Mundo Mistério | Episódio 6 dirige olhares para as possibilidades de extinção
Por Nathan Vieira |
No dia 4 de agosto, a Netflix lançou a série Mundo Mistério, com Felipe Castanhari, do Canal Nostalgia. A produção é destinada a mistérios da ciência e da história. Já conversamos com o próprio Castanhari sobre os bastidores da série e estamos fazendo um especial sobre a série, comentando sobre cada um dos episódios e trazendo à tona a parte mais científica e tech de cada um. No caso do sexto episódio, ciência é o que não falta. "A Grande Extinção" propõe uma questão: a humanidade pode acabar? O planeta Terra pode deixar de existir?
Para compreender os conceitos trazidos no sexto episódio de Mundo Mistério, conversamos com o astrofísico André Vitorelli. Uma das possibilidades que a série traz é a "morte" do Sol. Recentemente, estudos associaram uma grande extinção que aconteceu na Terra com a explosão de uma supernova próxima.
- Mundo Mistério | Episódio 1 decifra enigmas do Triângulo das Bermudas
- Mundo Mistério | Episódio 2 faz pensar nas proporções de uma pandemia
- Mundo Mistério | Episódio 3 levanta possibilidades sobre viagem no tempo
- Mundo Mistério | Episódio 4 mistura afeto, seleção natural e seleção artificial
"Morte" do Sol
O astrofísico explica que o Sol é uma estrela de baixa massa, como a maioria, e por ter baixa massa, sua taxa de fusão no núcleo é menor por ter menos pressão da gravidade das camadas exteriores sobre o núcleo. Assim, o Sol tem uma vida longa, dezenas ou até centenas de vezes maior do que das estrelas de alta massa, que brilham muito mais, são muito mais quentes, e eventualmente explodem como supernovas (não todas).
"Quando uma estrela se forma, no começo, o aquecimento se dá apenas pela conversão de energia gravitacional da nuvem que a originou para energia térmica. No entanto, quando a pressão gravitacional e a temperatura no núcleo atingem um certo ponto, se torna possível fundir átomos, o que libera energia", aponta André. Ele ressalta que a estrela então passa a ter um equilíbrio entre a pressão gravitacional e a energia gerada pela fusão, que a mantém numa temperatura e luminosidade aproximadamente constante pela maior parte da vida, algo chamado de "sequência principal". Nesse estado, a estrela está convertendo uma pequena porção de hidrogênio do núcleo em hélio, e a cor e o brilho da estrela, nesse momento dependem praticamente só da sua massa.
Segundo o astrofísico, à medida que o hidrogênio vai diminuindo, o peso das camadas exteriores comprime o núcleo mais e mais, e aumenta a eficiência da reação. Então, quanto mais você aproxima o elemento de outro próton, mais eles se repelem, por força elétrica e também nuclear. Entretanto, se passar de um certo ponto, eles podem grudar nuclearmente. "O peso das camadas exteriores está fazendo força contra isso. Com o aumento da eficiência, o sol também se torna mais luminoso. Atualmente, o sol fica 1% mais luminoso a cada 110 milhões de anos, aproximadamente", explica o especialista.
A estimativa é que o aumento da temperatura na Terra por causa desse aumento de luminosidade, deve aumentar a taxa de todas as reações pertinentes à vida, e tornar o planeta terra incapaz de sustentar florestas em 600 milhões de anos. "Depois de 1,2 bilhões de anos, o aumento da temperatura terá tornado a vida na Terra impossível. Ou seja, muito antes de se tornar uma gigante vermelha, (em uns 5 bilhões de anos) a evolução do sol já deve mudar drasticamente o planeta".
Depois de terminada a queima do hidrogênio do núcleo, o Sol deve começar a queimar hidrogênio numa casca ao redor do núcleo e, devido a pressão da luminosidade gerada, se expandir, com suas camadas exteriores envolvendo Mercúrio, Vênus e possivelmente a Terra. Nessa fase, o Sol passa a perder uma fração significante de massa pelo vento solar e, depois de um tempo, uma nova contração leva a queima do hélio (resultando em carbono), e uma nova expansão. "Quando enfim, não houver mais hélio o suficiente para a reação ser eficiente a estrela se encolhe para o mínimo que puder, e passa simplesmente a esfriar, de anã branca para uma anã escura, que nunca foi vista, porque o universo não tem idade para ter estrelas nesse ponto".
A extinção dos dinossauros
Para mostrar que essa história de grande extinção não é algo inédito, o episódio foca também na extinção dos dinossauros. Segundo André, há muitas indicações do que houve naquele dia, há uns 66 milhões de anos atrás. De maneira geral, fósseis são encontrados em camadas, e quanto mais embaixo uma camada, mais antiga. Todos os fósseis de dinossauros não aviários encontrados estão abaixo de uma camada muito peculiar: ela tem composição e cor diferente, e é possível ver essa camada em muitos lugares do mundo, até no Brasil.
Na composição, sabe-se que a camada tem uma quantidade muito maior de Irídio do que em outras camadas da crosta terrestre. O Irídio é raro porque é siderófilo, a maior parte dele afundou com o ferro que está no núcleo da Terra. Em asteriides e cometas, no entanto, o Irídio é mais comum. Além disso, há evidências na costa do Golfo do México, nos EUA, de megatsunamis, e há grandes rochas de características diferentes, típicas do leito do mar, depositadas em camadas continente adentro. Há também a enorme cratera de Chicxulub, no México, que corresponde em idade e tamanho ao que seria esperado para juntar todos esses indícios.
"Em um dia fatídico, há 66 milhões de anos, um asteróide ou cometa de 10km de diâmetro, ou seja, de um tamanho comparável ao monte Mauna Kea, no Havaí, contando desde a base no fundo do mar, colidiu com a Terra. A velocidade relativa entre corpos no sistema solar é sempre da ordem das dezenas de quilômetros por segundo, ou seja, da ordem de algo talvez na casa dos 100 mil km/h", conta o astrofísico. Ele acrescenta que a energia do impacto, portanto, foi assustadora: centenas de milhões de vezes a bomba nuclear mais poderosa já testada, a Tsar Bomba.
"Pedaços enormes do chão decolaram, foram para o espaço e caíram em outras partes da Terra, florestas se incendiaram, ondas de até mais de 1km de altura atingiram algumas praias. Esses foram alguns dos efeitos momentâneos, os mais duradouros, como efeitos na atmosfera e clima são discutidos até hoje. Mas em geral, acredita-se que houve um aumento momentâneo da temperatura global, seguido por um inverno prolongado, com uma ruptura enorme na cadeia alimentar", disserta o especialista.
E é tendo isso em mente que existem vários projetos para tentar monitorar asteriides ou cometas que possam oferecer risco. André conta que, em geral, esses projetos funcionam catalogando descobertas de novos asteriides/cometas/etc e atualizando medições sobre suas órbitas. "Muitos objetos são descobertos hoje em dia por imagens astronômicas consecutivas do céu que, quando comparadas, mostram algum objeto se movendo. Aí, então, observações mais precisas são realizadas para saber do que se trata", afirma o astrofísico.
No entanto, ele alerta que tudo isso tem um certo limite de precisão, e simplesmente não temos como saber exatamente a órbita de um objeto, mas apenas tão bem quanto nossos instrumentos permitirem. Uma vez conhecidos os parâmetros de órbita, podemos calcular o risco de o objeto colidir com a terra como uma probabilidade (que tem a ver justamente com a precisão das medidas e a direção que o objeto está indo). "Até hoje, todas as vezes que o risco pareceu alto, é porque as medidas não eram suficientemente precisas para garantir que a chance do objeto colidir era pequena. De tempos em tempos, também, é preciso verificar órbitas de asteriides que passam perto para ver se houve alguma perturbação que mude as condições de risco", conclui André.
O episódio finaliza deixando no ar essa sensação de que a nossa existência está por um fio, e que o universo é uma infinidade de mistérios. Essa e outras questões científicas e históricas podem ser observadas ao longo dos oito episódios que constituem a primeira temporada de Mundo Mistério, já disponível no catálogo da famosa plataforma de serviços streaming.
*Com informações de PNAS