COVID-19 afeta cérebro e células nervosas, segundo estudo brasileiro
Por Nathan Vieira |
Nesta terça-feira (13), foi publicado na plataforma medRxiv um estudo brasileiro que aponta o coronavírus (SARS-CoV-2) como capaz de infectar células do tecido cerebral, principalmente os astrócitos (células da neuróglia, as mais abundantes do sistema nervoso central e são as que possuem as maiores dimensões).
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Segundo o trabalho, conduzido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela Universidade de São Paulo (USP), com financiamento da Fapesp e colaboração de pesquisadores do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os indivíduos que tiveram a forma leve da COVID-19 podem apresentar alterações na estrutura do córtex, região do cérebro responsável pela memória, atenção, consciência e linguagem.
Os pesquisadores chegaram às conclusões por meio de experimentos feitos com tecido cerebral de 26 pacientes que morreram de COVID-19. As amostras foram coletadas durante procedimentos de autópsia minimamente invasiva.
Os responsáveis pelo estudo em questão usaram anticorpos para marcar antígenos virais ou componentes do tecido analisado. A presença do vírus foi confirmada nas 26 amostras estudadas. Em cinco delas também foram encontradas alterações que sugeriam um possível prejuízo ao sistema nervoso central.
Além disso, fizeram exames de ressonância magnética em 81 voluntários que contraíram a forma leve da COVID-19 e se recuperaram. Em média, as avaliações presenciais ocorreram 60 dias após a data do teste diagnóstico e um terço dos participantes ainda apresentava sintomas neurológicos ou neuropsiquiátricos. Nesse caso, as principais queixas foram dor de cabeça (40%), fadiga (40%), alteração de memória (30%), ansiedade (28%), perda de olfato (28%), depressão (20%), sonolência diurna (25%), perda de paladar (16%) e de libido (14%). Eles incluíram na pesquisa somente pessoas que tiveram o diagnóstico de COVID-19 confirmado por RT-PCR e que não precisaram ser hospitalizadas. As avaliações foram feitas após o término da fase aguda e os resultados foram comparados com dados de 145 indivíduos saudáveis e não infectados.
Enquanto isso, nos testes neuropsicológicos, os voluntários do estudo também se saíram pior do que a média dos indivíduos brasileiros em algumas tarefas. Os resultados foram ajustados de acordo com a idade, o sexo e a escolaridade de cada participante. Também foi considerado o grau de fadiga relatado pelo participante aos pesquisadores. Já no Laboratório de Neuroproteômica do IB-Unicamp foram realizados diversos experimentos com tecido cerebral de pessoas que morreram de COVID-19 e com culturas de astrócitos in vitro para descobrir, do ponto de vista bioquímico, como a infecção pelo SARS-CoV-2 afeta as células do sistema nervoso.
As amostras de necrópsia foram obtidas por meio de colaboração com o grupo do professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva. Todo o conjunto de proteínas (proteoma) presente no tecido foi mapeado por espectrometria de massas – técnica que permite discriminar substâncias em amostras biológicas de acordo com a massa molecular.
Outros estudos
Segundo os pesquisadores, os achados descritos no artigo estão de acordo com diversos trabalhos já publicados, que apontaram possíveis manifestações neurológicas e neuropsiquiátricas da COVID-19, mas dá um passo além. Com isso, a próxima pergunta a ser respondida é como o vírus chega ao sistema nervoso central e qual é o mecanismo usado para entrar nos astrócitos – o que pode dar pistas para possíveis intervenções capazes de barrar a infecção.
Em junho, pesquisadores norte-americanos desenvolveram um estudo referente ao efeito da COVID-19 no sistema nervoso, que classifica os danos cerebrais causados em três estágios. No artigo, eles alertam sobre problemas neurológicos em pacientes que sofrem de COVID-19, incluindo derrame, convulsões, confusão, tontura, paralisia e/ou coma. A pesquisa conta com 24 casos que revelam o impacto do COVID-19 no cérebro dos pacientes.
Em agosto, em artigo para o veículo The Conversation, a professora de psicologia da Universidade de Michigan, Natalie C. Tronson, explica que muitos dos sintomas atribuídos a uma infecção se devem, na verdade, às respostas protetoras do sistema imunológico. Essas mudanças no cérebro e no comportamento, embora irritantes para nossa vida cotidiana, são altamente adaptativas e imensamente benéficas. Ao descansar, também se permite que a resposta imune, que exige muita energia, faça seu trabalho. A febre torna o corpo menos hospitaleiro a vírus e aumenta a eficiência do sistema imunológico.
Vale lembrar que essas questões neurológicas e outras muito pertinentes voltadas à saúde mental durante essa pandemia de COVID-19 já foram analisadas aqui no Canaltech por meio de um especial de duas partes. Você pode conferir a primeira parte aqui e a segunda parte aqui.
Fonte: MedRxiv via Governo de São Paulo