Crítica Morbius | Uma tragédia anunciada
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
Em algum momento, durante as reuniões da Sony para desenvolver seu universo cinematográfico de super-heróis, alguém achou que seria uma boa levar Morbius para o cinema. Não só isso: alguém ouviu a proposta e gostou. E não parou por aí: deram dinheiro para esse projeto, leram o roteiro, assistiram às primeiras exibições, as segundas e todas demais e, mesmo assim, ninguém parou por um segundo para olhar para aquilo e dizer que era uma ideia estúpida. Pois agora que Morbius finalmente estreou nos cinemas, depois de vários adiamentos, só me cabe dizer isso: mas que ideia estúpida.
Criar um universo compartilhado em torno do Homem-Aranha, mas sem o personagem, é realmente uma tarefa bastante ingrata, mas não impossível. O herói tem uma galeria de vilões bastante popular e aliados ainda mais queridos pelo público, como a própria Gwen Stacy, Miles Morales e a Gata Negra. E, mesmo assim, alguém realmente achou que a melhor opção seria dar uma história para Morbius, um personagem que sempre foi irrelevante em todas as mídias por onde passou.
Todo esse delírio que a Sony parece ter passado ao longo da conturbada produção do filme era como uma tragédia anunciada que já estava clara nos trailers e que se confirmou agora com sua estreia. Morbius é um filme desconjuntado, que mal tem uma história para contar e que aponta para todos os lados sem saber ao certo o que quer ser — e que, assim, consegue ser apenas lamentável.
De onde menos se espera é que não vem nada
A barra de qualidade do Aranhaverso da Sony já não era muito alta. Os dois Venom são filmes terríveis, mas que fizeram um certo sucesso pelo carisma do personagem e pelo tom mais desbocado e irreverente do simbionte nos cinemas. É a velha estratégia de rir de si mesmo antes que os outros o façam — e que, em certa medida, funciona. Com Morbius, não há nem esse deboche para salvar.
Isso porque o filme estrelado por Jared Leto se leva a sério e tenta ser uma tragédia clássica, mas que se torna apenas uma caricatura disso.
A ideia do médico que tenta encontrar uma cura para sua doença e se transforma em um monstro nada mais é do que a velha trama de O Médico e o Monstro, ou seja, uma estrutura que a gente conhece há centenas de anos e que já foi replicada diversas vezes — inclusive na Marvel, com o Hulk. Então, era só seguir a fórmula e não tem como errar. Pois Morbius erra, e erra feio.
O principal ponto é que o longa não se decide sobre o que quer ser. A princípio, a ideia é ser mesmo esse drama sobre o médico genial que vira um vampiro e agora tem que lidar com a sede de sangue. Só que isso dura só meia hora, que é quando o filme tenta ser um terror, abusando dos corredores escuros, da trilha sonora pesada e dos jump scares para criar uma tensão que nunca se concretiza. No fim, tenta ser um filme de herói básico e nem mesmo isso ele consegue ser.
Desconjuntado
O mais impressionante é que a história, em si, não é ruim. Como disse, é uma estrutura que a gente já viu funcionar em outros filmes. A própria lógica do "monstro do bem que precisa lutar contra um monstro do mal" nada mais é do que os dois Venom da própria Sony.
Então, qual o problema com Morbius? A questão é que ele é um filme tão perdido que nem ele sabe o que quer ser e não consegue desenvolver nada do que propõe. Assim, nenhuma das narrativas apresentadas se desenrola para além do superficial.
A tragédia do médico perturbado é abandonada logo após Morbius fazer suas primeiras vítimas, o que faz que a gente não sinta em momento algum o peso da culpa do personagem por ter se transformado em um monstro. Em seguida, ele tenta criar um drama com o personagem e seu melhor amigo Milo (Matt Smith), mas tudo é desenvolvido de forma tão acelerada que não há como comprar essa relação, da mesma forma que não há justificativa alguma para a transformação moral do personagem além de o roteiro precisar dessa virada.
Aliás, soluções forçadas apenas para atender a trama é o que mais tem. De poderes que não fazem sentido para a fisiologia de um morcego — por que ele voa sem asas? E que bicho é esse que deixa sombras por onde passa? — até o relacionamento dos personagens, tudo existe por mera conveniência.
A médica Martine Bancroft (Adria Arjona) é uma boa prova disso. Ela é literalmente cúmplice de um experimento antiético em águas internacionais, testemunhou uma chacina e foi deixada para trás para responder à polícia e ao FBI pelo que aconteceu — e, mesmo tendo que encarar tudo isso, segue fiel a Morbius pelo simples fato de ser a mocinha que o roteiro exige.
São essas pequenas forçadas de barra que, somadas, fazem com que nada realmente faça sentido ou se encaixe em Morbius. Há uma série de colagens de situações e justificativas vazias que não se sustentam em momento algum e apenas evidenciam o quanto o longa não tem nada para contar.
Tanto a história de Morbius é inexistente que o longa termina sem uma conclusão. Ele literalmente se encerra após a luta final: o herói derrota o vilão e sobem os créditos, sem qualquer conclusão do arco do personagem, uma vez que não há nada disso. É como se os roteiristas estivessem com pressa para encerrar aquilo tudo para não ter que nunca mais mexer com esse personagem — e, se for o caso, não dá para condená-los.
E isso é muito triste pois é um enorme desperdício de talentos e dinheiro. Embora Jared Leto pareça estar com o dedo podre para escolher papéis ultimamente, a gente sabe do seu potencial como ator, mas o roteiro não oferece muito com o que ele possa trabalhar. O mesmo acontece com Matt Smith, que vive um vilão bastante caricato que não funciona nem como ameaça e nem como peso dramático para resgatar a humanidade do herói.
E ainda tem o coitado do Jared Harris, que faz apenas uma participação especial de luxo, já que seu personagem é completamente irrelevante para a história como um todo.
Truque sujo
A Sony tanto sabia que Morbius era vazio e tinha pouco a oferecer que apostou em uma estratégia um tanto quanto baixa na divulgação do filme: colocou cenas nos trailers que não estão no filme apenas para atrair a atenção do público que saiu empolgado com Homem-Aranha: Sem Volta para Casa.
Por isso, se você está curioso para conferir o longa para saber como ele se conecta ao Universo Cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla em inglês) ou mesmo com Venom, nem perca seu tempo. Nada daquelas cenas em que apareciam imagens do Homem-Aranha ou o prédio da Oscorp estão no corte final. No máximo, a cena pós-crédito faz uma ponte, mas sem grande impacto.
É claro que sempre há a possibilidade de tudo isso ter sido alterado na pós-produção e em alguma das regravações e Morbius não é o primeiro filme a fazer algo do tipo, mas é o tipo de coisa que apenas atesta a já baixa qualidade do longa.
Só que, no fim, a impressão que fica é que o estúdio precisou apelar para coisas que não existem para dar um fôlego a uma história que sabia que não funcionaria — e, se sabia que essa tragédia anunciada iria se confirmar, por que não interrompeu o infeliz que deu a ideia na primeira reunião e disse que aquilo era algo estúpido?
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