Radiotelescópio BINGO poderá mapear lixo espacial e até asteroides; entenda
Por Danielle Cassita • Editado por Patricia Gnipper | •
O radiotelescópio BINGO, sigla para “Baryon Acoustic Oscillations in Neutral Gas”, é um grande projeto em construção no sertão da Paraíba que poderá mapear lixo espacial e até asteroides. Pensado para desvendar segredos do universo através da detecção de ondas de rádio, o BINGO poderá passar por um aumento de capacidade após concluir sua fase atual, que permitirá observar objetos na órbita da Terra.
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Idealizado em 2010, o BINGO é um radiotelescópio projetado para desvendar segredos do universo de diferentes formas. Entre elas, estão a detecção de oscilações acústicas de bárions (uma partícula subatômica), as emissões por trás das misteriosas rajadas rápidas de rádio e até da radiação vinda dos pulsares, objetos nascidos da evolução estelar. No momento, a estrutura do radiotelescópio está sendo construída.
Quando avançar de fase, uma extensão poderá fazer com que o BINGO produza mapeamentos detalhados do lixo espacial e até de asteroides. Chamada “BINGO High Resolution” (ou apenas BINGOHR), a extensão permitirá, como o nome indica, que o observatório conduza observações em alta resolução. “A princípio, essa extensão vai poder ser bastante dedicada a lixo espacial e a essas questões mais finas”, explicou o professor Élcio Abdalla, um dos coordenadores do projeto, em entrevista ao Canaltech.
Observando o lixo espacial com o BINGO
Há objetos que se movem pelo céu mas são "invisíveis" para nós, por não estarem iluminados. “Mas você sabe que há uma frequência que este objeto emite”, ressaltou o professor. A frequência eletromagnética não é visível para os telescópios ópticos, mas no caso dos radiotelescópios, permite que os cientistas determinem informações importantes sobre objetos que não podem ser observados na luz visível. É aí que entram as futuras observações do lixo espacial na órbita terrestre.
A Corrida Espacial, disputada entre a antiga União Soviética e os Estados Unidos, teve seu início marcado pelo lançamento do satélite Sputnik I, em 1957. Abdalla conta que, segundo estimativas, desde então a órbita terrestre já abriga alguns milhões de pequenos pedaços de lixo espacial, com até 20 cm de extensão — mas vale lembrar que há também objetos maiores, como os estágios de foguetes usados em lançamentos.
Ele acredita que estes objetos, com dimensões maiores, seriam melhor rastreados pelo BINGO. “Os pequenos é difícil dizer, mas aqueles não muito pequenos, que você consegue pegar na mão, suponho que seja possível rastrear”, sugeriu, acrescentando que ainda são necessários mais estudos dos receptores do telescópio, para saber o quão bem eles vão funcionar para este tipo de tarefa.
Apesar das dimensões, a preocupação com os grandes objetos não é tão grande quanto aquela com os menores. “É muito difícil que haja um lixo espacial tão grande que possa cair no meio de uma cidade ou causar algum problema”, observou Abdalla. Já no caso de objetos pequenos, a situação é outra. “Os menores podem interferir muito negativamente em satélites artificiais importantes”, alertou ele ao Canaltech.
Devido à alta velocidade com que se movem, estes pequenos objetos podem causar danos sérios a naves tripuladas, satélites e outros objetos em órbita. Por isso, diversas instituições de pesquisa e empresas da indústria seguem investigando meios para mitigar o problema — e a tarefa não é fácil, já que os milhões de detritos estão espalhados em grandes áreas. “Para pegar todos eles, você tem que mapear primeiro; depois que os tem mapeados, fica mais simples.”, comentou Élcio.
Antes de capturá-los para removê-los da órbita, é preciso saber onde os objetos estão. É aí que o BINGO entra: “uma vez que o mapeamento é estabelecido, ele não precisa parar”, explicou. “O que nós podemos fazer é observar. A questão de recolher, destruir ou seja lá o que for, já não é uma questão que nós possamos decidir, porque é uma questão mais estratégica, que depende inclusive dos elementos que existem para fazer isso.”
Próximas etapas para o projeto do radiotelescópio
O radiotelescópio BINGO conta com duas estruturas parabólicas. A primária recebe as ondas eletromagnéticas e as reflete para a segunda que, por sua vez, as direciona para um painel com aproximadamente 50 cornetas. Estes componentes enviam sinais para um transistor e, em seguida, as informações vão a um receptor. Por fim, os dados associados aos sinais são analisados e coletados por um computador.
No momento, a equipe do projeto está trabalhando nas cornetas em um processo complexo, que depende também da indústria. “Já alcançamos um progresso tecnológico na construção dos cornetas, uso dos filtros e da eletrônica, que são ganhos também razoáveis”, contou ao Canaltech. Já a equipe do projeto principal está na etapa da construção, em que o terreno que abrigará o radiotelescópio é preparado para receber um tapete de concreto.
O BINGO é um projeto conduzido em parceria com outros países, como a França, Itália, África do Sul e Inglaterra — mas o principal deles, inclusive em termos financeiros, é a China, país que vem construindo os componentes metálicos. Além disso, a expectativa é grande para o retorno que o telescópio poderá oferecer. “Vamos ter muito retorno sobre isso — não só o retorno científico, esse é básico e vai ser de grande monta”, disse o professor. “Mesmo economicamente, estamos formando gente que já está indo trabalhar na economia.
Resultado da colaboração multinacional, o BINGO é um observatório ramificado também em território nacional: o centro do projeto fica na Paraíba, mas a equipe pensa em ter outros observatórios espalhados pelo Brasil. “Há vários lugares que estão sendo pré-contratados para que tenhamos uma visão maior de todo o céu do hemisfério sul”, disse o professor. “Em princípio, o BINGO HR consegue ver metade do céu; então, se você colocá-lo em vários lugares diferentes, pode ver maior parte do céu ao mesmo tempo”, concluiu.
Contudo, um dos grandes desafios para o avanço do projeto hoje é a questão orçamentária. “Tivemos um apoio muito grande da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) desde o início, e agora temos um apoio muito grande do governo da Paraíba.” Foi há pouco tempo que a equipe recebeu um apoio anterior vindo do Ministério de Ciência e Tecnologia, mas sem suplementações. "Se não fosse este aporte grande do governo da Paraíba, não teríamos o dinheiro para montar as fundações e a estrutura metálica que vai reter o telescópio", ressaltou Abdalla.