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Parece que o espaço se tornará uma zona de guerra; entenda o que isso significa

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A indústria aeroespacial está vivendo uma grande revolução no momento. Empresas privadas estão a todo vapor com suas iniciativas tanto em parceria com agências espaciais governamentais, quanto em seus próprios projetos envolvendo exploração científica e comercial do espaço. Agências espaciais estatais de diversas nações estão vivendo uma nova Corrida Espacial para se destacar no cenário internacional deste milênio. Contudo, o espaço também é alvo de interesse para outro tipo de atividade: a militar — o que pode tornar o ambiente espacial uma verdadeira zona de guerra.

No início de dezembro, uma cúpula na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar intergovernamental) deverá justamente decidir se o espaço será declarado como "um domínio de combate". E, se o espaço for mesmo aprovado como uma zona de guerra, membros da OTAN poderão começar a usar armas espaciais para destruir satélites e mísseis de nações consideradas inimigas. É sobre isso que falam os especialistas no assunto Gareth Dorrian, pesquisador da Universidade de Birmingham, e Ian Whittaker, professor de física na Nottingham Trent University, em artigo publicado no The Conversation.

Como a decisão da OTAN poderá viabilizar guerras espaciais

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Nações como China e Índia já fizeram testes polêmicos envolvendo o lançamento de mísseis para abater satélites em órbita. E, na Rússia, recentemente desenvolveram um satélite comercial projetado para se encontrar com outros na órbita. Mas, ainda que o objetivo desta iniciativa russa tenha sido pacífico (fazer a manutenção de satélites no ambiente espacial), tais feitos mostram que tecnologias para interceptar (e até mesmo destruir) objetos na órbita do planeta já existem, e vêm sendo exploradas em países que não fazem parte da OTAN — ainda que a Rússia tenha um "acordo de paz" com a aliança.

"Se um país ou empresa puder manobrar seus próprios satélites para se aproximarem de outros, poderá fazê-lo para fins militares ou de sabotagem — possivelmente sem detecção", opina a dupla de especialistas.

É importante lembrar também que os Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump, estão montando o Comando Espacial (Spacecom), cuja atividade ainda é um tanto quanto obscura, mas é fato que a unidade será militar. Trump chegou a afirmar que "nossos adversários estão treinando forças e desenvolvendo tecnologias para minar nossa segurança no espaço, e é por isso que meu governo reconheceu o espaço como um campo de guerra e fez a criação da força espacial como uma prioridade de segurança nacional".

Uma decisão da OTAN favorável à declaração do espaço como uma fronteira de defesa reconheceria, formal e oficialmente, que batalhas poderiam acontecer não mais apenas em terra, no ar e no mar, como também no ambiente espacial. E, considerando todo este cenário, não é difícil imaginar a abertura de brechas para que países membros da OTAN utilizem o ambiente espacial para combater iniciativas de seus rivais, e vice versa. Contudo, a Reuters chegou a informar que diplomatas da OTAN negaram que tal decisão teria como objetivo abrir o caminho para guerras espaciais, dizendo que essa decisão, na verdade, abriria um debate sobre o potencial uso de armas espaciais para desligar mísseis inimigos ou destruir satélites identificados como espiões, por exemplo.

Hoje, os membros da OTAN possuem 65% dos satélites que estão na órbita da Terra, mas a China vem impulsionando seu programa espacial (e muito!) nos últimos anos — inclusive se tornou a primeira nação a pousar uma nave no lado afastado da Lua com a missão Chang'e 4, ainda em andamento. E não é novidade que os EUA e a China vêm travando uma verdadeira guerra comercial, estremecendo a relação entre os países, o que, num cenário bastante pessimista, poderia influenciar também atividades militares.

E, bem, os Estados Unidos fazem parte da OTAN, e a decisão de declarar o espaço como uma zona de guerra, aliada à criação do Spacecom, pode dar poder para que os EUA arrumem meios de deter a ascensão da China enquanto potência espacial, bem como enquanto uma potência militar rival — de acordo com os diplomatas que conversaram com a Reuters.

Aí fica a questão: se, neste mesmo cenário pessimista em que uma nação como a China, que não faz parte da OTAN, atacasse um satélite de um estado-membro (como os EUA), isso seria compreendido como um ataque a toda a aliança, acionando o Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte? Esse artigo exige que os membros auxiliem qualquer outro membro que esteja sujeito a ataques armados — compromisso que foi convocado após os ataques de 11 de setembro de 2001, quando os EUA mobilizaram tropas para o Afeganistão contando com o auxílio de colegas da OTAN.

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Como ataques espaciais poderiam ser realizados

Os pesquisadores Dorrian e Whittaker levantaram algumas ideias de como sabotagens e ataques de guerra poderiam acontecer no espaço, tecnicamente falando. "Um método envolveria disparar um feixe intenso de radiação de microondas em um objeto", que poderia ser um satélite, e isso permitiria a desativação de seu funcionamento sem criar nuvens de detritos orbitais — como aconteceria com o disparo de um míssil. "Você pode fazer com que um ataque pareça um acidente e negar envolvimento", diz a dupla.

Eles lembram que o uso de "interferência de rádio" para interromper comunicações remonta à Segunda Guerra Mundial. "Ao inundar um receptor de rádio com ruídos de rádio, pode-se ocultar a recepção de sinais genuínos e tornar o sistema inoperante; é como tentar identificar a luz de uma vela contra o brilho dos faróis de carros", explicam. E, ainda que os satélites sejam testados quanto à interferência de ruídos de rádio antes de serem lançados, "se um satélite 'hostil' direcionasse deliberadamente transmissões de rádio em banda larga no satélite alvo, as comunicações poderiam ser completamente interrompidas", garantem.

Vamos lembrar dos testes ASAT (anti-satélites) já conduzidos pela China e pela Índia para chegar à outra ideia de ataques espaciais que a dupla de pesquisadores levantou. Em 2007, os chineses abateram um satélite na órbita da Terra, gerando uma nuvem com mais de 2.300 pedaços rastreáveis de detritos. Já em março deste ano, foi a vez da Índia de fazer um teste ASAT similar e, em agosto, pelo menos 50 pedaços do satélite destruído ainda podiam ser detectados.

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Agora vem o pulo do gato: na visão dos pesquisadores Dorrian e Whittaker, uma nação poderia ser mais esperta do que simplesmente abater um satélite inimigo na órbita, o que seria uma declaração de guerra, e poderia lançar uma missão ASAT em segredo, abatendo um satélite próprio, pois isso geraria detritos — e, aí sim, detritos poderiam atingir o satélite alvo, destruindo-o ou ao menos interrompendo seu funcionamento. "Se apontado para um satélite adversário, esse míssil seria bastante óbvio e poderia ser rastreado por outras nações por meio de radares. Um método mais sutil seria destruir um satélite próprio e ter como objetivo produzir o máximo de detritos possível, que ficariam no caminho orbital do alvo pretendido. Isso poderia parecer um acidente", analisam.

Lasers também poderiam ser usados em uma guerra espacial. Eles têm potencial de desativar painéis solares de satélites, que, sem energia, não conseguiriam mais se comunicar com o controle terrestre. Mas nada de imaginar cenas de ficção científica neste caso: os pesquisadores explicam que "enquanto os filmes de sci fi nos condicionaram a acreditar que lasers espaciais usariam luz visível, comprimentos de onda mais curtos produzem mais energia; é improvável que qualquer observador na superfície veja diretamente quaisquer efeitos de uma guerra espacial" — a menos que um satélite seja destruído e seus detritos entrem queimando na atmosfera.

O uso de armas nucleares e de destruição em massa no espaço, no entanto, é proibido pelo Tratado do Espaço Sideral, que prevê o uso do ambiente espacial para fins pacíficos, somente — o que pode não acontecer mais caso a OTAN determine que o espaço é uma área onde é possível haver combates militares. E se você estiver pensando "mas o que eu tenho a ver com isso?", a resposta é simples: ataques a satélites na órbita da Terra podem afetar a vida de todos, como, por exemplo, perturbando o funcionamento de GPS, interrompendo sinais de televisão, e até mesmo bagunçando sistemas financeiros.

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Fonte: The Conversation, Reuters