Homem-Aranha | Conheça a curiosa adulteração do uniforme preto no Brasil
Por Claudio Yuge |
O evento Playstation Showcase mostrou uma longa apresentação sobre a trama e a jogabilidade de Spider-Man 2, título exclusivo para o PlayStation 5 com lançamento previsto para o segundo semestre deste ano. E um dos destaques na revelação foi o game ter habilitado parte da aventura com Peter Parker trajando o simbionte que caracterizou a famosa “Era do Uniforme Negro”. E há uma curiosa história sobre esse assunto na trajetória de publicações da Marvel Entertainment Comics no Brasil.
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Os fãs veteranos devem se lembrar bem de episódios em que as editoras, em especial a Editora Abril, adulteravam o material original da Marvel Comics no passado. Era o “jeitinho brasileiro” de sincronizar tramas de diversos títulos, lançados de forma fasciculada nos Estados Unidos, de forma a fazer sentido com o que dava para ser resumido nos famosos gibis “formatinhos” disponíveis nas bancas daqui.
Até hoje, as publicações da Marvel e DC chegam compiladas em volumes que fazem sentido para cada cantinho, assim como para toda a cronologia das editoras. Isso, invariavelmente, obriga os editores a deixar de publicar algumas coisas, já que não dá para trazer tudo exatamente do jeito que sai lá fora.
O leitor brasileiro não tem o hábito de consumir tudo fasciculado, e o modelo de negócios que “resume” sagas e arcos de diferentes personagens e títulos em uma única edição é mais viável — assim, você não precisa ler absolutamente tudo e nem gastar tanto para acompanhar.
Atualmente, há um grande equilíbrio na edição da Panini Comics, que reúne as obras originais fasciculadas em apenas uma revista com mais páginas — tudo de mais importante nas sagas e personagens de destaque da Marvel Entertainment e DC chegam aos brasileiros, ainda que com um atraso de alguns meses.
Contudo, nos anos 1980, sem internet, sem Photoshop e com limitações de tecnologia, comunicação e do próprio mercado, manter os leitores ligados nos principais arcos, destaques, personagens e sagas, era uma tarefa muito mais árdua. Ainda mais com as pouquíssimas páginas, em um formato menor do que o original, para abrigar tudo o que acontecia, de acordo com a cronologia de lançamentos nos Estados Unidos.
Guerras Secretas revelam mudanças do uniforme preto do Homem-Aranha no Brasil
Só para ilustrar melhor o cenário do mercado brasileiro, Entre os anos 1970 e 1990, principalmente nos anos 1980, era comum vermos curiosas e engraçadas “geolocalização” e falta de continuidade em diversas histórias. Alguns personagens, ruas e expressões eram brasileiras; e, vez ou outra, alguns eventos aconteciam em uma linha temporal própria da Editora Abril, que publicava o material da Marvel e DC por aqui na época.
Sem internet, a maioria dos leitores brasileiros sequer imaginava as adulterações realizadas pela Abril para manter tudo coeso e bem adaptado em poucos títulos mensais, que espremiam várias histórias e personagens no famoso formatinho. Somente quem tinha acesso ao material original importado, e os fãs mais hardcore, sabiam ou notavam que essas alterações eram feitas.
Só que, em 1985, essas mudanças “vazaram” durante a publicação da saga Guerras Secretas no Brasil. O evento, embora tenha sido um sucesso editorial e seja até hoje um marco para a Marvel Comics, foi encomendado como parte de uma ação promocional de merchandising da parceria entre a Marvel Entertainment e uma empresa de brinquedos.
A ativação da campanha global tinha que ter sincronia com o lançamento de Guerras Secretas nos Estados Unidos, para que os brinquedos fossem comercializados em todas as praças simultaneamente. A trama levava em conta o status quo dos principais personagens da Marvel, e mudanças que a saga traria faziam parte do próprio design dos novos produtos.
Como as histórias costumavam chegar ao Brasil cerca de dois anos após serem veiculadas em solo ianque, a Editora Abril teve que rebolar para adaptar Guerras Secretas. Personagens, diálogos e sequências de ação inteiras sumiram; e, posteriormente, o uniforme do Homem-Aranha chegou a ser pintado, de preto ou nas cores originais, de acordo com a publicação e a fase que ela retratava quando foi impressa por aqui.
“Uniforme preto brasileiro” do Homem-Aranha marcou trajetória das HQs no Brasil
Depois que muito material passou a ser publicado no tamanho original, revisado, a partir de meados dos anos 1990, todo mundo pôde ter acesso ao conteúdo que foi limado — e, para muitos veteranos, foi até divertido ver o que “sumiu” nesse processo de adaptação limitado dos anos 1980.
Com o tempo, vários leitores, fãs, pesquisadores e entusiastas passaram a publicar na internet e em livros suas descobertas e comparações sobre o material original e o que chegava para os brasileiros no período dos formatinhos da Editora Abril, da Ebal, e de outras empresas. Vale destacar que, embora essa “mutilação” tenha até mesmo comprometido o conteúdo gringo, havia um grande esforço dessas companhias para poder trazer tanta coisa, de forma inteligível e a um preço bastante acessível.
Os colegas do canal Pipoca e Nanquim chegaram a dedicar um vídeo somente sobre isso, vale dar uma olhada:
Outros pesquisadores também já citaram esse episódio da trajetória de publicação de quadrinhos no Brasil, a exemplo de Manoel de Souza e Maurício Muniz, em O Império dos Gibis: a incrível história dos quadrinhos da Editora Abril.
Olhando para Peter Parker de uniforme preto no PlayStation 5, é impossível não lembrar desse episódio, que, embora revele adulterações no conteúdo original, torna um capítulo importante da trajetória do Amigo da Vizinhança em uma parte curiosa e única da história de publicação dos quadrinhos no mundo, e, especialmente, no Brasil.