Dentre os entrevistados, 45,5% afirmaram ter piora no sono, enquanto 39,6% declararam agravamento de sentimentos de solidão. No que diz respeito a sentimentos de tristeza, 46,3% anunciaram esse agravamento. Já em relação a nervosismo, 43,3% sentiram piora.

Em entrevista ao veículo O Globo, o epidemiologista Paulo Borges, um dos responsáveis pela pesquisa, disse não saber se o aumento do cigarro piorou a saúde mental dos tabagistas ou o contrário, ou seja, se a deterioração da saúde mental induziu ao aumento do consumo de cigarro por quem já fumava.

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"Há uma possibilidade desse hábito permanecer após a quarentena, já que a nicotina é altamente viciante, e o cigarro associado aos outros fatores que vieram com a pandemia, como o estresse, diminuição do exercício físico e ansiedade, pode elevar o número de casos de doenças crônicas, cardiovasculares e câncer e se tornar um problema de saúde grave, inclusive elevando os custos e sobrecarregando o sistema (de saúde)", disse o autor do estudo, na época.

Enquanto isso, dados do Programa de Aplicação de Mapeamento de Detecção de Overdose da Universidade de Baltimore (Maryland, EUA) mostram que as overdoses de drogas estão aumentando durante a pandemia, com direito a um crescimento de cerca de 18% desde que os pedidos de internação foram implementados em meados de março.

Vícios na pandemia de COVID-19

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A professora de inglês Maria Júlia conta ao Canaltech que antes da pandemia, o cigarro acontecia vez ou outra, mas depois, o vício aumentou exageradamente, e ela chegou a fumar um maço por dia, assim como sua esposa. Em determinado momento, perceberam que o vício estava exacerbado. "Começamos a aumentar e percebemos que tínhamos que parar, então decidimos fumar só quando bebêssemos, ou então na companhia de amigos que também fumam", conta.

No entanto, não foi o cigarro o único vício que se acentuou durante o período da pandemia. "Antes da pandemia, o cigarro era uma vez por dia ou menos. Tudo aumentou, mas chegou a diminuir depois, também... porque estava exagerado. Comecei a beber mais, a ter mais tempo livre e, consequentemente, ocupei-o com cigarro. Se eu não tivesse uma filha, talvez fumar seria ainda mais frequente", afirma a professora.

Maria Júlia menciona que ao tentar diminuir a quantidade de cigarros diários, não sentiu dificuldade, a princípio. "Mas de vez em quando dá uma vontade danada de fumar", reconhece. A professora de inglês tem esperança de manter o vício contido. "Acredito que vamos continuar nesse ritmo de fumar apenas quando beber ou com amigos que fumam. Quando a pandemia acabar, vai acabar a quantidade de vezes que beberemos à noite, e, consequentemente, o cigarro vai diminuir", opina.

A analista de seguros Larissa, de 28 anos, conta que começou a fumar aos 13, conseguiu parar de fumar com ajuda de terapia, mas voltou a fumar durante a pandemia. "Eu tinha problemas com auto-estima e achava que eu precisava ser 'descolada e rebelde', e vi no cigarro uma forma de chamar atenção. Consegui parar de fumar com ajuda do terapeuta e canalizando minha vontade de fumar em outra coisa, tipo beber água quando desse vontade. Comecei a fazer substituição por coisas mais saudáveis, coloquei na cabeça que eu precisaria de alguns dias para quebrar o ciclo que o vício traz", relata.

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Na opinião de Larissa, o vício retornou pelo fato de ter muito tempo livre. "Trabalho em casa, quando quero comer peço pra entregar aqui, não saio mais pra nada e também não estou mais jogando futebol ou saindo pra correr, tenho tentado me preservar. E por ter tanto tempo livre, às vezes me gera uma espécie de ansiedade, que é quando acho que preciso ser produtiva o tempo todo, mesmo sem precisar, e o cigarro me faz sentir mais calma", conta.

Larissa alimenta uma esperança: deixar de lado o vício quando a pandemia acabar. "Tenho certeza que vou parar. Eu já comecei a diminuir. Podendo sair novamente, fazer todos os meus exercícios físicos que eu estava acostumada, vou sentir minha vida de volta, não vou querer continuar para não me atrapalhar. Cigarro não tem nada de positivo", afirma.

Vícios x Saúde mental

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É inegável que a pandemia e a situação de isolamento social têm desencadeado pontos negativos em nossa saúde mental, inclusive já falamos disso de forma aprofundada no especial sobre o impacto da pandemia na saúde mental da população (parte 1; parte 2).

"Tenho tentado me manter tranquila, fazendo coisas que gosto, como ler, jogar video-game, assistir a filmes, afastando pensamentos ruins. Claro que ficar dentro de casa o tempo todo, por tanto tempo, me deixa entediada e um pouco ansiosa. Todo dia me esforço para não ficar pensando bobagem, ou preocupada... tento viver um dia de cada vez e repito para mim mesma que logo vai passar", Larissa relata. Mas até que ponto isso tem relação com os vícios?

Para responder essa questão, conversamos com Bárbara Snizek Ferraz de Campos, psicóloga especialista em Saúde Mental, Psicopatologia e Psicanálise e mestre em Antropologia Social, para entender como os vícios têm relação com a saúde mental. Na opinião da especialista, vivemos em uma sociedade de excessos, que prioriza a satisfação imediata e a não regulação dos impulsos, e tudo isso favorece os sintomas compulsivos. "O isolamento social e as incertezas que a pandemia gerou desencadearam ou intensificaram muitos quadros de ansiedade e depressão. Em tais quadros, o uso de substâncias químicas e os comportamentos compulsivos podem se agravar ou até mesmo surgir", explica.

Para a psicóloga Alessandra Augusto, especialista em Terapia Sistêmica, Terapia Cognitiva Comportamental e em Neuropsicopedagogia, a relação do vício com a nossa saúde mental está na busca pelo prazer. "O nosso cérebro busca o tempo todo saciar esses prazeres. Não tem problema algum saciar os nossos prazeres com coisas naturais. O problema está quando eu busco saciar esse prazer com itens artificiais. Então comportamentos repetidos com prazeres artificiais, que são as drogas, o álcool, a nicotina, são trazidos para o comportamento para saciar essa busca. A pandemia trouxe o aumento desse consumo de álcool, cigarro e drogas porque o indivíduo perdeu um pouco dessa sensação dos prazeres naturais", observa.

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Assim como Larissa já suspeitava, a psicóloga Alessandra afirma que a prática de exercícios pode ajudar nessa questão da saúde mental. "A prática de exercícios ajuda muito, porque libera dopamina e traz um prazer natural para o corpo. Manter a ligação com os familiares, cuidar da mente, estar ocupado com o trabalho e com o estudo também ajuda muito o indivíduo".

Questionada se a consulta com o psicólogo pode auxiliar na tarefa de largar um vício, Bárbara afirma: "Um processo de terapia, junto a um psicólogo, pode ajudar no autoconhecimento e no autocontrole, o que traz muitos benefícios para a vida das pessoas em geral. Aprender a identificar os gatilhos que levam ao consumo de substâncias químicas é fundamental, assim como aprender a se responsabilizar pelo comportamento".

Na visão de Alessandra, o ideal é que o indivíduo primeiro entenda como a droga funciona em seu corpo e como ele vai fazer essa adaptação da nova vida sem ela. "Então precisa aceitar ajuda, se desarmar. A pandemia mexeu muito com a saúde mental dos indivíduos. O nível de estresse foi muito maior. Ficar isolado socialmente gerou muita angústia e ansiedade em alguns indivíduos. Então, é preciso que ele se entregue ao tratamento e que se dedique para que possa caminhar no tratamento".

Para Bárbara, é importante que a família acolha sem julgamentos, oferecendo apoio. Porém, comportamentos permissivos e que desresponsabilizem o sujeito por seus atos são prejudiciais. Alessandra concorda com esse ponto de vista: "A família de um tóxico dependente é muito atingida. Ela se fragmenta. Por outro lado, se torna co-dependente quando ela sacia as necessidades desse dependente. A família pode ajudar acolhendo esse indivíduo, tentando entender os gatilhos, evitando os que levam à dependência, evitando frequentar os lugares onde ele frequentava durante o período da dependência. A família precisa estar atenta, amparada, para poder ajudar esse indivíduo a caminhar rumo à saída dessa dependência", opina.

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Por fim, a psicóloga Bárbara aconselha a encarar a situação e se responsabilizar pelos seus atos: "Sem isso, fica muito difícil lidar com as adicções. Em seguida, busque apoio e fale abertamente sobre seus sentimentos com pessoas em quem confia. Após dificuldades ou uma recaída, busque voltar para o foco. Afinal, ninguém é infalível", afirma.

Alguns nomes presentes nessa matéria foram alterados para proteger a identidade dos entrevistados.

Fonte: Com informações de The GuardianO Globo