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Especial | O impacto da pandemia na saúde mental da população [parte 1]

Por Redação | 10 de Outubro de 2020 às 12h00

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Fernando Cferdo/Unsplash
Fernando Cferdo/Unsplash

No dia  11 de março de 2020, houve um divisor de águas no mundo inteiro: a situação da COVID-19 foi anunciada como pandemia. Desde então, temos acompanhado as consequências dessa doença que se alastrou pelo planeta — dentre elas, uma que tem preocupado os especialistas envolve a saúde mental da população. Neste sábado (10), Dia Mundial da Saúde Mental, trazemos uma ampla análise diante de todo o impacto psicológico causado pelo coronavírus, dividido em duas partes com quatro capítulos cada. Enquanto essa primeira parte está focada nas causas, a segunda parte levanta as consequências e os efeitos a longo prazo.

O que acontece é que muitas atividades tiveram de ser cessadas, especialmente as que envolvem relacionamento humano. É fundamental manter a saúde mental em ordem, até para que tenhamos consciência e sensibilidade para lidar com a situação de maneira serena. No entanto, para colocar isso em prática, primeiramente devemos entender o nível da interferência da pandemia na saúde mental da população.

Capítulo 1: isolamento social

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Tudo começa com o isolamento social, uma das maiores proteções contra o coronavírus. Basicamente, o isolamento serve para separar pessoas sintomáticas ou assintomáticas, em investigação clínica e laboratorial, de maneira a evitar a propagação da infecção e transmissão. Segundo a norma do Ministério da Saúde, o isolamento é feito por um prazo de 14 dias – tempo em que o vírus leva para se manifestar no corpo – podendo ser estendido, dependendo do resultado dos exames laboratoriais.

Na prática, isso significa abrir mão de sair de casa, encontrar pessoas na rua, ver a vida funcionando ao seu redor. Ficar dias, semanas, e até mesmo meses isolado em casa pode ser uma medida para proteger o nosso corpo, mas não impede estragos na nossa mente. "Durante essa quarentena, a gente se deparou com um grande problema social. Os seres humanos têm uma tendência muito forte [a socializar], uma valorização realmente muito grande, tem um impacto forte na saúde mental, nos contatos sociais onde a gente recupera as nossas energias", observa Dr. Yuri Busin,  psicólogo, mestre e doutor em neurociência do comportamento, diretor do Centro de Atenção à Saúde Mental - Equilíbrio (CASME).

"Estávamos muito acostumados com essa vivência social dentro do trabalho, escola, amigos, saídas, e assim por diante. O que pode acarretar nesse isolamento social é a abertura de quadros como ansiedade, depressão, fobias de sair de casa, fobia social. Então dependendo do estado emocional que a pessoa vinha antes da pandemia, isso pode agravar muito durante o isolamento social", explica. O Dr. reitera que isso não quer dizer que é uma regra e que todo mundo que ficou isolado socialmente vai abrir um quadro de algum transtorno psicológico, mas que pode ser uma grande influência.

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Atualmente, pesquisadores da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP) monitoram o impacto do distanciamento social e da pandemia na saúde mental de 4 mil pessoas do estado de São Paulo. O acompanhamento da saúde mental durante a pandemia integra o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto – ELSA Brasil, que acompanha a saúde de 15 mil funcionários públicos de seis universidade e centros de pesquisa do país desde 2008. O projeto tem financiamento do próprio Ministério da Saúde. Além do estudo sobre saúde mental durante a pandemia, o ELSA-Brasil vai permitir fazer relações entre questões associadas ao estado de saúde, de saúde mental e da própria COVID-19.

Em paralelo, a partir de experiências que o mundo já viveu em outras pandemias ou grandes desastres, um estudo que reúne os primeiros dados disponíveis sobre o total de internações por transtornos mentais no Rio Grande do Sul desde a chegada do novo coronavírus apresenta uma série de alertas sobre os efeitos da COVID-19 também na saúde mental da população. As maiores prevalências de transtornos comuns foram identificadas entre os professores (média de 36,9%) e profissionais da saúde (27,7%). O trabalho menciona que os impactos da pandemia na saúde mental podem perdurar em momentos distintos e apresentar diferentes motivações. 

Capítulo 2: distância, saudade, solidão

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Ainda que a tecnologia forneça meios para se conectar com as pessoas sem sair de casa, mantendo a segurança, a falta de contato físico proporciona saudade e agrava a sensação de solidão. Um estudo realizado pela empresa norte-americana Cigna mostra que estar sozinho por um longo período pode trazer complicações para o bem-estar físico e mental. 

Como resultado da COVID-19, manter distância de outras pessoas é a maneira mais segura de se manter saudável, embora possa aumentar a sensação de isolamento. Segundo a análise, trata-se de um novo motivo para considerar como a solidão pode afetar tudo, desde o cérebro, o coração e o sistema imunológico.

Segundo o estudo em questão, em termos evolutivos, fazer parte de um grupo significou proteção, compartilhamento da carga de trabalho e maiores chances de sobrevivência. Afinal, os humanos demoram muito para amadurecer. Precisamos de nossas tribos. Sendo assim, o termo "solidão" vem do sentimento de não pertencer a um grupo, conforme explica Julianne Holt-Lunstad, professora de psicologia e neurociência da Universidade Brigham Young, em Utah, nos Estados Unidos. Dra. Holt-Lunstad atribui à pandemia a experiência mais estressante da vida de muitas pessoas, uma vez que milhões de indivíduos foram infectados no mundo inteiro, o desemprego explodiu e a vida cotidiana foi extremamente limitada. 

Tendo em mente a solidão proveniente dessa pandemia, um grupo chamado Papel & Caneta trouxe à tona uma campanha para estimular o auxílio a pessoas próximas, principalmente, àquelas que estão completamente sozinhas em casa. O projeto se chama Openness e acontece atualmente em diversos países. Na prática, o objetivo é oferecer formas para que as pessoas possam puxar assuntos e iniciar uma conversa com alguém que está sozinho.

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É justamente a solidão que tem tido impacto na vida da analista de marketing Kauani, de 20 anos. "Eu tive que lidar com muitas coisas. Terminei um relacionamento de três anos, ou seja: estava acostumada a ter alguém e agora não tenho ninguém, e com a pandemia só piora, porque eu não consigo ver nem os meus amigos. Sinto saudades da minha avó, mas me preocupo com saúde dela. É muito arriscado e é de partir o coração quando ela pede que eu vá visitá-la", conta. "Estou passando com a psicóloga, porque desenvolvi ansiedade. Mentalmente, eu me sinto destruída com os meus pensamentos, e fisicamente, eu me sinto extremamente cansada e com dor", acrescenta.

Capítulo 3: as más notícias

Como manter a saúde mental intacta em um contexto em que há milhares de mortes e infecções diárias? Os especialistas apontam que deparar-se o tempo todo com essa onda de más notícias também é uma das causas de problemas relacionados à saúde mental. "Há um medo muito intenso que a sociedade passa. Isso pode agravar bastante nos transtornos psicológicos", aponta o Dr. Yuri.

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Em 28 de setembro, a marca de um milhão de mortes foi alcançada pela infecção. Segundo a plataforma internacional Worldometer, até a última quinta-feira (8), são 1.062.948 mortes, no total, no mundo, com direito a 46,5 milhões de casos. Com isso, governos do mundo inteiro investem esforços contra a transmissão do coronavírus, e uma boa parte da humanidade chegou a enfrentar lockdown ou ou alguma restrição de deslocamento para a contenção do contágio.

Com potenciais vacinas contra a COVID-19 ainda em desenvolvimento e sem nenhum tratamento específico, os pesquisadores  trabalham para decifrar os enigmas por trás dessa doença que tem causado tanto estrago em 2020, fornecendo uma luz de esperança. Ainda assim, as notícias preocupantes reinam, propagando consequências psicológicas.

Enquanto isso, Dr. Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP, membro da Associação Americana de Psiquiatria (APA), afirma que os profissionais de sua área têm estimulado que as pessoas realmente não esqueçam da saúde mental na pandemia. "Agora que já avançamos mais de seis meses de pandemia, estão todos bastante irritados. Os níveis de ansiedade aumentaram. Isso a gente vê na prática psiquiátrica: muitas pessoas recaíram, muitas pessoas estão com grande sofrimento do ponto de vista ansioso e do ponto de vista depressivo. Estão preocupados com futuro, seja pelo medo da própria doença, seja por questões econômicas", aponta.

Para Dr. Henrique Bottura, psiquiatra diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do Hospital das Clínicas de São Paulo, esse impacto vem acontecendo ao longo de seis meses de formas diferentes. "Inicialmente uma tensão muito grande, uma mudança de rotina muito grande, conflitos familiares, culminando em alteração de sono e de funcionalidade como um todo. Conforme as pessoas foram se adaptando ao processo, algumas foram conseguindo se organizar melhor, mas o que a gente mais percebe que persiste é um sono bagunçado, muito provavelmente por causa dessa transição do mundo externo para o mundo interno. Os impactos são vários, já que aumentou muito a tensão, a ansiedade", explica.

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Capítulo 4: sem serviço

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já deixou em evidência como a pandemia impactou e interrompeu serviços essenciais de saúde mental em 93% dos países em todo o mundo. A análise, feita em 130 países, fornece os primeiros dados globais que mostram as consequências da doença, que tem preocupado toda a população no ano de 2020, no que diz respeito ao acesso aos serviços de saúde mental, e ressalta a necessidade urgente de mais financiamento.

Anteriormente, já estiveram em pauta os problemas do subfinanciamento da saúde mental: antes da pandemia, os países chegavam a gastar menos de 2% de seus orçamentos com saúde mental. Mas com a expansão do coronavírus, aumentou a demanda por serviços de saúde mental, pois luto, isolamento, perda de renda e medo estão desencadeando problemas de saúde mental ou agravando os problemas já existentes.

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Dessa vez, a organização reitera que há interrupção generalizada de muitos tipos de serviços essenciais de saúde mental: mais de 60% dos países relatou interrupções nestes serviços para pessoas vulneráveis, incluindo crianças e adolescentes (72%), adultos mais velhos (70%) e mulheres que precisam de serviços pré-natais ou pós-natais (61%).

Enquanto isso, 67% viu interrupções no aconselhamento e psicoterapia; 65% para serviços críticos de redução de danos, 35% relatou interrupções nas intervenções de emergência, incluindo aquelas para pessoas com convulsões prolongadas, síndromes de abstinência de uso grave de substâncias e delírio, ao que 30% relatou interrupções no acesso a medicamentos para transtornos mentais, neurológicos e por uso de substâncias, e 78% relatou interrupções parciais nos serviços de saúde mental na escola e no local de trabalho. 

"É um levantamento muito importante. A saúde mental tem muito menos investimento do que a saúde como um todo. As pessoas estão começando a entender a saúde mental como um ponto fundamental da vida, então é natural que daqui para frente comece a ter muito mais investimento, e a saúde pública comece a se preocupar mais ainda com esse nicho específico. Infelizmente muitas pessoas ficaram desamparadas, porque vários serviços acabaram fechando durante a pandemia ou reduzindo para casos extremamente graves", analisa Dr. Yuri.

"O governo também deve investir um pouco mais nisso porque a saúde mental é tão importante quanto a saúde física. A consequência da falta de investimento é uma população não saudável, com pouca informação, em entender o que está acontecendo e muitas vezes desacreditando da saúde mental, então é algo que a sociedade precisa começar a se preocupar", conclui o psicólogo. 

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Esse especial continua na parte 2. 

Fonte: Com informações de OMS, CNET, Governo de São Paulo, Governo do Rio Grande do Sul, Worldmeter