Cetamina altera a relação do cérebro com a dopamina
Por Fidel Forato • Editado por Luciana Zaramela | •
A cetamina afeta o cérebro de diferentes formas, ainda mais quando é usada de forma contínua, como aponta estudo realizado por pesquisadores da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. No experimento, a equipe analisou o impacto no cérebro de ratos e descobriu alterações nos níveis de dopamina — quase sempre associada à felicidade e ao prazer.
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Dentro da medicina, a cetamina pode ser prescrita para quadros de depressão resistentes ao tratamento. Em doses maiores, é um analgésico alternativo aos opióides. De forma ilícita, é adotada como droga recreativa, podendo receber o apelido de Special K.
Uso contínuo de cetamina
No estudo publicado na revista científica Cell Reports, os cientistas descobriram que o uso da cetamina por 10 dias consecutivos provoca mudanças estruturais generalizadas no cérebro em áreas relacionadas à produção de dopamina.
Para chegar a esse nível de efeito, foram usadas duas doses: baixa concentração de cetamina, como é prescrita para tratamentos de depressão; e doses mais altas, como as adotadas para a obtenção do efeito anestésico. Ambas provocaram alterações no sistema dopaminérgico e, consequentemente, nos neurônios dopaminérgicos, aqueles que produzem este tipo de neurotransmissor.
Como afeta o cérebro?
Antes de seguir, vale reforçar que, no cérebro dos roedores (e também dos humanos), a dopamina funciona como um neurotransmissor capaz de proporcionar sensações de prazer, satisfação e motivação.
Segundo os pesquisadores, o uso contínuo da cetamina pode provocar uma diminuição dos neurônios dopaminérgicos em regiões do mesencéfalo do cérebro. Estas estão ligadas à regulação do humor. Por causa disso, é possível que as pessoas desenvolvam sintomas que são recorrentes em quadros de transtorno de humor ou mesmo de esquizofrenia.
Por outro lado, há um aumento dos neurônios dopaminérgicos no hipotálamo, sendo que essa parte do cérebro é responsável por regular as funções básicas do corpo, como metabolismo e homeostase. Com mais dopamina neste local, os autores sugerem que isso auxilie no tratamento de distúrbios alimentares.
A cetamina também é capaz de reduzir a densidade dos axônios (fibras nervosas) em áreas do cérebro que são responsáveis pela audição e visão. Em contrapartida, turbina os axônios nos centros cognitivos, o que pode explicar os efeitos dissociativos da medicação.
Futuro da cetamina
Embora o estudo não investigue os efeitos exatos da cetamina em cérebros humanos, os pesquisadores entendem que a maior parte das descobertas em animais pode ser considerada, com a devida cautela, semelhantes.
Nesse contexto, a medicação afeta o sistema nervoso de formas ainda mais complexas do que se pensava. Por isso, os autores sugerem o uso responsável e orientam a realização de estudos adicionais para verificar possíveis tratamentos contra depressão, esquizofrenia e psicose, a partir do composto. A estratégia também deve ser estudada em casos de Parkinson.
“Em vez de ‘banhar’ todo o cérebro com cetamina, como a maioria das terapias faz hoje, nossos dados de mapeamento do cérebro indicam que uma abordagem mais segura seria atingir partes específicas do cérebro, de modo a minimizar os efeitos não intencionais em outras regiões”, sugere Raju Tomer, cientista da universidade e autor sênior do artigo, em nota.
Fonte: Cell Reports e Universidade Columbia