Quem foi Edgar Allan Poe?
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
A primeira grande estreia da Netflix em 2023, O Pálido Olho Azul chega com uma proposta bastante curiosa que vai agradar não só os fãs de grandes suspenses como também os amantes de literatura clássica. O longa estrelado por Christian Bale coloca um investigador tentando desvendar uma série de assassinatos macabros ao lado de um jovem rapaz que, no futuro, será um dos grandes nomes do terror mundial: Edgar Allan Poe (Harry Melling).
A ideia de trazer o autor para dentro desse mistério sombrio não é bem original do filme, pois já fazia parte do livro no qual a trama é inspirada, escrito por Louis Bayard. Ainda assim, não há como negar que a participação de Poe nessa trama desperta a curiosidade, seja de quem já conhece seu trabalho como também de um público que vai ter contato pela primeira vez com o seu nome e seu bigode.
E essa brincadeira que o novo filme da Netflix faz é justamente para atrair a atenção para o autor, que segue sendo um dos mais influentes não só da literatura, mas de todo o nosso imaginário de terror até hoje. Embora seus contos e poemas sejam do fim do século XIX, seus escritos e delírios macabros foram tão marcantes que seguem inspirando obras até hoje — inclusive algumas bem populares do próprio streaming.
Qual foi a principal obra de Edgar Allan Poe?
Nascido em 1809, em Boston, Edgar Allan Poe é considerado até hoje um dos maiores escritores de terror de todos os tempos, um posto que é comumente disputado com H. P. Lovecraft. Contudo, enquanto este partiu para um estilo bastante particular de horror, cósmico e quase sem forma, Poe trouxe o sobrenatural para perto das pessoas em uma época em que isso não era tão comum.
Por isso, sua obra se tornou tão influente no século XX a ponto de reverberar até hoje na cultura pop. Seu poema mais famoso, O Corvo (1845), foi traduzido por Machado de Assis, citado pelo poeta Fernando Pessoa e pelo músico Belchior e é referenciado até mesmo na série Wandinha, da Netflix. Em outras palavras, ele segue presente até hoje sem qualquer exagero.
Todo esse fascínio está relacionado ao estilo que Poe adotou em seu trabalho — o que, por sua vez, é reflexo da sua própria história de vida. Ele se tornou órfão aos dois anos de idade e, mesmo tendo sido adotado logo em seguida, nunca pareceu se ajustar à sociedade e às expectativas que todos tinham dele. Fracassou como militar e como filho, lidou com perdas e o alcoolismo e encontrou uma forma de expor sua melancolia na literatura.
Assim, tanto os seus poemas quanto os contos têm esse tom sombrio carregado de uma angústia e pessimismo que não eram capazes de esconder a personalidade depressiva do autor. Contudo, o que encantou os leitores foi o modo como ele colocou essa carga psicológica em elementos grotescos que flertam com o sobrenatural, mas que ainda são muito palpáveis.
O maior exemplo disso é o fascínio da morte, algo até então pouco explorado pela literatura popular americana. Em O Corvo, por exemplo, o animal é o único companheiro do narrador que tenta se apegar à memória de um amor perdido, mas que tem apenas a resposta sombria da ave: “Nunca Mais”, como um lembrete de que a morte é definitiva e está à espreita de todos, assim como a solidão que a acompanha.
Em seus outros contos, ele volta a trazer essa força quase de outro mundo que levam seus personagens à loucura ou à extrema violência e que podem ser explicados por uma força do além ou por um simples descontrole da psique — e tudo isso sendo desenvolvido em uma época anterior ao surgimento da psicanálise, por exemplo. Assim, os seus escritos mexiam com sentimentos e despertavam emoções em seus leitores que muitos mal conseguiam compreender, mas que se espantavam ao compartilhar.
E tudo isso era feito com um estilo de escrita bastante particular, o que ajudou a diferenciar Edgar Allan Poe de outros autores de horror que vieram antes, como Mary Shelley. Embora falasse de coisas que assustavam e mexiam com o público, não se tratava exatamente de um monstro ou uma criatura bestial, mas de uma atmosfera que envolvia o texto e despertava aquela mesma melancolia e aquela pitada de loucura a quem lia.
É essa característica que fez com que a sua obra se tornasse tão influente ao longo dos séculos. Mesmo o terror enquanto gênero tendo evoluído e se transformado em coisas diferentes, muitas das raízes plantadas por Allan Poe seguiram a ponto de o horror psicológico ainda ser algo bastante presente nas narrativas modernas.
A importância de Allan Poe no cinema
Mas não é só O Pálido Olho Azul que brinca com a estética de Allan Poe no cinema. Na verdade, o que o novo filme da Netflix faz é apresentar um caso fictício para dar a entender que foi o episódio apresentado no roteiro que inspirou a literatura que ele viria a criar. Na verdade, a gente sabe que isso foi influenciado pelo seu próprio estilo de vida e suas angústias decorrentes disso.
Um dos maiores nomes do cinema, Alfred Hitchcock falou algumas vezes o quanto a obra de Edgar Allan Poe o influenciou em seus filmes e que tanto clássicos como Psicose e Os Pássaros bebiam desse grotesco que o autor apresentava, seja na parte psicológico ou mesmo no absurdo. E se você gosta das adaptações de Stephen King, saiba que o rei do terror moderno já reverenciou algumas vezes o estranho homem do bigode do século XIX, assim como Neil Gaiman.
Quem também indicou se inspirar nos poemas e contos góticos é Tim Burton, diretor responsável por clássicos como Edward Mãos-de-Tesoura, A Noiva Cadáver e Sweeney Todd, todos filmes que carregam fortemente a estranheza, o macabro e o grotesco que marcam toda a obra de Poe. Isso sem falar, é claro, do já citado Wandinha.