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Análise | Apesar de falhas, Final Fantasy VIII Remastered retém o mesmo charme

Por| 03 de Setembro de 2019 às 10h53

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(Captura de Imagem: Rafael Arbulu)
(Captura de Imagem: Rafael Arbulu)

Que os puristas da imparcialidade jornalística me julguem sem perdão, mas eu não tenho como segurar a emoção e o pré-julgamento com Final Fantasy VIII Remastered. O original de 1999 é uma das memórias mais evidentes da minha pré-adolescência e um dos títulos que eu mais joguei na vida.

Dediquei muito tempo de minha juventude a um título que me cativou desde o início e, embora ele não tivesse um enredo tão expansivo quando seu predecessor, “FF8”, como é conhecido, trazia uma estrutura narrativa que abordava elementos bem coerentes: a transição da vida adolescente para a adulta, a solidão advinda da distância criada entre amigos antes inseparáveis e a alegria de eventuais reuniões com os ditos amigos. Eu sou fã demais de Final Fantasy VIII para assegurar uma análise técnica sem que ela apele para o emocional.

Gastei dois parágrafos para deixar bem claro: sou fã. Muito fã. E contra todos os mandamentos jornalísticos de objetividade, fiz isso para dizer, em alto e bom som: não é o jogo que você esperava. Ou queria. Ou mesmo havia pedido. Mas isso não quer dizer que ele não seja bom.

Histórico, narrativa e visuais

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Final Fantasy VIII Remastered é um dos mais lembrados da Square Enix quando o assunto é “remaster” e há até quem aposte que esse lançamento seja apenas uma forma de a empresa “testar o terreno” para um eventual remake. E esse projeto demorou tanto para sair pois, conta a história da empresa, o código-fonte do jogo original acabou perdido quando a empresa fundiu-se à Enix, depois da chegada de Final Fantasy X, isso já no PlayStation 2 (do primeiro jogo da série até Final Fantasy IX, a empresa se chamava “Squaresoft”).

Não tem muito o que explicar do enredo em si, pois ele é exatamente o mesmo de 1999: você assume o controle de Squall Leonhart, um jovem de 17 anos que mora e estuda na Balamb Garden, uma espécie de internato colegial que, só por acaso, acontece de treinar alguns adolescentes para ingressá-los à força mercenária SeeD, despachando-os para missões de alto risco e alta recompensa ao redor do mundo. Claro, esse é o pano de fundo e inúmeras outras revelações são feitas ao longo do seu progresso no jogo. Isso é Final Fantasy, afinal.

Também não mudaram os segredos do jogo: todos os easter eggs, pequenas animações, trechos de conversas ocasionadas por ações específicas — até mesmo pedaços da narrativa em que a história pode ir para um ou outro lado estão intactos. E isso vai assegurar muitas horas de jogo para você, já que é impossível ver tudo em apenas uma única partida.

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O que muda é o aspecto visual: Squall Leonhart, junto de seu grupo (Zell Dincht, Rinoa Heartilly, Quistis Trepe, Selphie Tilmitt e Irvine Kinneas), bem como os antagonistas principais (Edea, Seifer Almasy, os irmãos Raijin e Fujin, a feiticeira Ultimecia etc.) e os personagens auxiliares, todos trazem um visual redesenhado, com mais detalhes, cortesia do universo “em HD” em que vivemos. Franjas não estão mais “coladas” na testa, detalhes como a cor dos olhos, diferenciação dos lábios contra a cor da pele, rasgos de roupas — tudo se faz presente em um visual que, embora esse parágrafo demonstre ser um primor visual (e de fato, o são), por muitas vezes acaba funcionando como um desserviço ao restante do jogo.

Os fãs mais apegados devem se lembrar que Final Fantasy também é uma experiência visual. Era muito bacana botar o CD para rodar no PSX e apenas girar a tela no plano mundial (a navegação entre cidades) e observar florestas, montanhas, desertos e zonas urbanas, achando que aquilo era o máximo da capacidade gráfica que a tecnologia poderia chegar. 20 anos depois, podemos inicializar o game em um console de alto desempenho (ou PC), botar a câmera para rodar e ver exatamente a mesma coisa. Oi?

Entendo que se trate de um remaster e, convenhamos, para um jogo tão grande quanto FF8, redesenhar sprite por sprite todos os estímulos visuais do jogo seja mais trabalho do que possa compensar à Square Enix. Mas, ainda assim, havia muito espaço para um trabalho mais dedicado. Por exemplo, durante as lutas contra monstros, a esmagadora maioria delas apresenta uma disparidade visual tacanha: Squall e sua turma seguem visualmente lindos, mas os monstros, o ambiente e efeitos dos golpes têm exatamente a mesma apresentação de duas décadas atrás. Duvida? Pegue esse remaster e lance qualquer magia de fogo: Firaga é o melhor exemplo — os efeitos de chama ainda parecem papel crepom grudado na tela de tão antigos. Funcionava na época; hoje, não mais.

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Fora que essa disparidade se faz evidente em todo o restante do jogo: seu grupo está em alta definição, mas o quadro do jogo ainda segue o padrão 4:3 e personagens aleatórios em cidades e objetos de fundo ainda parecem estar rodando no PlayStation original. A um preço de R$ 61,50 na pré-venda pelas lojas nacionais e marketplaces das plataformas, isso é meio ruim, digamos.

Ademais, essa desculpa do tamanho do jogo só funciona, como diz a expressão, “até a página 2”: lembra-se do minigame Triple Triad? Todas as cartas dele foram redesenhadas. Dos monstrinhos mais vagabundos, passando pelas cartas de chefes e de invocações. Até mesmo os adornos visuais de cada uma foram refeitos, facilitando a identificação do nível da carta que você está jogando.

Mas as músicas... <3

A trilha sonora, porém, é um mundo à parte na qualidade: há um aprimoramento sonoro nas músicas presentes no jogo que, apesar de passarem despercebidas para muita gente, ressoam muito melhor aos ouvidos. Na era do PSX, alguns chiados oriundos das limitações técnicas e compressões excessivas de arquivos de áudio minavam a experiência de áudio. Isso não foi apenas remediado aqui, mas a qualidade sonora do jogo é tão boa que parece que essa sim é a trilha como nós deveríamos tê-la conhecido. O lançamento de todo o compêndio musical da franquia no Spotify deve ter influenciado esse empenho.

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As duas músicas principais — a clássica Liberi Fatali e a mais romântica Eyes On Me, que permeiam o jogo todo — são exemplo claro disso. Não há um “nivelamento de volume por baixo”, em que todos os sons são reproduzidos nas mesmas faixas, atropelando-se entre si. Aqui, cada pedaço de efeito sonoro tem seu espaço, com a música de fundo das lutas contra monstros aumentando e diminuindo conforme a sua tomada de ação (um golpe com a gunblade de Squall tem seu som reproduzido à risca, enquanto a trilha ao fundo reduz seu volume momentaneamente — parece até machine learning, se não fosse pré-programada).

Os boosters, ou “a ajuda que você não pediu”

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Chegando ao cerne da jogabilidade, novamente Final Fantasy VIII Remastered repete as qualidades e erros de 1999: o sistema de “roubo” de magias (Draw System) e o abandono do clássico MP em favor de unidades de golpes mágicos traz um misto de gosto e raiva. Isso porque as magias são também utilizadas para aprimorar status de seus personagens (e os puristas do jogo sabem que o sucesso de personagens poderosos reside nessa estratégia, e não nas armas em si), então, por um lado, a ideia segue inovadora mesmo sendo tão antiga. Por outro, ainda é desanimador você ficar contabilizando unidades de magia com medo de que isso afete a evolução de seu personagem.

O problema com esse remaster é que, tal qual o relançamento do jogo original para a Steam em 2013, os famigerados boosters se fazem presentes. Eles consistem de pequenos auxílios de jogabilidade que aceleram seu progresso consideravelmente. E isso acaba estragando a experiência e imersão por inserir um elemento artificial na sua forma de jogar. Veja em nosso gameplay improvisado, logo abaixo. Parece que Squall deu uma passada por Breaking Bad antes de encarar esse T-Rexaur...

Não me entenda mal: os boosters são ótimos naquelas missões que envolvem a coleta de inúmeros itens iguais: adquirir o golpe especial mais poderoso de Quistis (a Blue Magic Shockwave Pulsar, para quem se lembra) ou fazer com que a invocação Tonberry ingresse ao seu grupo são duas ocasiões onde isso é certamente benéfico.

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Mas veja o caso do Canaltech: a primeira coisa que fizemos foi acionar os recursos mencionados. Quando demos conta, menos de duas horas de jogo haviam passado, Squall já havia passado do nível 30, todas as magias disponíveis até então estavam maximizadas e as invocações — ou Guardian Forces (GFs) — há haviam aprendido senão todas, as habilidades mais poderosas de seu portfólio. A gente nem havia iniciado a dungeon com o primeiro chefe do jogo e já estávamos praticamente sem desafios até mais ou menos o fim do jogo, quando enfrentamos o superchefe secreto Omega Weapon (que ainda dá um trabalhão daqueles, com ou sem boosters, mas a sensação de derrubar o bicho mais forte do jogo ainda é uma de orgulho puro...).

Isso é um problema. O outro é a falta de esmero na inserção desses recursos, o que acaba ajudando demais o jogador — "demais", aqui, é usado pejorativamente. Há, no jogo, algumas missões com tempo limite e um desses boosters consiste em acelerar o ritmo de Final Fantasy VIII Remastered pelo triplo. Bom, o timer é atrelado ao relógio da sua plataforma de jogo e não ao booster, que é um recurso de software. Em outras palavras: acioná-lo não impacta no tempo da missão. Em outras palavras: missões que lhe tomariam 10 ou 15 minutos, são resolvidas em dois a cinco. Quer ver onde isso tem maior impacto? O chefe final da missão em Dollet. Você vai saber do que estamos falando.

Os boosters estão disponíveis em todas as plataformas, com a devida diferença: nos consoles (Xbox One e PlayStation 4) apenas três podem ser usados: aceleração da progressão em 300%, zero encontros aleatórios (que efetivamente eliminam os combates do jogo exceto por lutas contra chefões) e hiperpoderes na hora de combate. Esses permitem, por padrão, a execução dos limit breaks sem precisar das condições críticas para isso, além de barra de turnos sempre cheia para não haver espera na tomada de ação e energia — você só morre se um golpe tirar, sozinho, mais do que seu HP inteiro.

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No PC, além destas, há outras que incidem ainda mais a sensação de "o jogo se jogar para o jogador": todos os itens e magias maximizados em seu inventário, personagens e GFs no nível máximo sem a necessidade de evoluções e atributos dos personagens maximizados para máximo dano desde o início.

Claro, você pode argumentar que bastaria não usarmos os recursos, mas considere: 1) isso é uma análise, e temos o dever de destrinchar todos os detalhes, incluindo os novos; e 2) um remaster que insere novos elementos de gameplay apenas para eu ter a desculpa de não usá-los? Isso me soa estranho. Para você, não?

É o jogo que pedimos, mas não o que merecemos

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Final Fantasy VIII Remastered é um jogo maravilhoso. Disso, não há dúvida. Todos os elementos que me cativaram nos meus 12 anos de idade ainda seguem intactos no jogo e, veja você, tenho 33 anos e ainda joguei sorrindo igual um moleque com um brinquedo novo nas mãos. O tempo todo, sem exceção.

O problema é que o jogo original já era tudo isso. Todas essas sensações me são boas também pelo motivo de que elas me são familiares. Estão na memória afetiva. Removendo-as da equação e avaliando exclusivamente o que é novo, o jogo fica estranho. É muito bonito, mas o cenário destoa. A música segue perfeita, mas não casa legal com o visual. O gameplay tem aprimoramentos que lhe ajudam no progresso, mas prejudicam a sua experiência. Parece que, a cada coisa boa e nova, você sacrifica algo bom e velho.

Eu me sinto bem seguro em dizer que esse jogo vai fazer sucesso: é apelativo aos gamers mais veteranos pela nostalgia; é apelativo às gerações mais jovens, que podem experimentar um RPG épico e acelerá-lo quando a progressão cansar. O único problema é que ficamos com a sensação de que estamos parados no meio entre uma experiência sensacional que poderia ser bem mais abrangente. Uma pena — “uma pena” essa que eu, nostálgico e velho, já até comprei.

Final Fantasy VIII Remastered está disponível para PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e PC (Steam). No Canaltech, o jogo foi analisado com cópia cedida gentilmente pela Square Enix.