BINGO: conheça o radiotelescópio que será instalado no Sertão Paraibano
Por Daniele Cavalcante • Editado por Patricia Gnipper | •
Sob um céu límpido e livre de interferência luminosa e eletrônica, em meio à região da Serra do Urubu, na Paraíba, fica a cidade de Aguiar, com área de 345 km² e população de aproximadamente 5.500 habitantes. A 25 km de distância deste município, está em construção um radiotelescópio que pretende decifrar segredos do universo inicial e da enigmática matéria escura.
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Apelidado de “Jóia do Sertão”, o BINGO será não apenas uma atração da cidade e região, como também o centro das atenções de pesquisadores do mundo inteiro. É que este projeto, que tem suas raízes em 2010, foi concebido para estudar os “ecos” emitidos nos momentos iniciais do universo. Ele também investigará as famosas fast radio bursts (FRB, ou rajadas rápidas de rádio, na tradução literal), que são sinais muito intensos de rádio que ainda intrigam a comunidade científica. E o céu limpo do sertão é um fator crucial para o sucesso da missão.
O projeto conta com a participação internacional de países como Reino Unido, França, África do Sul e China, mas o principal órgão financiador é a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), sendo que os coordenadores são os brasileiros Élcio Abdalla (USP), Carlos Alexandre Wuensche (INPE) e Luciano Barosi de Lemos (EFCG). Para saber mais sobre o projeto, o Canaltech conversou com o professor Abdalla — e você confere a entrevista nesta matéria.
Os “ecos” primordiais
BINGO é um acrônimo para Baryon Acoustic Oscillations in Neutral Gas Observations e recebe este nome porque ele será o primeiro telescópio projetado especificamente para fazer as detecções das BAOs — oscilações acústicas de bárions —, por meio das ondas eletromagnéticas na faixa de rádio. As BAOs são ondas geradas pelas flutuações na densidade da matéria bariônica (ou seja, toda a matéria normal e visível) do universo. Essas flutuações, por sua vez, são causadas por ondas de densidade no plasma do universo primordial.
Assim como as supernovas são usadas como vela padrão para medir distâncias no universo, as BAOs são úteis para medir a distribuição do hidrogênio neutro (atômico) em distâncias cosmológicas. Com isso, os cientistas poderão fazer um mapeamento de intensidade para investigar coisas como a forma e a geometria do espaço e a taxa de expansão, que ainda é um assunto controverso entre os astrônomos. Também podemos pensar nas BAOs como impressões criadas pela ondas que se moveram logo após o Big Bang.
Esses sinais serão coletados através da radiação cósmica de fundo, ao menos no que diz respeito às pesquisas do início do universo. Para investigar o universo atual, as BAOs serão detectadas pela observação de aglomerados de galáxias. A comparação entre as distâncias das galáxias no espaço em diferentes épocas revelará um número para a taxa de expansão do universo, que poderá ser comparado com as medidas realizadas por meio de outros métodos.
Em suma, o equipamento é construído para analisar as BAOs, mas isso será feito como um meio, e não um fim. Essas informações serão uma forma indireta de compreender melhor a distribuição de matéria no universo, bem como restrições para as teorias e possibilidades a respeito da energia escura. Além disso, poderão ser estudados quasares e as FRBs, um fenômeno de alta energia com duração de apenas alguns milissegundos.
O telescópio do projeto BINGO
A estrutura do BINGO é formada por duas parabólicas refletoras — a primária e secundária — e uma espécie de painel com 50 cornetas. A parabólica primária vai receber os sinais de rádio que vêm constantemente do espaço, e o refletirá para o segundo refletor, que por sua vez direcionará os sinais para o painel das cornetas. É neste arranjo de 50 componentes onde a “magia” vai acontecer, porque as cornetas são as responsáveis por “traduzir” e organizar os dados para os cientistas analisarem.
Quando a onda eletromagnética passa pela corneta, eles encontram outros componentes até chegar ao receptor. Todos os dados associados aos sinais captados serão analisados por meio de uma estrutura chamada de analisador FFT. Os dados serão recodificados para remover os ruídos e depois enviados para o servidor. Assim, o sistema pode se encarregar de enviar os dados em tempo real para pesquisadores do projeto, que estão espalhados pelo mundo todo. Parte do trabalho científico será comparar os resultados com modelos já existentes.
Com uma resolução de 40 arcminutos na frequência de 1 GHz, o BINGO vai monitorar e rastrear uma região no céu que corresponde a aproximadamente 8% do céu. O desenho final de como será a distribuição das cornetas foi finalizado há algumas semanas e os resultados serão publicados em artigo de revista científica.
Outras atividades do BINGO
O Projeto BINGO não diz respeito somente ao radiotelescópio. De acordo com o site oficial, a equipe é comprometida com a educação e a divulgação científica, indo “além dos muros dos centros de pesquisa por meio da formação de professores, palestras e oficinas para os alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio”.
Quanto à divulgação científica, ela se dará por meio de coisas como “textos jornalísticos, websérie e arte-educação por meio de processos educativos envolvendo a comunidade acadêmica e a comunidade ao entorno das instituições envolvidas no projeto, assim como as do local da instalação do radiotelescópio”. Para atingir todos esses objetivos, há colaboração de uma equipe multidisciplinar composta por engenheiros, físicos, educadores, jornalistas, artistas, químicos, e outras áreas.
Abaixo, você confere a entrevista completa com o coordenador do projeto, Élcio Abdalla, que é físico teórico com doutorado e pós-doutorados pela Universidade de São Paulo.
Enrtevista exclusiva sobre o projeto BINGO
Canaltech: Quando e como o projeto "nasceu"? Ou melhor, quando foi primeiramente concebido?
Élcio Abdalla: "Eu trabalho em questões específicas de gravitação e cosmologia há mais de 20 anos, e especificamente com o Setor Escuro do Universo desde aproximadamente 2005. Em 2010, houve um contato com pesquisadores da Universidade de Manchester, no Reino Unido, com o interesse de se fazerem observações que corroborassem propriedades do Setor Escuro através de um mapa da distribuição do átomo de Hidrogênio no Universo. Foi aí que começou o projeto.
Fui atrás de verbas, primeiramente junto ao Mercosul, que acabou sendo político demais. Tentamos colocar o projeto no Uruguai, até pela estrutura do Mercosul. Consegui verba da FAPESP em 2016, e em vista da dificuldade em se usar as ofertas uruguaias, resolvemos que o projeto deveria ser trazido ao Brasil, ficando mais barato e mais eficiente.
O local escolhido foi um dos mais limpos para observações em toda a América do Sul, no Sertão Paraibano, e os colegas da Universidade Federal de Campina Grande foram excelentes e prontos ao trabalho. Assim, iniciamos efetivamente a fase de projeto físico e construção em 2017."
CT: Existem alguns grandes radiotelescópios pelo mundo. O BINGO atuará de forma semelhante ou ele é projetado para outros propósitos?
EA: "O BINGO é um projeto único, baseado em coleta de dados por cornetas. Há projetos aparentados, como o CHIME no Canadá, o ToianLai e o Fast na China que observam em regiões de frequência (e, portanto, de distância) diferentes, mas é uma observação de Rádio também.
A colaboração com colegas destes projetos é positiva, fazendo parte de colaborações internacionais das quais a ciência não prescinde."
CT: O que levou à escolha do sertão da Paraíba como local de instalação?
EA: "1. Foi a área mais limpa que encontramos, sem poluição eletromagnética. A melhor área da América do Sul, tecnicamente. 2. Houve um grande esforço e um excelente trabalho dos colegas da Universidade Federal de Campina Grande, hoje parceiros e co-dirigentes da melhor qualidade."
CT: Como o radiotelescópio pode ajudar na identificação da fonte dos FRBs?
EA: "Um dos aspectos importantes se refere à observação dos FRBs. Com os chamados outriggers, observatórios-anões em locais diferentes do Brasil, poderemos achar os FRBs e localizá-los melhor, inclusive sua galáxia hospedeira. Será uma contribuição muito importante."
CT: Tivemos a perda inestimável do radiotelescópio de Arecibo. O BINGO poderia cobrir alguma parte da ciência que era realizada por ele?
EA: "O Arecibo teve grandes contribuições, e o BINGO vai avançar muito nestas direções, com um projeto moderno e capaz de observar a região do tempo em que a Energia Escura começou a preponderar, assim como poderemos observar vários detalhes dos FRBs."
CT: O BINGO poderá encontrar evidências de outros mistérios do universo inicial, como buracos negros primordiais?
EA: "Quanto aos buracos negros primordiais, podemos ter previsões, principalmente se forem possíveis Buracos Negros primordiais pequenos."
CT: Como o BINGO poderá impactar a população local?
EA: "Certamente impactará assim como já está impactando. Há um grupo de pesquisadores e estudantes trazendo informações e aulas aos estudantes locais (agora parado em vista da pandemia de coronavírus). Os pesquisadores da Paraíba são integrantes da produção científica, trabalhando intensamente na eletrônica e nos projetos científicos, principalmente na ciência dos FRBs (Rajadas Rápidas de Rádio), assim como na construção do telescópio propriamente dito."
CT: Quais são suas expectativas para o impacto que o BINGO trará para a astronomia no Brasil, em especial em relação aos futuros interessados no assunto/futuros estudantes de astronomia?
EA: "Temos um grupo enorme hoje trabalhando no projeto. Já há cerca de uma centena de pessoas, incluindo ciência, técnica e divulgação. Se colocarmos
o pessoal indireto administrativo das Universidades e companhias colaboradoras, como a Alltech que constrói as cornetas, este número aumenta muito.
Neste ano já escrevemos sete trabalhos científicos que se encontram em análise na Revista Astronomy and Astrophysics, sendo quatro deles já em fase final de aceitação. Alguns estudantes estão se sobressaindo a tal ponto que trabalham em outros projetos internacionais."
Você pode conferir mais sobre o Projeto BINGO no site oficial.