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CEO da Activision Blizzard sabia da cultura de assédio sexual, diz jornal

Por| Editado por Bruna Penilhas | 16 de Novembro de 2021 às 19h39

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Steven Simko/Wikimedia Commons
Steven Simko/Wikimedia Commons

Várias denúncias contra a cultura de assédio e má conduta sexual da Activision Blizzard foram reveladas nesta terça-feira (16). Segundo a apuração feita pelo jornal The Wall Street Journal, o CEO da companhia, Bobby Kotick, não apenas sabia dos escândalos, como também estava envolvido diretamente com eles, além de omiti-los durante anos.

“O próprio Sr. Kotick foi acusado por várias mulheres de maus tratos tanto dentro quanto fora do local de trabalho e, em alguns casos, trabalhou para resolver as queixas de forma rápida e silenciosa”, diz a reportagem. A empresa enfrenta uma enxurrada de denúncias e escândalos desde julho, quando foi processada pelo DFEH (Departamento de Emprego e Habitação Justos da Califórnia, em tradução livre), nos Estados Unidos.

A seguir, o Canaltech relata as principais revelações da reportagem do WSJ e seus desdobramentos, que incluem ameaças, omissões, informações novas sobre a demissão de Jen Oneal e protestos pedindo a renúncia do CEO.

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Atenção: o texto a seguir pode conter gatilhos de assédio sexual e estupro.

Kotick teria ameaçado mulheres, inclusive de morte

Em 2006, Kotick teria assediado e ameaçado de morte uma assistente via correio de voz. A assessoria da Activision Blizzard disse que ele “rapidamente se desculpou pelo obviamente hiperbólico e impróprio correio de voz há 16 anos, e lamenta profundamente o exagero e o tom usado no áudio até hoje".

Em 2007, ele foi processado pela comissária de bordo de um jato particular, do qual era um dos donos. A atendente alegou que o piloto do avião a assediou sexualmente e, após informar um dos donos do jato, Kotick a demitiu. “Vou destruir vocês”, teria dito o executivo à comissária e seus advogados.

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A assessoria de Kotick nega a informação, e diz que o executivo não poderia tê-la demitido por retaliação porque ela nunca relatou o ocorrido diretamente a ele.

Kotick não quis demitir um homem acusado de estupro

Em 2019, uma investigação interna do RH orientou que a Activision Blizzard demitisse Dan Bunting, co-líder da Treyarch, estúdio também envolvido na franquia Call of Duty, após ele ser acusado de assédio sexual por uma funcionária em 2017 durante uma noite de bebedeira. Mesmo assim, Kotick teria interferido pessoalmente na decisão e, em vez de Bunting ser demitido, recebeu “aconselhamento”.

A assessoria da Activision Blizzard respondeu que “depois de considerar possíveis ações à luz dessa investigação, a empresa optou por não demitir Bunting, mas, em vez disso, impor outras medidas disciplinares.

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No fim das contas, Bunting deixou a empresa após o Wall Street Journal questioná-lo sobre as acusações. Ele não quis dar entrevista ao jornal.

RH e Kotick fizeram vista grossa para denúncias

Em julho de 2018, Kotick teria recebido um e-mail de um advogado que representava uma ex-funcionária da Sledgehammer Games, estúdio que faz parte do guarda-chuva da Activision conhecido por atuar na franquia Call of Duty. A colaboradora teria sido estuprada em 2016 e em 2017 por seu supervisor, Javier Panameno, após ele se embebedar no escritório e em eventos corporativos.

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A ex-funcionária reportou os acontecimentos ao RH da Sledgehammer e a outras lideranças, mas nada aconteceu. Meses depois, a Activision teria feito um acordo extrajudicial com a mulher. Kotick não informou a denúncia ao quadro de diretores da empresa.

Já em 2020, 30 mulheres da divisão de eSports da Activision mandaram um e-mail aos líderes do departamento afirmando que foram “submetidas a toques indesejados, comentários humilhantes, exclusão de reuniões importantes e de comentários não solicitados sobre a aparência delas”. Kotick sabia do e-mail, mas não fez nada, segundo o jornal.

De acordo com relatos de funcionários, a cultura tóxica da Activision acontece por dois motivos: a bebedeira desenfreada no local de trabalho e pouca interferência da Activision Blizzard nos estúdios adquiridos, na esperança de que eles trabalhassem mais “no desenvolvimento de games de sucesso”.

Após 3 meses no cargo, co-líder da Blizzard pediu demissão por ser discriminada

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O Canaltech noticiou no início do mês que Jen Oneal, colíder da Blizzard Entertainment ao lado de Mike Ybarra desde agosto deste ano, pediu demissão da empresa. Uma carta escrita por ela dizia que ela não estava saindo porque não tinha “esperança para a Blizzard, muito pelo contrário”. Porém, o The Wall Street Journal revelou o contrário — aliás, é comum que, em casos como este, funcionários e ex-funcionários sejam obrigados a assinar um acordo de sigilo sobre os acontecimentos e fatos de uma empresa, correndo o risco de serem processados caso o contrato seja quebrado.

Oneal teria enviado um e-mail para a equipe jurídica da Activision dizendo que “estava claro que a empresa nunca priorizaria seu pessoal da maneira correta”. Em outras mensagens, ela deixou clara a “falta de fé na liderança da Activision para mudar a cultura [da empresa]”. Em suas palavras, ela foi “simbolizada, marginalizada e discriminada”.

A reportagem também afirma que ela foi assediada sexualmente no início da sua carreira na empresa, e que ela estava recebendo um salário inferior a de Ybarra, seu colega homem que ocupava o mesmo cargo que ela. Segundo a assessoria da empresa, Oneal recebeu “uma compensação equivalente pelo papel de co-líder”.

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A executiva também descreveu uma festa de 2007, na qual Kotick estava presente, em que strippers dançavam seminuas em barras de pole dance, e o DJ incentivava as mulheres presentes a se embriagarem. A Activision respondeu dizendo que Kotick não se lembra da festa.

Funcionários organizam greve pedindo a renúncia de Kotick

Após as revelações da reportagem do WSJ, um grupo de funcionários, chamado ABetterABK (Uma melhor Activision Blizzard King, em tradução livre), informou no Twitter que organizaria uma greve em protesto ao CEO da empresa. O grupo é um dos mais combativos contra a cultura tóxica da companhia, que, inclusive, já organizou uma greve semelhante em julho deste ano.

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"Instituímos nossa própria política de tolerância zero. Não seremos silenciados até que Bobby Kotick seja substituído como CEO, e manteremos nossa demanda de revisões feitas por terceiros, escolhidos pelos próprios funcionários [ou seja, que as denúncias dos funcionários sejam revisadas por uma empresa a parte]. Estamos organizando uma greve hoje. Convidamos vocês a se juntarem a nós."

Activision Blizzard responde, e conselheiros apoiam Kotick como CEO

Em comunicado enviado à imprensa, a Activision Blizzard informou que a reportagem do The Wall Street Journal apresenta “uma visão enganosa” da empresa e do CEO Bobby Kotick, e que “os casos de má conduta sexual que foram trazidos à sua atenção foram levados em consideração”.

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"Estamos decepcionados com a reportagem do Wall Street Journal, que apresenta uma visão enganosa da Activision Blizzard e de nosso CEO. Os casos de má conduta sexual trazidos à sua atenção foram levados em consideração. O WSJ ignora mudanças importantes em andamento para tornar este o local de trabalho mais inclusivo e acolhedor da indústria, e não considera os esforços de milhares de funcionários que trabalham duro diariamente para viver conforme os seus — e nossos — valores. É por isso que, sob a direção do Sr. Kotick, fizemos melhorias significantes, como uma política de tolerância zero para conduta inadequada. E é por isso que estamos agindo com foco, velocidade e recursos para continuar aumentando a diversidade em nossa empresa e na indústria, para garantir que cada funcionário chegue ao trabalho se sentindo valorizado, seguro, respeitado e inspirado. Não vamos parar até que tenhamos o melhor local de trabalho para a nossa equipe."

No fim de outubro, Kotick pediu para ter seu próprio salário reduzido até que mudanças drásticas ocorram na cultura da Activision Blizzard. O executivo, que figura na lista de CEOs com salários considerados “exagerados”, faturava US$ 1,75 milhão por ano, mas, em abril, teve seu salário reduzido pela metade: US$ 875 mil por ano.

O executivo também compartilhou um vídeo com os funcionários da empresa, no qual afirma que “nos últimos anos, nossa indústria teve um holofote desconfortável que vem iluminando oportunidades para mudarmos. E nós todos, incluindo a mim, devemos abraçar essa necessidade de mudança, para podermos trazer os nossos melhores para o melhor lugar para trabalhar”.

O quadro de conselheiros da empresa também se pronunciou. Eles afirmaram que permanecem confiantes “na liderança, no comprometimento e na habilidade de Bobby Kotick para atingir esses objetivos [de tornar a empresa melhor]".

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Fonte: Activision Blizzard (1, 2, 3) Ben Fritz (Twitter), Kotaku (1, 2) PolygonThe Wall Street Journal