Banco Central não estipula prazo para liberar WhatsApp Pay no Brasil. Entenda
Por Redação |
Ao contrário do que deu a entender o WhatsApp na última quinta-feira, a retomada do WhatsApp Pay no Brasil pode não ocorrer tão cedo. Isso porque a regulamentação do Banco Central não tem um prazo definido para seja feita a análise dos riscos que o sistema de pagamentos do mensageiro pode trazer ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Com isso, a suspensão do serviço será mantida por tempo indeterminado.
De acordo com a página, a decisão do BC em suspender o serviço na última terça (23), foi baseada na circular 3.682, cujo texto foi alterado na mesma data. Essa mudança tem como base fundamental a proteção do SPB, que não sofreu nenhum tipo de mudança.
Por que Banco Central e Cade suspenderam o WhatsApp Pay?
Em nota, o Banco Central justificou a suspensão dizendo que " preservar um adequado ambiente competitivo, que assegure o funcionamento de um sistema de pagamentos interoperável, rápido, seguro, transparente, aberto e barato. O eventual início ou continuidade das operações sem a prévia análise do regulador poderia gerar danos irreparáveis ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) notadamente no que se refere à competição, eficiência e privacidade de dados, O descumprimento da determinação do BC sujeitará os interessados ao pagamento de multa cominatória e à apuração de responsabilidade em processo administrativo sancionador".
Com isso, as bandeiras Visa e MasterCard, que viabilizavam as operações financeiras do WhatsApp Pay, devem ser paralisadas, para que o BC possa avaliar riscos e garantir funcionamento adequado do SPB.
O Brasil é o primeiro mercado em que o WhatsApp anunciou um serviço de pagamentos em todo o país. Com os já citados 120 milhões de usuários, trata-se do segundo maior mercado do app de mensagens, atrás apenas da Índia.
As circulares 3.682 e 4.282
Em 2013, o BC atualizou a regulamentação brasileira, para permitir que produtos desenvolvidos por fintechs, como carteiras digitais, possam funcionar sem necessariamente estarem integrados ao SPB, o que os livraria de uma série de obrigações. Essa modernização foi feita no dia 04 de novembro de 2013, mais precisamente na resolução 4.282, que estipula regras, obrigações e limites desses novos produtos e empresas. O artigo 6º dessa lei estipula que, desde que tais produtos "não ofereçam risco ao normal funcionamento das transações de pagamento do varejo", eles estariam livres de fazer parte do SPB.
Para decidir se tais produtos não oferecem risco ao SPB, o BC precisa avaliar os seguintes parâmetros: limitação de propósito, valor total das transações de pagamento, saldo dos recursos depositados em conta de pagamento, quantidade de transações executadas, número de usuários finais e efeitos do funcionamento do arranjo de pagamento sobre o mercado. E foi esse último fator que serviu de referência para que o Banco Central suspendesse o WhatsApp Pay.
E também no dia 4 de novembro de 2013, fazendo par com a resolução 4.282, o BC publicou a circular 3.682. Na primeira edição desse texto, a instituição estipulava que caso algum produto financeiro ofereça risco ao funcionamento regular das transações de pagamento de varejo (o último parâmetro citado no parágrafo acima), o responsável pelo produto seria informado do fato. E após ser notificado, ele teria um prazo de 6 meses para que as normas do SPB e a eventual necessidade de autorização passassem a ser aplicadas ao instituidor do arranjo de pagamentos (no caso, o Facebook e o seu WhatsApp Pay).
E foi a circular 3.682 quem sofreu alterações nessa semana. Em sua nova versão, caso o BC julgue que o produto (como o WhatsApp Pay) coloque o setor de transações de pagamento de varejo em risco, ele “decidirá que este produto seja integrado ao SPB e informará seu instituidor sobre a decisão - sendo que este terá de cumprir todas as obrigações exigidas. Para completar, o prazo para a aplicação das normas do SPB foi reduzido de 180 para 30 dias.
Mas há uma ressalva (e é aí que mora o X da questão): caso julgue necessário, o BC pode estipular outro prazo qualquer ou “condicionar o início ou a continuidade das atividades do produto à obtenção de autorização.” Em outras palavras: como o Banco Central decidiu que o WhatsApp Pay precisa de uma autorização, ele não estipulou um prazo para que o serviço liberado.
Insegurança jurídica, desestímulo e PIX
O que joga contra o Banco Central é que a autaquia determinou que o WhatsApp Pay fosse suspenso na mesma data em que alterou a circular 3.682. Com isso, ficou a impressão que "o juiz mudou as regras aos 45 do segundo tempo", ao seu bel prazer. Tal ação, segundo os críticos, pode gerar incertezas jurídicas e regulatórias e, consequentemente, afastar investidores, além de desistimular a inovação no sistema financeiro. Outra acusação é a de que o BC teria cedido à pressão dos grandes bancos, como Itaú, Bradesco e Santander, que optaram por não fazer parte do sistema de pagamentod do WhatsApp.
Além disso, o BC está em vias de lançar o PIX, a sua própria plataforma de pagamentos instantâneos, cujo início do funcionamento está previsto para novembro. Muitos afirmam que um eventual sucesso do WhatsApp Pay poderia prejudicar a adoção em massa do PIX - ainda que esse último já conte com o apoio de quase 1000 instituições financeiras, incluindo os grandes bancos. Logo, o Banco Central teria manobrado para evitar a ascensão do seu concorrente - ainda que ambos tenham mais diferenças do que semelhanças.
Por outro lado, muitos também argumentam que o BC fez exatamente o oposto: para cumprir o que está previsto na resolução 4.282 e proteger o SPB de riscos decorrentes de “efeitos do funcionamento do arranjo de pagamento sobre o mercado”, ele modernizou a circular 3.682.
De qualquer forma, é essencial que o Banco Central acompanhe de perto o funcionamento do WhatsApp Pay, analisando o seu impacto no mercado e garantindo que ele não seja uma ameaça a livre concorrência. No entanto, também é essencial que a instituição jogue com regras mais transparentes, sem necessariamente aplicá-las em cima da hora. E, mais importante: estipule um prazo para análise e eventual autorização de funcionamento do serviço de pagamentos do WhatsApp.
E ainda tem um Cade no meio do caminho
Além de lidar com o Banco Central, o WhatsApp também terá de convencer o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) - que também suspendeu o funcionamento da plataforma - de que sua solução não oferece riscos ao mercado.
Segundo o Cade a suspensão tem como objetivo "mitigar riscos à concorrência pela parceria do [dono do WhatsApp] Facebook com a [administradora de cartões de crédito] Cielo”. A grosso modo, a Cielo possui 41% de participação no mercado de credenciamento de transações, ao passo que o WhatsApp e o Facebook possuem mais de 120 milhões de usuários no Brasil. No entendimento da autarquia, isso poderia causar um desnível na participação igualitária de outras empresas no setor.
“Tal base [de usuários] seria de difícil criação ou replicação por concorrentes da Cielo, sobretudo se o acordo em apuração envolver exclusividade entre elas” informou o Cade em despacho. “De qualquer modo, fica evidente que a base de usuários do WhatsApp propicia um potencial muito grande de transações que a Cielo poderia explorar isoladamente, a depender da forma como a operação foi desenhada”.
O Cade ainda argumenta que não há evidências de que a parceria entre Facebook e Cielo tenha sido enviado ao órgão, que costumeiramente supervisiona esse tipo de movimentação. O que decorreria disso seria a falta de uma autorização de atuação e, portanto, faz-se necessária a medida cautelar mencionada. “Ainda que não se tenha uma certeza sobre os efeitos, pelo dever de cautela, cabe adoção de ações para resguardar a coletividade de possíveis efeitos negativos”, informou o órgão.
Quem disse que seria fácil, não é mesmo?
Fonte: Mobile Time