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Crítica | Por Uma Vida Melhor alerta sobre tráfico de mulheres e prostituição

Por| 18 de Outubro de 2020 às 22h00

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Divulgação / Netflix
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Aviso de gatilho: violência, exploração sexual, assassinato

Filmes jornalísticos costumam trazer verdades à tela de uma forma transparente para que o espectador entenda a gravidade da situação em uma narrativa explicativa, consciente e sem dar margem para uma romantização do problema em questão. Em Spotlight: Segredos Revelados (2015), o diretor Tom McCarthy teve que lidar com um assunto muito mais delicado envolvendo escândalos de pedofilia por padres, e apesar do filme trazer um retrato duro na totalidade, é possível afirmar que a cena mais chocante são os créditos finais, em que o público se depara com uma enorme lista de todas as cidades do mundo que registraram ocorrências de abuso entre padres e crianças.

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Atenção! A partir daqui, a crítica contém spoilers sobre Òlòtūré - Por Uma Vida Melhor. Leia por sua conta e risco.

Em Òlòtūré - Por Uma Vida Melhor, novidade nigeriana de Nollywood (considerada a terceira maior indústria de produção de cinema do mundo) comprada pela Netflix que chegou a desbancar o sucesso de Enola Holmes por alguns dias no Top 10 brasileiro, não há essa preocupação de poupar o espectador à realidade retratada na tela. Logo nos primeiros minutos, o diretor Kenneth Gyan traz um plano sequência que acompanha a jornalista Òlòtūré (Sharon Ooja) nas ruas de Lagos sob o disfarce de uma prostituta chamada Ehi. O espectador assiste a protagonista discutir com outras garotas de programa até entrar num bordel e ser escolhida por um cliente bêbado, que deseja pagar por seus serviços e a leva para o quarto.

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A fotografia nessa cena funciona de diversas maneiras, tanto para retratar os minúsculos ambientes em que essas garotas trabalham para conseguir dinheiro até o momento em que Òlòtūré sobe as escadas do bordel, como se o espectador fosse um mero intruso no local, assistindo escondido ao desespero da jornalista em escapar da situação. Essa cena funciona como um breve resumo do que virá nos próximos 90 minutos quando se trata do uso da câmera. A direção de fotografia de Malcolm Mclean é o grande elemento responsável por provocar diversas sensações no público, algumas até difíceis de continuar assistindo.

É somente aos 15 minutos de filme que o espectador é apresentado à premissa de Òlòtūré, uma corajosa jornalista que está disposta a entregar uma reportagem imersiva e reveladora sobre a dura realidade das prostitutas nigerianas. Não é a toa que a tradução literal do seu nome (que dá o título ao filme) significa resiliência. Em encontros com seu editor, que se passa por um cliente, a repórter divide sua vontade de permanecer sob o disfarce com o objetivo de descobrir mais segredos e informações da cruel rotina dessas mulheres cujos corpos não são mais sua propriedade.

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O filme peca um pouco nesse aspecto. Em nenhum momento a jornalista é vista tomando notas ou entrevistando informalmente outras garotas de programa, o que deixa esse fator jornalístico da trama em segundo plano e aparentemente é esse o intuito da direção de Gyan. Òlòtūré- Por Uma Vida Melhor acaba funcionando muito mais como um documentário baseado em fatos sobre a prostituição e o tráfico de mulheres nigerianas. O público é apresentado a diversos arcos além do da personagem que dá nome ao filme, explorando tanto o abuso e violência doméstica entre uma das prostitutas e seu cafetão, a denúncia do abuso de poder dos políticos do país, os acordos ilícitos entre a polícia e os traficantes e às pobres condições que essas mulheres são colocadas para venderem seus corpos.

"Essa história não é mais sua, é minha", diz Òlòtūré ao seu editor após ser drogada e estuprada por um dos mais poderosos políticos da Nigéria. O filme não poupa o público da brutalidade da situação, mostrando a cara do agressor durante o ato de maneira quase caricatural e focando em partes do corpo de Ehi em sua mais vulnerável situação. A partir desse momento a história acaba tomando um tom muito mais urgente e chocante, retratando com detalhes cenas de violência doméstica, assassinato a sangue frio e uma longa espécie de iniciação que as prostitutas são sujeitas para ter a oportunidade de saírem da Nigéria e irem para a Europa, tendo partes do corpo cortadas por outros homens enquanto estão sem roupa, além de serem abusadas sexualmente na frente de todo o resto das mulheres.

Òlòtūré- Por Uma Vida Melhor retrata em sua mais pura e mais explícita forma como funciona o tráfico de mulheres e a prostituição, dois mercados criados por homens e para homens movimentados por uma economia capitalista que mata cada vez mais vítimas e tira dessas jovens a liberdade de seus próprios corpos. Ponto para o filme também por não sugerir em nenhum momento que a prostituição é uma escolha de profissão.

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Em um final que funciona como um baque, a última cena abre para a mente do espectador criar seu próprio desfecho, dando a amarga sensação de um filme difícil de se engolir. Òlòtūré - Por Uma Vida Melhor coloca no dedo na ferida ao escrever na tela que o tráfico de pessoas é um nome moderno que deram à escravidão. Essa indústria movimenta US$ 150 bilhões globalmente, enquanto US$ 99 milhões são gerados apenas da exploração sexual.

Ao permitir que a protagonista tenha sua inocência assassinada por essa realidade cruel vivida diariamente por milhares de mulheres ao redor do mundo, o diretor Kenneth Gyan denuncia a urgência e preocupação necessária a dar para essa situação em que o mundo insiste em fechar os olhos. Por meio da ficção em 114 minutos difíceis de serem esquecidos, Òlòtūré faz esse retrato sem deixar de mencionar todos os nomes, profissões e órgãos públicos envolvidos nesses crimes.

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Necessário e com sua posição no Top 10 merecida, Por uma Vida Melhor está disponível no catálogo da Netflix.