Neurotransmissores: conheça um pouco da química produzida pelo nosso cérebro
Por Nathan Vieira • Editado por Luciana Zaramela |
Mesmo na atualidade, a ciência e a medicina continuam em constante busca para desvendar os enigmas do cérebro, trazendo à tona novas informações sempre que possível. Nesse sentido, uma das complexidades que mais chamam a atenção é a produção de substâncias, principalmente num contexto onde percebemos tanta importância na saúde mental.
- Livro de Miguel Nicolelis faz questionar a capacidade do cérebro humano
- O cérebro humano realmente prefere os finais felizes, segundo estudo
- Cientistas conectam cérebro humano a um computador através das veias
Para entender quais são as principais substâncias produzidas no cérebro humano e o efeito delas enquanto neurotransmissores, a equipe do Canaltech conversou com Dr. Fabio Porto, neurologista comportamental do Hospital das Clínicas de São Paulo, e com o Dr. Renato Andrade Chaves, neurocirurgião.
Como o cérebro produz química
Os especialistas explicam que as substâncias produzidas no cérebro integram um grupo chamado monoaminas, que atuam no corpo humano como neurotransmissores. Cada uma tem um formato diferente, e é produzida numa região diferente do cérebro.
"Cada neurotransmissor tem uma função e uma localização específica. Na verdade, é como se fosse uma orquestra em que vários instrumentos trabalham para fazer um som final. Muito difícil dizer que um determinado neurotransmissor funciona para determinada tarefa", explica Dr. Fabio.
Segundo o neurologista, todos esses neurotransmissores funcionam através da transmissão sináptica, que ocorre quando um neurônio se comunica com outro. O primeiro neurônio se chama pré-sináptico, enquanto o segundo se chama pós-sináptico. Quando um neurônio estimula outro — ou seja, passa o impulso elétrico para outro — libera neurotransmissores no espaço entre eles, que por sua vez se chama fenda sináptica.
"A comunicação entre um neurônio e outro se dá por vários neurotransmissores. Cada área do cérebro tem o predomínio de um neurotransmissor.", esclarece Dr. Fabio. "As áreas do cérebro responsáveis pela liberação dos neurotransmissores são o córtex motor, o sistema límbico e o tronco cerebral", acrescenta Dr. Renato.
As substâncias
Existem inúmeras substâncias químicas, inúmeros neurotransmissores, o que torna essa área da neurologia muito mais complexa do que imaginamos. No entanto, Dr. Fabio reitera a importância de compreender que o trabalho em equipe é o que faz o cérebro trabalhar de maneira afinada, ainda que exista sempre o predomínio de um ou outro neurotransmissor para determinada função. De qualquer forma, trazemos aqui as substâncias mais debatidas entre cientistas e leigos — e resumimos em poucas linhas o que cada uma delas faz.
Dopamina
A dopamina é produzida numa região chamada substância negra, que fica no tronco cerebral, mais especificamente no mesencéfalo (uma estrutura responsável por algumas funções como a visão, audição, movimento dos olhos e movimento do corpo). Dr. Fabio relembra que a dopamina é, por exemplo, o neurotransmissor que fica reduzido na doença de Parkinson, proporcionando rigidez muscular e dificuldade na movimentação.
O neurologista explica que a dopamina tem muito a ver com a questão motora e com o processamento de recompensa. Inclusive, entramos nesse mérito em uma matéria de julho do ano passado, sobre vídeos satisfatórios. "A falta de dopamina muitas vezes causa apatia, a pessoa não consegue sentir prazer, ou em situações de muito estímulo dopaminérgico, a pessoa fica viciada, tem dificuldade de controlar impulso", acrescenta.
Serotonina
Enquanto isso, a serotonina é produzida em outra região do cérebro chamada de núcleo da rafe. "Também fica no tronco cerebral, mas na ponte, em outro ponto. Tanto a dopamina quanto a serotonina são sintetizadas em pontos específicos do cérebro, mas depois se espalham para várias regiões do órgão. Cada uma tem uma função de modular um certo domínio", explica Dr. Fabio.
Dr. Renato completa que a serotonina está diretamente relacionada com o humor das pessoas. "É derivada do triptofano [um aminoácido essencial, utilizado pelo cérebro junto com a vitamina B3] e grande causa da depressão", explica o neurocirurgião. Assim, quando uma pessoa tem depressão, os especialistas costumam indicar remédios que aumentam [os níveis da] serotonina, visando a melhora de seu estado.
Endorfina
Já a endorfina é produzida na hipófise (uma glândula localizada na base do cérebro que tem as funções de regular o trabalho das glândulas suprarrenal, tireoide, testículos e ovários), tal como outros pontos do cérebro. "Tem muito a ver com a modulação de estímulos dolorosos, mas também com recompensa. Classicamente, quando se faz exercícios, tem-se a liberação de endorfina. Então a endorfina é um dos neurotransmissores que modulam essa sensação de prazer", afirma Dr. Fabio.
Dr. Renato completa que a endorfina pode ser também considerada uma morfina endógena, ou seja, que se origina no interior do organismo.
Histamina
No hipotálamo (localizado na base do encéfalo, tendo mais ou menos o tamanho de uma amêndoa e responsável por coordenar a maior parte das funções endócrinas e agindo sobre a regulação da temperatura, apetite, sede, ciclo do sono e sistema nervoso), a histamina regula funções térmicas e relacionadas ao despertar. Enquanto isso, no restante do organismo a histamina é importante para regular o fluxo sanguíneo e a resposta à inflamação.
Acetilcolina
Já a acetilcolina envolve a atividade de áreas cerebrais relacionadas à atenção, aprendizagem e memória. É liberada por núcleos chamados colinérgicos, e atua na boa digestão e no relaxamento muscular.
Noradrenalina
A noradrenalina, por sua vez, está relacionada com a excitação física e mental e ao bom humor. A produção é centrada na área do cérebro chamada de locus coeruleus (uma parte pequena e azulada do tronco cerebral). A falta de noradrenalina também costuma ser associada a transtornos depressivos.
GABA
O Ácido gama-aminobutírico (GABA) é o principal neurotransmissor inibidor no sistema nervoso central. É sintetizado a partir do glutamato (um dos neurotransmissores mais importantes do nosso sistema nervoso). "O GABA é um neurotransmissor não estimulante, e é responsável por abaixar a atividade cerebral", aponta Dr. Renato.
Como liberar essas substâncias?
Determinadas atividades podem desencadear a produção dessas substâncias. Os especialistas trazem alguns exemplos: no caso da dopamina, por exemplo, essa recompensa vem de alguma atividade particularmente prazerosa, como comer um chocolate, e quando se consegue resolver conflitos, tornar situações estáveis, equilibradas, os especialistas entendem que tem modulação da serotonina. Para desencadeá-la, é preciso realizar atividades que te deixam alegre, realizado.
Já a endorfina está muito relacionada com a prática de exercícios. "Mas é muito mais um trabalho em equipe, em conjunto, do que 'comeu doce, liberou dopamina, fez exercício, liberou endorfina'. Isso é uma simplificação, na verdade", aponta Dr. Fabio.
Para o neurologista, a importância de se entender esses neurotransmissores é conseguir manipular isso farmacologicamente. "A gente não consegue mudar a estrutura do cérebro, mudar as conexões cerebrais. Por outro lado, a gente consegue aumentar ou reduzir os neurotransmissores", afirma. O especialista exemplifica que se uma pessoa está com anedonia, sem sentir prazer, há tratamentos que podem aumentar a dopamina. "A dopamina em excesso às vezes causa delírio, alucinação, psicose. A gente pode reduzir", observa.
Já a serotonina, quando está reduzida, é associada a estados depressivos, por isso alguns remédios inibem a recaptação da substância no organismo, aumentando seus níveis no sangue. "Quanto à endorfina, a gente consegue sintetizar algumas substâncias que são derivadas, chamadas de opióides. A morfina, por exemplo, é um equivalente à endorfina, mas é externa. O entendimento desses neurotransmissores permite à medicina desenvolver e até modular um pouco algumas funções do cérebro que têm a ver com os neurotransmissores. Essa é a principal importância. Quando você entende a fisiologia, é muito mais fácil tentar desenvolver uma medicação para normalizar a química do cérebro", conclui.