Pessoas com depressão usam a linguagem de forma diferente — como diagnosticar?
Por Lillian Sibila Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela |

A depressão e os sintomas depressivos mudam a forma como interagimos com o mundo ao nosso redor e as pessoas com quem convivemos — da maneira com que dormimos e nos mexemos ao modo de falar. Em um estudo recente, publicado no periódico científico Clinical Psychological Science, cientistas usaram a ajuda de inteligência artificial para descobrir mais sobre a conexão entre a linguagem e a depressão, algo que a ciência já conhecia, mas tinha dificuldades de catalogar.
A chamada “linguagem da depressão” afeta a maneira com que pessoas se expressam através da fala e da escrita, algo que podemos perceber especialmente em obras musicais ou literárias de artistas depressivos.
As análises computadorizadas ajudam a analisar bancos de dados enormes com registros de diário, escritos pessoais e gravações de língua falada de indivíduos diagnosticados com depressão, bem como obras de pessoas notórias, como Kurt Cobain e Sylvia Plath, que sofriam da condição.
Identificando linguagem depressiva
Segundo os pesquisadores que analisam a comunicação e sua relação com a depressão, a linguagem pode ser separada em dois elementos diferentes — conteúdo e estilo. O conteúdo tem a ver com o que expressamos, ou seja, o significado do que falamos. Pessoas com sintomas depressivos costumam usar palavras com significados negativos, como “triste”, “sozinho” ou “infeliz”. Mais interessante do que isso, talvez, é o uso de pronomes.
Conteúdo e pronomes
Com a depressão, são usados mais pronomes da primeira pessoa do singular, como “eu”, “meu” e “comigo”, com uma quantidade significativamente menor de pronomes na segunda e terceira pessoas, como “ele”, “ela” ou “eles”. Isso sugere que a pessoa depressiva está mais focada em si mesma, menos conectada com os outros. Segundo especialistas, os pronomes são até mesmo mais confiáveis na identificação indireta de depressão do que palavras que denotam emoções negativas.
Sabe-se que a ruminação, quando se fala e pensa repetidamente nos problemas pessoais, e o isolamento social são aspectos generalizados da depressão. Não se sabe, no entanto, se isso reflete em diferenças na atenção ou no estilo de se pensar — em outras palavras, é a depressão que faz com que as pessoas foquem muito mais em si ou são pessoas que focam mais em si mesmas que acabam tendo sintomas de depressão?
Estilo e absolutismo
Falando em estilo, em relação à linguagem, ele é definido pelo modo com o qual nos expressamos. Na análise mais recente, foram vasculhados 64 fóruns de saúde mental na internet, examinando mais de 6.400 internautas. Mais do que pronomes ou palavras expressando emoções negativas, notou-se que palavras absolutistas — que expressam magnitudes absolutas, como “sempre”, “completamente” ou “nada” — são os melhores indicadores para identificar depressão em fóruns online.
Desde o início do estudo, os cientistas previram que os depressivos teriam uma visão mais “preto-e-branco” do mundo, manifestando isso em seu estilo de linguagem. Em comparação com outros fóruns de controle, sem ligações com saúde mental, os grupos estudados tinham 50% palavras absolutistas a mais em fóruns sobre ansiedade e depressão e 80% a mais em fóruns sobre ideação suicida.
Embora pronomes em primeira pessoa também tenham aparecido mais, seu efeito foi menor. Curiosamente, palavras definindo emoções negativas eram menos prevalentes nos fóruns de ideação suicida do que nos de ansiedade e depressão.
Também foram analisados fóruns de recuperação, onde os participantes que sentem ter superado episódios depressivos fazem postagens positivas e encorajadoras sobre sua melhora. Neles, palavras negativas eram usadas a taxas parecidas com as de fóruns de controle, e palavras de emoções positivas apareciam 70% mais. A quantidade de palavras absolutistas foi significativamente maior do que nos grupos de controle, mas um pouco menor do que nos fóruns de ansiedade e depressão.
Pessoas que já tiveram sintomas depressivos têm mais chances de tê-los novamente, apresentando uma tendência maior a pensar de maneira absolutista, mesmo quando não há sintomas de depressão. Segundo os cientistas, isso é um sinal de que o comportamento pode ter um papel na geração de episódios depressivos. Isso também vale para pronomes, mas não para palavras negativas.
Linguagem em diagnósticos de saúde mental
Entender a linguagem da depressão pode nos ajudar a entender as como quem tem sintomas depressivos pensa, mas não só isso — pesquisadores têm combina análise automatizada de texto com aprendizado de máquina para classificar diversas condições de saúde mental com base em amostras de linguagem natural, como postagens em redes sociais e blogs.
Essas classificações já estão mostrando uma eficácia maior do que terapeutas treinados, e só têm a melhorar com a exposição a mais dados e melhoria dos algoritmos utilizados. Análises computadorizadas vão além da análise de padrões de absolutismo, pronomes e palavras negativas, com cientistas treinando máquinas para identificar subcategorias cada vez mais específicas de transtorno mentais, como perfeccionismo, problemas de autoestima e ansiedade social.
Vale lembrar que usar linguagem associada com a depressão não é, necessariamente, um sinal da doença — é possível usar linguagem depressiva estando bem, e o que importa, no fim das contas, é como nos sentimos ao longo do tempo. Melhorar a detecção de patologias mentais com tecnologia e métodos como os computacionais poderá ajudar a tratá-las cada vez mais cedo, evitando suicídios trágicos como os de Sylvia Plath e Kurt Cobain.
Fonte: Clinical Psychological Science, Clinical Psychological Review, Journal of Personality Assessment via The Conversation