Como a NVIDIA foi do anonimato a uma das empresas mais valiosas do mundo
Por Daniel Trefilio • Editado por Jones Oliveira |
Os resultados financeiros da NVIDIA vêm quebrando recorde atrás de recorde, tendo crescido quase 10 vezes entre 2022 e 2024, saltando de US$ 364 bilhões para mais de US$ 3 trilhões. Em pouco mais de 20 anos desde sua criação, a empresa briga pelo primeiro lugar entre as empresas mais valiosas do mundo, superando com folga gigantes como Amazon e Tesla.
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Para entender melhor o contexto que levou a NVIDIA a crescer tanto em tão pouco tempo, o Canaltech conversou com exclusividade com Marcelo Pontieri, Diretor de Marketing da Divisão Enterprise da NVIDIA para a América Latina. Contudo, antes disso é preciso recuperar como a empresa surgiu no meio da década de 1990 nos fundos de uma lanchonete Denny’s.
“Então foi isso, desde o começo quando eles começaram a desenhar lá nos fundos de uma lanchonete Denny’s, nos Estados Unidos, uma rede de lanchonete muito famosa, o próprio Jensen trabalhou lá, e começaram a desenhar um mercado que praticamente não existia, começaram a desenhar uma solução, um chip gráfico.”
Fundação da Nvidia
Mesmo com algumas empresas já produzindo placas de vídeo no início da década de 1990, a maioria esmagadora desses produtos até então era bem pouco eficiente em termos de inovação, servindo apenas para desafogar alguns processos da CPU.
Desde o início, sempre houve a percepção de que não bastava fazer algo que otimizasse um ou outro elemento computacional. Era preciso identificar problemas, as novas possibilidades que resolver esses problemas abririam, e entregar algo que atendesse tanto as demandas da época quanto essas demandas transversais.
Pontieri explica que, seguindo essa mentalidade, Jensen Huang, Curtis Priem e Chris Malachowsky começaram a projetar os primeiros chips da NVIDIA em 1993. A ideia era criar um produto para games que melhorasse a experiência do usuário, abrindo caminho também para evoluir esse nicho de mercado, ainda extremamente incipiente.
“Naquela época, era 100% focado em gráfico porque o Jensen achava que a experiência que o consumidor tinha com a parte de games era muito pobre, e ele achava que poderia criar algo para revolucionar isso e acabou saindo do papel a primeira GPU da NVIDIA.”
Primeiro produto da Nvidia
A primeira placa de vídeo da NVIDIA foi a NV1, lançada em 1995. Por ainda se tratar de uma empresa extremamente pequena, a NVIDIA não possuia montagem própria, sendo preciso licenciar o design das placas para que fabricantes OEM criassem os produtos comerciais, e uma das primeiras e mais populares versões da NV1 foi a Diamond Edge 3D, da Diamond Multimedia.
No entanto, outro produto relevante para as NV1, ao menos em termos de visibilidade, foi a Sega ter licenciado o chip NVIDIA para ser a base do Sega Saturn. Em termos de desempenho, a NV1 era bem mais poderosa que a GPU proprietária que a Sony usou no PlayStation 1, além de ser um chip versátil e completo.
No próprio chip gráfico, a NV1 já trazia som de alta qualidade e suporte a interfaces de I/O, como controles para videogames. Além disso, ela permitia utilizar cartuchos de memória para expandir a VRAM da GPU dos consoles. Com isso, ports de games de arcade incrivelmente populares e relativamente pesados, como The King of Fighters e X-Men vs. Street Fighter eram totalmente fidedignos no Saturn, enquanto as versões para PlayStation 1 eram mais limitadas.
O problema é que, justamente por ser tão complexo, o projeto da NV1 também era mais caro que outros chips gráficos, impactando diretamente no preço dos produtos finais. Isso fez com que o Saturn, por exemplo, custasse US$ 100 a mais que o PS1, dificultando sua penetração de mercado e popularização, apesar do hardware mais poderoso.
O mesmo valia para o mercado de PCs, com outras placas da própria Diamond, mas com projetos mais baratos, superando com folga as vendas da Edge 3D. Tanto que na RIVA (Real-time Interactive Video and Animation Accelerator) da geração seguinte, a NVIDIA optou por um design mais robusto, mas também mais direcionado para o poder gráfico, deixando de lado recursos secundários que encareciam o projeto final.
Nenhum esforço é em vão
Por outro lado, outro elemento que compõe a cultura da NVIDIA é entender que nenhum projeto é em vão. Mesmo tecnologias temporariamente aposentadas, como os chips gráficos com áudio integrado, acabam sendo retomados, reaproveitados ou mesmo gerando novas linhas de produtos eventualmente.
“Você tocou num ponto interessante, e eu já estou há quase 13 anos na NVIDIA e eu vi alguns desses exemplos de tentar criar mercados e não ter tanto sucesso. Mas, no caso da NVIDIA, sempre foi muito interessante, porque mesmo onde a gente não teve sucesso, ele acabou gerando um caminho favorável”, contou Pontieri à reportagem.
A visão de criar mercados em que a empresa acredita haver uma demanda é uma proposta arrojada, mas arriscada. Um exemplo claro — e bem pouco conhecido — disso é a experiência da NVIDIA no mercado de processadores embarcados.
No início da década de 2010, a empresa lançou um de suas primeiras CPUs ARM, voltada para dispositivos mobile e netbooks. Apesar de o projeto não ter vingado inicialmente, ele serviu de base para um segmento que atualmente é fortíssimo: o da robótica e automação com chips embarcados.
“Lá atrás a gente tinha um processador que era mais mobile. Ele foi desenvolvido por um propósito: ‘Vamos colocar em telefones móveis, em dispositivos portáteis’. Na época tinha os netbooks. Tentamos criar o mercado e não funcionou, mas o design continuou a evoluir e hoje é a plataforma Jetson".
O primeiro chip Jetson chegou ao mercado em 2014, com o SoC Tegra K1. Posteriormente, ele continuou a evoluir, dando origem ao SoC Tegra X1, que equipa o Nintendo Switch, e também variações que avançaram para o setor da robótica, automação e IA.
Resumidamente, as CPUs ARM utilizadas tanto nos chips Amazing-Grace de servidores de IA, quanto nos sistemas embarcados Thor, de carros autônomos e automação industrial, nasceram de um projeto que fracassou inicialmente, mas deu origem a dois dos mercados mais fortes da NVIDIA atualmente.
Ganhando relevância no mercado
Os investimentos da NVIDIA no setor de GPU sempre tiveram a cultura de resolver problemas atendendo demandas que muitas vezes o mercado sequer entendia como demanda. Inclusive, segundo Pontieri, o momento no qual a NVIDIA começou a de fato ganhar mais relevância no mercado foi em 2006, com a criação da linguagem CUDA (Computer Unified Device Architecture).
“Eu diria que a grande transformação para a NVIDIA aconteceu em 2006, quando a gente trabalhou e identificou o que muita gente chama hoje de linguagem CUDA, direcionada justamente para processamento de dados em GPUs. Com os pesquisadores de Stanford identificando essa linguagem, criando essa capa que vai em cima da linguagem C, isso possibilitou que dados também fossem processados numa GPU e não só gráficos”, detalhou o executivo da NVIDIA.
Na época, a computação de alto desempenho (HPC) estava avançando em um ritmo que a evolução das CPUs em breve não conseguiria acompanhar. Em paralelo, as GPUs NVIDIA eram excelentes chips para processamento gráfico, mas efetivamente eram processadores rodando aplicações em linguagem C.
Eventualmente, a linguagem CUDA também foi inserida nas placas GeForce para games, permitindo realizar cálculos e processamentos matemáticos mais avançados. Isso permitiu acelerar e melhorar ainda mais a qualidade e recursos gráficos, combinando tecnologias de GPUs de uso geral (GPGPU) e GPUs gamer.
Ganhar o jogo não é meta, é consequência
Esse movimento foi um dos primeiros passos da NVIDIA em direção à virada de chave no que seria o futuro da empresa. Trazer a linguagem CUDA para as placas consumer possibilitou que, em 2012, a AlexNet vencesse um desafio de identificação de imagens por meio de IA utilizando GPUs GeForce GTX.
A partir desse ponto, a NVIDIA entendeu que o próximo problema e, consequentemente, grande mercado que as GPUs deveriam atacar seria o da Inteligência Artificial. Desde então, praticamente todos os avanços dos produtos da empresa foram no sentido de ampliar a capacidade de IA de seus produtos, ao mesmo tempo que cria aplicações focadas nessas novas capacidades.
Essa visão reflete um último pilar importantíssimo da cultura que levou a NVIDIA de uma empresa criada nos fundos de uma lanchonete para uma Big Tech trilionária. O objetivo do time verde nunca foi “ganhar jogo algum”, mas revolucionar a experiência dos usuários e criar mercado da maneira mais eficiente e inovadora possível.
“Sua leitura é perfeita e, inclusive, é discutida internamente. Muita gente joga para ganhar o jogo. ‘Ah eu vou ganhar o jogo, preciso ganhar o jogo’, e na NVIDIA não. A gente joga para poder fazer os pontos. Vamos fazer os pontos primeiro, porque quando você terminar, você vai ganhar a partida. Então é assim que a gente faz, ‘Make the score’, segue passo a passo, faz o seu trabalho que com certeza vamos ganhar as partidas, e foi como aconteceu mais ou menos com a inteligência artificial.”
A atual posição da NVIDIA disputando o top 3 entre as empresas mais valiosas do mundo, superando TESLA, Amazon e grandes conglomerados de petróleo e energia, não é uma coincidência, ou fruto do acaso. É um processo de quase 3 décadas trabalhando seguindo uma mesma linha de entregar inovação e excelência, mantendo times de elite, mas com crescimento bem dimensionado e sem quadros inflados para gerar indicadores.