Publicidade
Economize: canal oficial do CT Ofertas no WhatsApp Entrar

De patinho feio à Bolsa: como a Multilaser se tornou uma empresa de R$ 9 bilhões

Por| 14 de Setembro de 2021 às 08h45

Link copiado!

Ricardo Reis/B3
Ricardo Reis/B3
Tudo sobre Multi

Durante muito tempo, citar produtos da Multilaser em sites de tecnologia significava ver a mídia especializada e usuários mais avançados torcerem o naríz. Afinal, para essa parte do público, os dispositivos da marca significavam fragilidade e baixo desempenho. Apesar de baratos.

No entanto, os três lados dessa equação — mídia especializada, usuários avançados e a própria Multilaser — estavam errados. Os dois primeiros por achar que os produtos da marca brasileira poderiam ser comparados àqueles fabricados por multinacionais como Samsung, LG e Motorola, por exemplo. Não podiam — e nem deviam. Afinal, eles eram direcionados a outro tipo de público: aquele que estava tendo acesso a eletroeletrônicos como tablets e celulares pela primeira vez e só podiam pagar um valor muito abaixo do que o cobrado por outras marcas internacionais. Ou seja, a Multilaser ajudou a democratizar o acesso a esse tipo de bem.

No entanto, conforme assume o próprio Alexandre Ostrowiecki, CEO da Multilaser, em entrevista ao Canaltech, a empresa também errou: até poucos anos atrás, ela apostou na comparação de seus produtos com o das marcas internacionais, mesmo nos modelos de entrada, quando os públicos de um e de outro eram totalmente diferentes. E isso acabou jogando contra a própria companhia durante muitos anos, quando ela era considerada uma espécie de "patinho feio" do setor de eletroeletrônicos. Lição aprendida.

Continua após a publicidade

Corta para 22 de julho de 2021: a Multilaser realiza sua oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na B3, a bolsa brasileira de valores, captando R$ 1,9 bilhão em seu primeiro dia como empresa listada. O que começou como uma importadora de copiadoras Xerox e cartuchos para impressora em 1987, hoje é um colosso que possui um portfólio de cinco mil itens, divididos em 21 marcas próprias, nove marcas de terceiros (como Nokia, Toshiba e Sony) e presente em quase todas as categorias de eletroeletrônicos que você pode imaginar — além de skates, brinquedos e até churrasqueiras elétricas. Ah, sim, com um valor de mercado de R$ 9 bilhões.

Nada mal para um patinho feio, não?

Mas como a Multilaser conseguiu se reestruturar e se reposicionar para se transformar em uma das principais empresas de eletroeletrônicos do Brasil e da América Latina? É o que Ostrowiecki vai nos contar nas próximas linhas.

Continua após a publicidade


Confira como foi o papo:

Canaltech - A Multilaser é uma empresa que democratizou o acesso a uma série de eletrônicos principalmente para as classes C, D e E, mas já sofreu críticas pela mídia especializada e parte dos usuários mais avançados pela fragilidade desses produtos. Em que momento, nos últimos anos, começou a estratégia de reposicionamento da companhia para tentar acabar com esse estigma?

Alexandre Ostrowiecki: A Multilaser permitiu ao público que você citou que eles tivessem acesso aos seus primeiros eletroeletrônicos, com um ótimo custo-benefício. Mas, do ponto de vista da mídia especializada, você costuma ter um perfil de público bem diferente dos produtos de entrada da Multilaser. E, no passado, talvez tenha sido um erro nosso ter focado a divulgação nos produtos de entrada, comparando-os com outras marcas.

Senão, vejamos: do ponto de vista da Multilaser, quando lançamos um tablet extremamente competitivo, por exemplo, nós ficamos animados. Isso porque temos um dispositivo abaixo de R$ 400 onde muitos poderão comprar, acessarão a internet pela primeira vez, assistir vídeos, rodar jogos, etc. Porém, fica óbvio que um tablet desse valor não pode ser comparado com um modelo de R$ 2.500, recém-lançado por uma multinacional. E aí, a partir do momento que você chega a uma publicação especializada, como o próprio Canaltech, a tendência de parte do público é olhar as especificações, deixar de lado o preço — super atraente para uma parcela da população que precisa de um dispositivo desse tipo e que, claro, não tem condições de pagar um valor mais elevado — e aí acontece a sentença: "esse produto está abaixo do que esperamos". Mas é claro que está abaixo. Ele custa 8 vezes menos. Não há uma base de comparação.

Continua após a publicidade

Mas, nos últimos anos, a Multilaser tem mostrado ao mercado lançamentos mais topos de linha da marca, o que ajuda a melhorar a percepção do público. E sempre lembrando que, na maioria do nosso portfólio, nós não competimos com outras multinacionais. Atendemos a outros perfis de consumidores.

CT - E dentro desse processo de reposicionamento, como ele culminou com a oferta inicial de ações (IPO) da empresa na Bolsa de Valores?

A.O.: Na questão do IPO, foi algo curioso, porque não dá para dizer que era um grande plano, que estava em gestação ao longo do tempo. Sempre foi uma ideia na cabeça, de que iríamos trilhar esse caminho, mas o fato é que IPO nos pegou de supetão e não o inverso.

Em janeiro desse ano, nós vimos um crescimento astronômico das vendas e tínhamos muitos planos de expansão. E o tipo de mercado da Multilaser demanda muito capital. Para crescer, você precisa construir fábricas, comprar máquinas, materiais, contratar pessoas...e isso demanda investimento. E no começo do ano, nos vimos com um crescimento de 60% em relação ao ano passado, acima de qualquer expectativa e até mesmo acima da nossa capacidade de crescer sozinhos. E aí pensamos: "E agora? Não temos dinheiro para continuar crescendo tão rápido". E aí fizemos um processo relâmpago de IPO que, em cinco meses, acabou gerando frutos, com um bom desempenho na B3.

Continua após a publicidade

CT - A captação de R$ 1,9 bilhão no IPO foi dentro do esperado pela Multilaser? E o que será feito com o dinheiro arrecadado?

A.O.: O valor arrecadado foi dentro do previsto. Na verdade, foi até um pouco acima, já que esperávamos R$ 10,80 por ação, mas conseguimos sair a R$ 11,10, ou seja, foi 3% acima do previsto. Ficamos felizes porque vimos uma ótima recepção do mercado. Muitas empresas precisaram desistir do IPO e outras saíram abaixo do preço.

E basicamente, nós estamos usando esse dinheiro para crescimento. Estamos investindo em novas fábricas, construindo quatro galpões novos, comprando uma série de equipamentos e novas linhas de produção. Nós adquirimos recentemente uma nova linha de produção de notebooks, no valor de R$ 4 milhões, linhas de CMTs de R$ 15 milhões. E os galpões custarão R$ 60 milhões para ampliar a fábrica. E usaremos muito do nosso capital de giro para poder adquirir matéria-prima e produzir mais. É um investimento interno que, inclusive, vai gerar mais empregos.

Continua após a publicidade

CT - No primeiro semestre de 2021 a Multilaser registrou um lucro líquido de quase R$ 396 milhões, um crescimento de 376% em relação a 2020. O que impulsionou esses números nos últimos 12 meses? E a empresa espera manter esse mesmo ritmo de crescimento para os próximos 12 meses?

A.O.: Na verdade foram três fatores: o crescimento da receita ajuda a diluir alguns custos fixos em reais, como aluguel e outras despesas administrativas que, quando você cresce, eles não crescem tanto. Então, você consegue ter uma certa lucratividade a partir disso.

O segundo ponto é que nós lançamos muitas linhas novas de produtos, como a UpHome (utilidades domésticas), a Keep (papelaria), a Mimo (produtos pet) e a Liv (produtos de Internet das Coisas, ou, IoT). Lançamos também telas em parceria com a Toshiba. Então, esses lançamentos foram impactantes para o lucro da Multilaser.

Por fim, houve uma falta de componentes na Ásia, que acaba dificultando a importação e você acaba faturando menos do que poderia. Porém, quando há falta de componentes, a pressão de preços é um pouco menor. Então, você consegue dar menos descontos aos clientes, logo, consegue ter um lucro melhor.

Continua após a publicidade

Mas é importante dizer que essa situação é mais conjuntural, do que estrutural. O lucro médio da nossa indústria [eletroeletrônicos] é muito mais baixo do que o atual.


CT - Hoje qual é o público que mais consome produtos da Multilaser? A empresa mira todas as classes sociais com suas verticais? Ela vende produtos direcionados a diferentes públicos?

A.O.: Sem dúvida. Com exceção do Ultra Premium, em que nós não atuamos, nós temos várias verticais em que você vai encontrar tanto marcas de entrada, quanto marcas intermediárias e mid high. Hoje temos 21 marcas próprias da Multilaser e nove marcas globais com as quais nós temos parcerias. E essas últimas são todas mid high.

Então, para as classes A e B, nós costumamos oferecer as marcas globais ou marcas Premium da Multilaser e as marcas de entrada para as classes C, D e E, com variações de especificações, custo-benefício e preços, obviamente.

Continua após a publicidade


CT - Nos últimos anos, a Multilaser fez parcerias estratégicas com marcas de grande porte como Nokia, Toshiba e Sony para vender smartphones, TVs e fones de ouvido, respectivamente. O que levou a empresa a estabelecer esses modelos de parceria? Quais as vantagens, até porque vocês concorrem com esses parceiros em algumas linhas de produtos, não?

A.O.: A boa notícia é que como os patamares de preços e especificações são diferentes [em relação a produtos da marca Multilaser], essas linhas são mais complementares do que concorrentes. Por exemplo, um fone da Sony custará 3 vezes mais que um fone da Multilaser, por exemplo. Em relação aos celulares da Nokia, estamos focando no público que está disposto a pagar de R$ 1.000 para cima. Já nos da Multilaser, focamos no consumidor que quer pagar R$ 599, R$ 499...ou seja, metade do preço.

O fato é que o Brasil é um cenário muito difícil para as multinacionais, que têm ficado bem desgostosas com o ambiente econômico daqui. Diversas, inclusive, fizeram as malas e abandonaram o país, por causa dos altos custos tributários, burocracia, regras trabalhistas complexas, multas, assaltos...diferentes problemas que acontecem de forma mais intensa por aqui do que em outras partes do mundo.

Mas isso abre uma brecha, porque essas empresas querem ficar no Brasil, mas não querem operar no país. E nesse sentido, a Multilaser, como uma empresa local, com seus custos já todos pagos por aqui, tem as peças do quebra-cabeça que as multinacionais precisam, como fabricação local, distribuição, relacionamento com o varejo, capacidade de crédito, suporte e garantia. Logo, fica mais interessante para essas multinacionais embarcarem os produtos dela para o Brasil e deixar a Multilaser, da fronteira para dentro, tocar o negócio. Tem sido um modelo interessante. Inclusive, estamos em conversas com outras seis multinacionais, em diferentes estágios, para outras verticais de produtos.

Continua após a publicidade


CT - Ainda falando sobre as parcerias, há planos de expandir as linhas de produtos com as marcas que já estão com a Multilaser?

A.O.: Na Nokia, nós temos planos de lançar uma linha de acessórios para os celulares da marca, além de um tablet. Na ZTE, há uma parceria para fabricar produtos para provedores de internet e também desenvolvemos em conjunto uma linha voltada ao varejo, chamada ZTE Space: são roteadores super premium, robustos, vendida ao público final.

CT - Além de Argentina e Uruguai, a Multilaser planeja levar seus produtos para outros países da América Latina. E há planos futuros para além da América Latina?

Continua após a publicidade

A.O.: Nós temos agora um diretor de internacionalização e que está buscando distribuidores pela América Latina. Mas também queremos expandir para além da região e estamos estudando entrar em Portugal e Angola para começar. Nós gostamos muito da ideia de termos presença em países da língua portuguesa.

Até porque já temos cinco mil produtos traduzidos para o português e isso é uma vantagem competitiva, já que esses países são muito pequenos e não têm, geralmente, marcas próprias, precisando importar. E uma marca em português, completa, com bom custo-benefício, nós entendemos haver boas chances de ter sucesso.


CT - A linha que leva a marca Multilaser conta, hoje, com quantos produtos? Quais são os mais populares e quais as maiores apostas da empresa para o futuro?

A.O.: Temos um portfólio de cinco mil itens, divididos em 21 marcas próprias, nove marcas de terceiros e cada marca pode ter mais de uma vertical. Logo, temos mais de 30 verticais na Multilaser, de diferentes assuntos. Por exemplo, se você falar Esportes, verá que é algo muito amplo. Mas, na Multilaser, ele se subdivide em Esportes Aquáticos, Esportes de Bola, Ginástica e Bike. E temos ainda Wearables e Veículos elétricos. Ou seja, seis categorias.

Continua após a publicidade

Quanto as linhas mais populares, sem dúvida, são os eletroeletrônicos, que têm um valor agregado maior. Isso inclui tablets, celulares, roteadores e PCs. Esses são os mais buscados e consumidos pelo nosso público.

Na segunda colocação, temos linhas muito robustas, como acessórios de computador, caixas de som, eletroportáteis, eletrônicos para saúde e memória. Por fim, em terceiro, são os itens de esporte, para bebês, brinquedos e automotivo.

E para o futuro, acreditamos muito nos produtos de IoT, que tendem a crescer bastante nos próximos anos. Muitas vezes, a demanda vem via consumidor, mas, frequentemente, ela vem das grandes tendências internacionais, com laboratórios das grandes multinacionais pensando produtos. Alguns deles caem na graça do público, outros não. Mas, em algum momento, eles se popularizam, como é o caso dos drones, onde surfamos bem nessa onda. Hoje, a Multilaser é a segunda maior empresa de drones no Brasil, com vários modelos de entrada.


CT - Falando um pouco de notebooks e smartphones, produtos bastante populares entre nossos leitores. Para notebooks, a Multilaser já oferece modelos com configurações mais robustas, mas para os smartphones as especificações ainda são modestas. Há planos de lançar smartphones com configurações mais parrudas?

A.O.: Com a linha Multilaser H, a gente mudou a liga dos produtos da empresa, mas ele veio logo antes da entrada da Nokia. Com isso, no caso dos smartphones, já existe um portfólio completo dela para o público mid high. Então, nós temos um receio de que eventuais modelos dessa categoria da Multilaser possam conflitar com os da Nokia. Não impede que lancemos, eventualmente, um modelo demonstração, temos toda capacidade para isso.

Mas, por enquanto, para não haver conflito com eles, decidimos ir até o smartphone G Max 2, que tem ótimo custo-benefício, com tela de 6,5 polegadas, câmera tripla, processador octa core e bateria de 4.000 mAh. É um modelo mid low, mas já não é um produto de entrada e tem um preço competitivo.


CT - Hoje, quantos produtos da Multilaser são fabricados no Brasil e quantos vêm da China? Quais são os critérios para definir o que será fabricado aqui e o que será produzido lá?

A.O.: Hoje, 70% do valor faturado da Multilaser é produzido no Brasil e 30% de importados. Geralmente, nós separamos por valor agregado. Produtos de baixo valor agregado, muito simples, com muitos SKUs, códigos e variedades, já vêm prontos da China.

Já dispositivos mais relevantes, com mais tecnologias embarcadas, a gente fabrica no Brasil. Com isso, controlamos melhor a qualidade, o software, conseguimos testar melhor.

CT - A Multilaser também vem investindo fortemente no mercado de casa conectada. Como vem sendo o crescimento desse setor entre o público brasileiro? O consumidor ainda está entendendo esse tipo de dispositivo ou há dificuldades para utilizá-los?

A.O.: As vendas desse tipo de produto ainda são muito tímidas, porque as soluções ainda não estão tão claras, tão integradas. Há também o fator cultural, em que as pessoas têm dificuldades em instalar sozinhas esse tipo de dispositivo. Brasileiros são mais afeitos a chamar técnicos para instalar esses itens. Mas trabalhar esses instaladores pode ser uma boa solução para ampliar as vendas, principalmente na área de segurança.

Mas a nossa aposta nesse setor para os próximos anos é mais no B2B, para aplicações industriais e comerciais. Acredito que o IoT vai maturar primeiro nesses dois setores.


CT - Hoje a Multilaser conta com duas fábricas para a produção de seus dispositivos: Extrema (MG) e Manaus (AM). Há planos da empresa para abrir uma terceira unidade?

A.O.: Por enquanto, não. Nós gostamos muito da ideia de concentrar as operações para ter mais eficiência e Extrema e Manaus estão bem localizados para isso.


CT - E para finalizarmos: hoje a Multilaser oferece produtos em uma infinidade categorias, concorrendo com várias empresas em diversos segmentos. Quais as vantagens dessa estratégia e que atenções a empresa deve ter ao segui-la? Quais os riscos?

A.O.: O risco maior é a perda de foco. Nós temos muitas verticais e você acaba tendo concorrentes muito especializados, que pensam naquele produto o tempo inteiro. Por outro lado, conseguimos amenizar esse problema com unidades de negócios independentes, que focam nesses mesmos produtos.

Nós temos um diretor sênior que é head da unidade de negócios de um determinado produto. E, abaixo dele, um time de marketing voltado só para esse item, além de equipes de engenharia e designer. Então é como se tivesse um squad focado apenas nessa linha de produtos.

Por outro lado, a Multilaser segue aquela máxima de não colocar todos os ovos na mesma cesta, já que nosso mercado de atuação é muito dinâmico, com os produtos subindo e descendo de forma muito rápida quando falamos de aceitação. Logo, temos a vertical A que está boa, a C está péssima e a B está média. E como temos 30 verticais, estamos sempre nos balanceando, tirando um recurso de uma categoria, colocando em outra, apostando em produtos com potencial. Então, com essa estratégia, conseguimos ser mais resilientes.

Para completar, ter muitas verticais também torna mais fácil abandonar um determinado mercado onde o produto não está encontrando aceitação. Você sabe que tem outras 29 verticais para tocar. Mas, de modo geral, é muito raro a Multilaser abandonar um ramo. Só se ele, realmente, ficar tecnologicamente obsoleto. Como conseguimos balancear, apostamos no setor até ele melhorar e voltar a vender.

Nós não somos aquela flor maravilhosa do deserto. Mas somos um cacto resiliente, de casco duro. Faça chuva ou faça sol, nós estamos lá, sobrevivendo [risos].