Estação Espacial Internacional | O que é e para que serve o laboratório orbital?
Por Daniele Cavalcante • Editado por Patricia Gnipper | •
Na baixa órbita terrestre, a uma altitude de 400 quilômetros, um laboratório espacial gigante percorre o globo a uma velocidade de 27.700 km/h, completando 15,70 voltas em nosso planeta, todos os dias. Estamos falando da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), um dos maiores experimentos científicos já realizados no espaço, tendo custado cerca de US$ 150 bilhões.
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Além de um grande marco na ciência, a história da ISS também é uma história sobre a colaboração entre vários países, em especial entre Estados Unidos e Rússia - o acordo assinado entre ambos decretou o fim da corrida espacial e da Guerra Fria, e deu início à montagem da estação orbital.
O início da construção da ISS foi em 1998 e em 31 de outubro de 2000, a primeira tripulação foi lançada da Rússia, com três astronautas, mas ela só foi concluída oficialmente em 8 de julho de 2011. Ainda hoje ela serve de base e laboratório científico e é constantemente habitada por tripulações, com permanência média de seis meses.
Mas a ideia veio bem antes. Tudo começou em 1973, quando os Estados Unidos e a Europa firmaram uma nova parceria.
Como surgiu a Estação Espacial Internacional?
Os EUA já haviam lançado sua própria estação espacial na década de 1970, a Skylab, mas ela não foi concebida para durar muito tempo. Quando aposentou o projeto, o país pretendia algo maior, mas simplesmente não havia recursos para algo tão ambicioso, ainda mais depois dos gastos com o programa Apollo, que levou astronautas à Lua até 1972.
Então, a NASA começou a trabalhar no projeto do ônibus espacial e em uma parceria internacional para cobrir os custos de uma estação modular permanente. Em 1973, a NASA e a Agência Espacial Europeia ESA assinaram um acordo no qual os europeus forneceriam módulos de minilaboratório chamados Spacelabs.
Essas pequenas unidades foram projetadas para serem lançadas no compartimento de carga útil do ônibus espacial e servir como instalação de experimentos por até três semanas em órbita, funcionando como prova de conceito para a estação em si, que viria a seguir. O primeiro Spacelab entrou em órbita em 1983 na missão STS-9 do ônibus espacial Columbia. A missão foi muito bem sucedida e foram realizadas setenta e duas experiências científicas neste módulo. Então, ficou provada a utilidade de experiências complexas na órbita terrestre a colaboração internacional.
Em 1984, o presidente Ronald Reagan propôs que os Estados Unidos, em cooperação com outros países, construíssem uma estação espacial que pudesse ser habitada permanentemente, e deu um prazo para isso: uma década. Com o apoio do Congresso e um mandato presidencial formal em vigor, a agência estabeleceu o Escritório do Programa da Estação Espacial e pediu que líderes da indústria enviassem suas propostas. Dois anos depois, o Japão e a Europa assinaram contrato para contribuir com módulos e o Canadá concordou em fornecer um braço robótico.
Era plano de Reagan que a estação tivesse apoio do governo e da indústria. Porém, uma série de problemas atravancava as coisas, como orçamentos extrapolados e o desastre do ônibus espacial Challenger, que afetou a confiança no programa da NASA e atrapalhou o desenvolvimento da estação. Mas a ideia não morreu, e outros países participaram da colaboração internacional.
No total, foram Canadá, Japão, Brasil e a Agência Espacial Europeia, que é composta por Reino Unido, França, Alemanha, Bélgica, Itália, Holanda, Dinamarca, Noruega, Espanha, Suíça e Suécia. Em 1988, os EUA e Rússia assinaram o Memorando de Entendimento, no qual concordaram em colaborar com a estação multinacional. O programa começou com uma missão emblemática: a Shuttle-Mir, realizada em fevereiro de 1994.
Nessa missão, o cosmonauta Sergei Krikalev se tornou o primeiro astronauta russo a voar em um ônibus espacial. Essa foi a primeira cooperação entre os EUA e a Rússia desde a Apollo-Soyuz, de 1975, um marco para uma nova era da exploração espacial humana. O módulo inicial da estação, na época apelidada “Freedom”, foi lançado no foguete russo Proton, no final de 1998.
Este módulo foi projetado para fornecer controle de atitude e matrizes de energia solar para a estação. Pouco depois, os astronautas do ônibus espacial transportaram e conectaram o primeiro elemento construído pelos EUA, chamado Unity - um nó de conexão com vários sistemas de ancoragem. Depois de uma série de contratempos e complicações técnicas e políticas, a estação ganhou um novo conceito, chamado Alpha, que mais tarde passou a ser chamado de Estação Espacial Internacional.
Todo esse histórico garantiu à ISS o posto de programa de exploração espacial mais complexo politicamente já realizado. Mais do que uma conquista tecnológica, a estação é uma conquista humana, e simboliza o melhor da colaboração entre nações historicamente rivais para um bem em comum.
Além disso, é um conquista de gestão, já que controlar um laboratório internacional que atende aos interesses de vários países é extremamente complicado. O programa reúne tripulações de voos internacionais, vários veículos de lançamento, instalações de lançamento, operações, treinamento, engenharia, redes de comunicação; tudo distribuído globalmente. Cada parceiro tem a responsabilidade primária de gerenciar e executar o hardware que fornece.
O Brasil faz parte da Estação Espacial Internacional?
O Brasil chegou a assinar um acordo para produzir hardware para a ISS e, em troca, teria acesso a equipamentos norte-americanos, também podendo enviar um astronauta brasileiro para lá. Infelizmente, nosso país ficou de fora do projeto da construção da ISS porque a Embraer foi incapaz de fornecer o hardware prometido.
Ainda assim, em 2006 o ex-astronauta Marcos Pontes acabou indo para lá, mas não com a ajuda dos norte-americanos. A Missão Centenário, como foi chamada, foi possível graças a uma parceria com a agência espacial russa Roscosmos, num contrato no qual a Agência Espacial Brasileira pagou US$ 10 milhões para que isso acontecesse. Pontes foi à ISS ao lado do astronauta Jeffrey Williams, da NASA, e do cosmonauta Pavel Vinogradov, a partir de uma nave russa Soyuz. Lá, o astronauta brasileiro realizou oito experimentos científicos criados por universidades e centros de pesquisas de nosso país, mas, infelizmente, seus resultados não tiveram relevância ao se considerar avanços da ciência nacional. A Missão Centenário durou apenas 10 dias, sendo que, em dois deles, Pontes permaneceu a bordo da nave de transporte.
Como a Estação Espacial Internacional é por dentro?
A estação foi concluída em 8 de junho de 2011, somando no total 14 módulos pressurizados com aproximadamente 1.000 metros cúbicos de volume. Esses módulos são laboratórios, compartimentos de ancoragem de naves, câmara de despressurização, nodos de ligação e áreas de vivência.
Cada um desses módulos foi lançado em ônibus espaciais, foguetes Proton ou Soyuz, e conectado na estação. Vamos conhecer os principais deles, incluindo os sistemas, áreas de tripulação e compartimentos.
Módulos da ISS
O Zarya (Rússia) foi o primeiro componente da estação a ser enviado para o espaço, em 20 de novembro de 1998. Durante o período inicial da montagem da estação, forneceu eletricidade, armazenamento, propulsão, comunicação, orientação e estabilidade à ISS. Com os outros módulos mais sofisticados para essas tarefas, ele hoje é usado para armazenamento de material, tanto dentro da seção pressurizada quanto em tanques de combustível montados em seu exterior. Seu nome, que significa “Amanhecer”, porque ele representou o alvorecer de uma nova era na cooperação internacional no espaço. Apesar de construído na Rússia, ele pertence aos Estados Unidos, que financiou sua construção.
O Unity (EUA), também conhecido como Node 1, foi o primeiro componente da estação construído pelos Estados Unidos, pela empresa Boeing. Ele tem formato cilíndrico, com cinco metros de diâmetro, 12 metros de comprimento e massa de 11,5 toneladas. A peça serve de local de passagem dos astronautas para os módulos de trabalho e de habitação.
O Pirs (Rússia) fornece uma porta adicional de docagem para naves Soyuz e Progress e permite entrada e saída para atividades extraveiculares usando trajes russos.
Quest (EUA) é a principal câmara de despressurização da estação, possibilitando atividades extra veiculares com trajes espaciais americano (Extravehicular Mobility Unit-EMU) e russo (Orlan). Consiste em duas câmaras cilíndricas fixadas de ponta a ponta por uma antepara com uma escotilha de conexão.
O Columbus (Europa) é o principal módulo de equipamentos para experimentos científicos da Europa, com capacidade para até 10 prateleiras padrões e plataforma externa para experimentos.
Já o Zvezda (Rússia) é o módulo de serviço da estação, provendo a principal área de residência, sistemas de manutenção do ambiente, controle de posicionamento e órbita, além do ponto de docagem para espeçonaves Soyuz, Progress e ATV. Foi através dele que a ISS se tornou habitável pela primeira vez.
O Harmony (EUA) é o conector de módulos da Estação Espacial, também chamado Node 2. Contém 4 prateleiras que providenciam ar, energia elétrica, água e outros sistemas essenciais de suporte à vida à estação.
Projetado para ser o maior laboratório da ISS, temos o Experiment Logistics Module (Japão). Consiste em quatro componentes, incluindo o Sistema do Manipulador Remoto, braço robótico capaz de mover equipamentos. Aqui há também um módulo pressurizado, que é o maior em volume da Estação, com capacidade para dez prateleiras.
O Poisk (Rússia) é um mini módulo utilizado para acoplagem das cápsulas Soyuz e dos veículos de carga Progress, e também como uma câmara para caminhadas espaciais.
Então chegamos ao Destiny (EUA), principal módulo de apoio científico para contêineres com equipamento científico americano. Também provê sistemas de controle ambiental e área de residência para a estação. Foi a primeira estação de pesquisa orbital permanente da NASA desde que o Skylab foi desocupado em fevereiro de 1974.
O Tranquility (EUA) é o mais avançado sistema de suporte ambiental já colocado no espaço, fornecendo de reciclagem de água e geração de oxigênio para a tripulação.
E como não falar da Cupola (EUA), um observatório que possibilita à tripulação operar o braço robótico Canadarm e os atracamentos de espaçonaves, além de fornecer uma visão panorâmica abrangente da Terra. É como se fosse uma janela espacial com vista privilegiada do nosso planeta.
Outro mini módulo é o Rassvet (Rússia), usado para acoplagem das cápsulas Soyuz, dos veículos de carga Progress e como área de armazenamento.
Sistema de Suporte à Vida
É o módulo que providencia e controla elementos como pressão atmosférica, nível de oxigênio, água, prevenção em casos de incêndios, e muito mais. A mais alta prioridade para o sistema de suporte a vida é a manutenção de uma atmosfera estável dentro da Estação, mas o sistema também coleta, processa e armazena lixo e água produzida e usada pela tripulação.
Por exemplo, o sistema toda a água usada no banheiro, chuveiro, incluindo a urina e vapor. Até mesmo a água na toalha após os astronautas se secarem é capturada pelo sistema para ser reaproveitada. Filtros de carvão ativado são usados para remoção de produtos do metabolismo humano no ar.
Sistema de energia
A fonte de energia elétrica da EEI é a luz do Sol, convertida em eletricidade através dos painéis solares. Até 2000, os painéis estavam presentes apenas nos módulos russos Zarya e Zvezda, com um sistema de 28 volts. Agora, a estação obtém energia através de painéis solares anexos às extremidades da Main Truss Structure, a uma tensão que varia entre 130 a 180 volts e convertida para 124 volts.
Controle de orientação
O controle de orientação da Estação é mantido através de dois mecanismos. Normalmente, um sistema usando giroscópios de controle de momento mantém a Estação orientada com o laboratório Destiny na frente do módulo Unity, a estrutura P a bombordo e o módulo Pirs apontado para a Terra.
Mas o sistema de giroscópios pode eventualmente perder a capacidade de controlar a orientação da ISS, então entra em ação o sistema Russo, preparado para assumir automaticamente usando retrofoguetes para manter a ISS na posição correta em relação à Terra, até a dessaturação do sistema de giroscópios norte-americano.
Controle de altitude
A Estação Espacial Internacional é mantida em órbita numa altitude limite mínima de 278 e e máxima de 460 km, mas ela está em constante queda por causa do arrasto atmosférico e do efeito de gravidade. Por isso, ela precisa ser impulsionada para altitudes mais elevadas várias vezes durante o ano.
Todo mês, ISS cai 2,5 km, o que é corrigido através de dois foguetes do módulo Zvezda. Também podia ser feito com um ônibus espacial acoplado ou, atualmente, por uma espaçonave ou Veículo de Transferência Automático, da ESA. Esses veículos funcionam mais ou menos como um reboque para a ISS, já que o módulo Zvezda provavelmente não daria conta do recado por tanto tempo. Aliás, esses métodos também são muito úteis para desviar a estação de lixos espaciais que porventura aparecerem no caminho.
Experimentos científicos no espaço
O principal propósito da ISS é realizar experiências científicas em ambiente de microgravidade (os astronautas na ISS não estão em gravidade zero). Esses experimentos passam pelas áreas da astronomia, astrofísica, biomedicina, medicina espacial, ciências físicas, ciência dos materiais, clima espacial e clima na Terra.Os cientistas da Terra têm acesso aos dados da tripulação e podem modificar experimentos ou lançar novos. As tripulações realizam as missões na ISS com vários meses de duração, com aproximadamente 160 horas de trabalho por semana com uma equipe de 6 pessoas. Normalmente, o período de estadia na estação é de seis meses. Além dos experimentos nos laboratórios, eles também realizam caminhadas espaciais.
Entre os instrumentos científicos da ISS está o Espectômetro Magnético Alpha (AMS), que a NASA compara ao telescópio espacial Hubble. Ele foi criado para tentar detectar a matéria escura e ajudar a responder a outras questões sobre o universo. Em 3 de abril de 2013, cientistas da NASA informaram que evidências de matéria escura podem ter sido detectadas pelo AMS.
Pesquisas na área da medicina incluem o estudo dos efeitos da exposição espacial a longo prazo no corpo humano, como atrofia muscular, perda óssea e mudança de fluido. Isso é importante para saber como enviar astronautas com segurança em jornadas espaciais mais longas, com destinos como Marte. Também há uma série de experimentos com tecidos humanos artificiais, por exemplo.
Como ver a Estação Espacial Internacional no céu
Em condições climáticas favoráveis, isto é, no céu noturno sem nuvens para atrapalhar, a ISS pode ser vista a olho nu. Mas não é sempre que ela passa pelos mesmos lugares, então vale a pena acompanhar sua trajetória para saber se ela está por perto da sua região.
A NASA e a ESA fornecem alguns links para acompanhar o caminho percorrido pela estação. Um deles é o ISS Tracker, que mostra no mapa terrestre a região que a ISS está sobrevoando neste exato momento, e uma linha que mostra o trajeto que ela percorrerá em seguida. Mas se você prefere obter uma visão da Terra a partir da ISS, pode conferir esta live da NASA.
Por fim, você pode fazer uma tour pela ISS e conferir como é a vida no dia a dia por lá, com estes vídeos da NASA, no qual a tripulação mostra um pouco dos módulos da estação.