Por que especulam que o Oumuamua seria uma nave alienígena? Eis o que sabemos
Por Daniele Cavalcante |
Em 2017, astrônomos observaram um objeto inédito, que veio de fora do nosso Sistema Solar, batizado de 1I/ʻOumuamua — ou apenas Oumuamua para simplificar. Acompanhamos, tão surpresos quanto os próprios cientistas, algumas propostas sobre a origem e a natureza do objeto. Um desses cientistas é Avi Loeb, professor na Universidade de Harvard que acabou se destacando por apresentar uma hipótese pouco convencional: a de que o visitante interestelar se tratava de um objeto artificial, uma nave alienígena.
Agora, quase quatro anos após a descoberta do Oumuamua, Loeb e sua a afirmação de que o objeto seria uma nave alienígena voltaram a ser assunto na mídia e na comunidade científica. Mas não é sobre isso que falaremos, e sim de por que essa hipótese não é tão bem aceita entre outros cientistas que trabalharam em pesquisas sobre o tema.
Como o Oumuamua causou espanto
O 1I/ʻOumuamua intrigou os astrônomos desde o início. Ele tem formato pontiagudo, alongado, e uma coloração avermelhada, em tom escuro, e se move inexplicavelmente rápido. Nós, terráqueos, quase não o vimos. O objeto se aproximou do Sol, deu uma volta e retornou ao espaço interestelar logo em seguida. Os astrônomos só o descobriram quando ele passou perto da Terra em seu caminho rumo ao lado externo do Sistema Solar.
Sua origem e formação se tornou uma controvérsia entre os astrônomos. Parecia um cometa, mas com uma órbita incomum. Mas também poderia ser um asteroide; afinal, não tinha uma cauda como outros cometas. Alguns sugeriram que o objeto seria algo entre essas categorias. Poderia ser, de fato, algo totalmente único, vindo de outro lugar da galáxia para obrigar os cientistas a criar uma categoria de objeto cósmico inteiramente nova. O nome Oumuamua, em havaiano, significa “mensageiro do passado distante”.
Durante os anos seguintes, alguns cientistas publicaram pesquisas respeitáveis sobre o que poderia ser o visitante interestelar. Que ele veio de muito longe, é uma certeza. Mas onde ele se formou? De qual sistema estelar ele fazia parte? Do que ele é feito? E como veio parar aqui? Bem, alguns estudos forneceram pequenas pistas, mas nada além disso. Não é possível responder as perguntas acima apenas com base no que pudemos observar do objeto, e não tivemos tempo o suficiente para coletar mais dados — em 2018 ele estava a uma velocidade aproximada de 112 mil km/h.
Entre as pistas que os cientistas puderam apresentar, estavam as evidências de que o Oumuamua é coberto por uma camada de isolamento composta por elementos orgânicos. Os pesquisadores puderam detectá-lo por meio da espectroscopia, que analisa a luz sendo refletida a partir de sua superfície e dividida em comprimentos de onda. Ao analisar essas medidas, os cientistas descobrem a composição do objeto.
Estranho, mas nem tanto
Uma das características mais curiosas, contudo, era a excentricidade do objeto, ou seja, o formado de sua trajetória orbital. Uma excentricidade de valor 0 significa que a órbita é perfeitamente circular, enquanto excentricidade igual a 1 significa uma órbita parabólica. Valores entre 0 e 1 representam elipses, e valores acima de 1 nos revelam órbitas hiperbólicas. Para citar um exemplo, a excentricidade da órbita da Terra varia entre 0 e 0,06 por cada 100 mil anos, então podemos dizer que nossa órbita costuma ser elíptica.
Astrônomos já haviam visto alguns objetos com excentricidades acima de 1, mas apenas com valores como 1,0001, por exemplo — nunca mais que isso. Um exemplo foi um objeto que foi arremessado para fora do Sistema Solar através de um “chute” gravitacional de Júpiter. Esse objeto ganhou uma excentricidade de 1,06, que é o necessário para escapar da gravidade do Sol. Só que, quando um objeto como este chega ao espaço interestelar, ou seja, deixa o Sistema Solar, ele terá apenas uma velocidade de aproximadamente 1 km/s, ou menos.
Pois bem, o que os astrônomos viram no caso do Oumuamua foi algo bizarro: uma órbita com excentricidade de aproximadamente 1,2, algo jamais visto antes. Com cerca de 26 km/s, era o objeto de velocidade natural mais rápido a deixar o Sistema Solar. Isso é difícil de explicar sem envolver uma física para além do que conhecemos em nosso sistema, mesmo considerando a interação gravitacional com planetas como Júpiter ou Netuno — até porque esses planetas não estavam no caminho do Oumuamua, para início de conversa.
Entender o que aconteceu exige considerar coisas que não conhecemos muito bem e, principalmente, que estão fora do Sistema Solar. Mas isso não significa que este seja um campo totalmente novo. Na verdade, os cientistas teóricos já haviam previsto algo parecido. Eles esperavam há muito tempo que uma população de objetos de outros sistemas estelares nos visitassem — objetos análogos aos nossos cometas, asteroides e outros pedregulhos espaciais do cinturão de Kuiper ou da nuvem de Oort.
Se o Sistema Solar tem todos esses objetos, outros sistemas também devem ter. E se o Sistema Solar às vezes arremessa alguns desses corpos, os outros sistemas também devem fazer isso. Os astrônomos inclusive já viram como sistemas estelares se formam, distantes de nós, e já esperavam que provavelmente havia milhões — ou bilhões — de objetos rochosos ao redor de cada estrela da Via Láctea, e além.
A conclusão é óbvia. Todas as estrelas devem formar uma imensidão de objetos ao seu redor e expulsar alguns deles — como o próprio Sol faz. Então, muitos desses pedregulhos devem passar pelo nosso Sistema Solar, não apenas o Oumuamua. Só não vimos nenhum antes porque não temos equipamentos dedicados a encontrá-los. Pesquisadores sabiam que, para vê-los, seria preciso começar a fotografar o céu todas as noites com um equipamento sensível o bastante para ver objetos pequenos — o Oumuamua tem apenas cerca de 400 metros de comprimento — a uma distância relativa. E era exatamente isso o que o telescópio Pan-STARRS estava fazendo quando descobriu o Oumuamua.
Fazendo ciência
Os pesquisadores, logo após a detecção, utilizaram os meios convencionais para caracterizar o objeto. Foi com métodos científicos que conseguiram, por exemplo, determinar o formato do objeto apenas observando a variação de seu brilho em um fator de 15, o que era inédito. Também através da ciência astronômica foi possível encontrar outra característica estranha, que é a órbita. Os pesquisadores puderam rastrear o caminho do Oumuamua fora do Sistema Solar e descobriram que a gravidade não era a única força atuando sobre ele.
Na verdade, eles notaram que uma órbita normal e perfeitamente hiperbólica não se encaixava no que estavam vendo. Era como se houvesse algo não observado o empurrando. Seria então essa uma evidência boa o suficiente para alegar que se trataria de uma nave alienígena? Não exatamente. Embora uma nave pudesse fazer isso, novas pesquisas vieram em seguida mostrando que poderia haver alguma forma de liberação de gás de dentro da rocha, o que funcionaria como uma espécie de propulsão natural. E essa não é uma hipótese absurda: quando cometas se aproximam do Sol, por exemplo, gases são liberados, acelerando o movimento do objeto.
Mais artigos surgiram colocando algumas teorias contra as observações feitas. Certamente foi uma oportunidade fascinante para astrônomos e astrofísicos se exercitarem com esse desafio tão complexo. A comunidade astrofísica reuniu o que aprendeu com o Oumuamua, descartando algumas ideias, fortalecendo outras, até que uma imagem mais concreta começasse a se formar. As hipóteses mais sólidas foram colocadas à prova em simulações de computador e mais estudos surgiram propondo que o Oumuamua seria um fragmento de um objeto maior.
Não importa tanto assim
Embora nenhuma das pesquisas listadas acima tenha sido comprovada — e provavelmente nunca serão —, elas são extremamente importantes para a ciência porque preparam os cientistas para a próxima vez que encontrarem um visitante como este. Por isso é tão importante destacar a ciência pragmática feita sobre o tema, colocando dados de observação e hipóteses frente a frente.
Os cientistas estimam que haja bilhões de objetos como este viajando “a esmo” por nossa galáxia. Yun Zhang, por exemplo, comenta que um único sistema planetário deve ejetar cerca de cem trilhões de objetos como o Oumuamua. De vez em quando, o “acaso” faz com que um deles voe para nosso quintal cósmico, que chamamos de Sistema Solar. Bem, o acaso não existe nesse contexto — muitos objetos já estão com suas órbitas estabelecidas, de modo que irremediavelmente passarão por nós. Se os cientistas estiverem preparados, poderão encontrar alguns deles. E com as pesquisas sobre o Oumuamua em mãos, poderão comprovar ou descartar hipóteses.
Por isso, não importa muito se ainda não sabemos como responder as perguntas iniciais sobre o Oumuamua com toda a convicção que a ciência pode nos fornecer. Veremos mais objetos vindos de outros sistemas estelares — e já vimos, na verdade. O cometa 2I/Borisov, descoberto em 2019, foi o segundo objeto interestelar detectado por astrônomos, e ele não era nada parecido com o Oumuamua, o que mostra que podemos encontrar uma variedade interessante desses visitantes cósmicos.
Os astrônomos também precisarão de um instrumento bastante eficaz na busca de objetos como estes. Um deles é o Vera C. Rubin Observatory (VRO), um telescópio de 8,4 metros capaz de mapear todo o céu visível. Ele está sendo construído no norte do Chile e a previsão é que em 2022 já entre em operação. Curiosamente, de acordo com Loeb — que defende a hipótese da nave alienígena —, o VRO deverá detectar cerca de um objeto como o Oumuamua por mês. “Todos nós vamos esperar com ansiedade para ver o que ele encontrará”, disse, em agosto do ano passado.
Sobre Loeb? Ele publicou um estudo em 2018 sugerindo que a estranha "aceleração excessiva" do objeto pode ser indício suficiente de sua artificialidade. Ele afirmou na ocasião que o Oumuamua poderia ser uma vela solar flutuando no espaço interestelar. De certa forma, não é estranho que Loeb imagine algo do tipo, já que ele próprio participou do projeto Breakthrough Starshot, um programa de 100 milhões de dólares que lançou uma dessas velas solares ao espaço e tem como ambição enviar uma nave à estrela Alpha Centauri, localizada a 4,3 anos luz da Terra.
Avi Loeb lançará no final do mês um livro chamado Extraterrestre: O Primeiro Sinal de Vida Inteligente Fora da Terra (na tradução livre), mesmo com outros estudos científicos trabalhando com a hipótese de o objeto ser natural, e não artificial. Isso pode colocar Loeb na contramão da comunidade científica, mas certamente muitos de seus leitores se animarão com o respaldo de um cientista de seu gabarito sobre o possível contato imediato de zero grau com alienígenas.
Fonte: Starts With a Bang