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Crítica | Fate: A Saga Winx peca como adaptação, mas oferece narrativa moderna

Por| 28 de Janeiro de 2021 às 11h35

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Quando Fate: A Saga Winx foi anunciada pela Netflix junto com um teaser que revelava as primeiras imagens da série, o público rejeitou de forma orgânica, muito pelo fato da produção ser adaptada da série animada que fez tanto sucesso entre a geração que acompanhava Bom Dia e Cia e TV Globinho todas as manhãs. Fate, assim como qualquer outra adaptação, sofreu as mesmas conclusões precipitadas mesmo um mês antes de chegar ao catálogo do streaming, o que impactou diretamente na opinião do público após maratonar os seis episódios da primeira temporada.

Como colocou Sihan Felix, o colunista de cinema do Canaltech, num artigo que fala justamente sobre como adaptações são, muitas vezes, uma tarefa ingrata: "a mente de um fã é quase sempre levada a acreditar que a narrativa e o visual que ele construiu em seu mundo particular seria o melhor resultado possível para a construção audiovisual". Por mais que Fate: A Saga Winx não seja uma obra perfeita, suas qualidades, embora pontuais, acabam sendo ignoradas justamente pelo hype de odiar a série. Vale lembrar que uma produção, seja criada do zero ou inspirada em outra obra, tem um único dever: contar uma história autossustentável, dependendo pouco ou nada de filmes, séries, livros ou quadrinhos paralelos.

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Transformar uma história já existente em outro formato, ou até dar continuidade para tal, é um enorme desafio. Nos últimos anos, Hollywood tem se aventurado em captar a memória afetiva dos amantes de cinema dos 1970 a 2000 e produzir reboots, sequências, prequelas e spin-offs de grandes sucessos; às vezes, isso dá certo, como vemos em Cobra Kai; outras vezes, não, como notado na adaptação do musical da Broadway, Cats, por exemplo. Independentemente do filme, série ou qualquer outro formato de entretenimento, o papel do produtor é contar aquela história de uma forma democrática, para qualquer tipo de espectador entender, refletir e, enfim, concluir se lhe agradou ou não; da criança ao idoso; do ignorante ao fã.

Fate: A Saga Winx pode não ser uma obra de primeira categoria da televisão, mas não é descartável. É válido admitir aqui que, talvez, o que tenha "estragado" a experiência do público com a série tenha sido justamente toda a expectativa diante da característica de ser uma adaptação de O Clube das Winx (2004), cuja estética, narrativa e acontecimentos funcionavam bem em sua época e em animação, mas que em nenhum momento foram impedidos de passarem por uma releitura — e é por isso que a série da Netflix é digna de se falar sobre.

Atenção! A partir daqui o texto pode conter spoilers. Leia por sua conta e risco.

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Desde o primeiro minuto da série, fica claro que pelo menos a primeira temporada será focada em Bloom (Abigail Cowen), uma fada com poder de fogo que viverá o primeiro dia de aula em Alfea, uma escola para seres místicos e poderosos. Ela ainda não sabe, mas sua história resume-se muito mais a apenas explorar e aprender a lidar com suas habilidades mágicas. Ao longo dos episódios, Bloom fará diversas descobertas sobre sua história e como ela está entrelaçada com a da instituição de ensino, bem como a aparição de monstros no local.

O primeiro episódio da série, como de costume, tem o objetivo de introduzir as personagens para depois, enfim, começar a desenvolver suas histórias. Não demora muito para o público conhecer as demais fadas, Aisha (Precious Mustapha) e Terra (Eliot Salt), que possuem habilidades para controlar outros elementos da natureza: água e terra, respectivamente; enquanto Stella (Hannah van der Westhuysen) tem poderes sobre a luz e Musa (Elisha Applebaum) possui o dom de sentir as emoções de qualquer outra pessoa que esteja perto dela. Diferente da original, o live-action não possui a sexta fada, Tecna, que, na história animada, era a mais inteligente do grupo, sempre propondo planos novos, além de ser ligada a assuntos da tecnologia e ciências.

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Embora a adaptação não exigisse que todos os personagens de O Clube das Winx fossem retratados na série da Netflix (assim como aconteceu com a ausência de Chang e Mushu no live-action de Mulan, por exemplo), a escolha do elenco decepcionou (e com razão) parte do público que acompanhava a história original. As personagens Terra e Musa sofreram o que é frequentemente chamado de whitewashing: de acordo com a produção da série animada, Musa foi inspirada na atriz Lucy Liu, filha de chineses, mas acabou sendo representada no live-action por uma atriz branca. Já a personagem Flora (que foi adaptada para Terra em Fate) foi inspirada na cantora Jennifer Lopez, descendente de porto-riquenhos, e, por conta disso, sua pele é mais escura do que as demais fadas — embora seja interessante ver uma poderosa fada ser interpretada por uma atriz gorda e trazer essas questões para a tela, é decepcionante pensar que a produção não viu outra maneira de fazer isso sem embranquecer a personagem.

Há, sim, representatividade no restante da série, mas o que é mais incômodo é como a produção não sabe utilizá-la, criando uma narrativa que até reforça dinâmicas e estereótipos racistas. Aisha, a fada da água, é interpretada pela atriz Precious Mustapha, que é negra como a personagem original, mas curiosamente é a única fada na adaptação que não possui uma história própria. Desde sua primeira aparição, Aisha tem como único objetivo na tela ajudar Bloom, sendo a típica "personagem escada" para que a protagonista consiga completar seu arco.

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É claro que nenhuma das outras personagens são tão bem desenvolvidas quanto Bloom, mas em momentos pontuais é possível descobrir um pouco mais sobre a história de cada uma: seja Stella e o mistério com a ex-colega de quarto e a relação problemática com a mãe; Musa e os traumas familiares e dificuldades de lidar com o próprio poder; Terra e os problemas na autoestima, além da relação com o próprio pai; até Beatrix (Sadie Soverall, que rouba a cena diversas vezes), aqui cumpre o papel de antagonista da história possui um arco mais aprofundado que Aisha, que embora seja tão poderosa quanto, tem os traços de personalidade limitados a ser uma pessoa carinhosa, companheira e solícita — porque na realidade foi tudo o que o roteiro a permitiu ser.

Como não se sabe ao certo se Fate: A Saga Winx utilizou a primeira temporada para explorar e desenvolver a história de Bloom, há uma leve esperança para que as outras fadas e principalmente Aisha sejam melhor aproveitadas no futuro. A série cumpre bem o papel de modernizar os personagens para a atualidade, sendo nos interesses, hobbies e até em vestuário, cabelo e maquiagem — já que se a série seguisse as roupas do desenho original, abriria margem para uma sexualização desnecessária. Pensando no público jovem, mas maduro, o live-action ainda aproxima questionamentos e situações atuais numa linguagem moderna, que dificilmente são mostradas em séries e filmes, como o uso de álcool e maconha, a exploração da bissexualidade e estereótipos de gênero.

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Como já visto em outras produções da Netflix, a empresa não costuma economizar em direção de arte e efeitos visuais, e em Fate: A Saga Winx isso é visto nitidamente na tela. As aulas de magia e até mesmo os momentos em que as fadas estão praticando, lutando ou apenas mostrando seus poderes a outros personagens são um verdadeiro deleite visual e, precisamente, o que boa parte do público esperava assistir. O único ponto decepcionante aqui é (além da ausência de asas, como a própria protagonista brinca no primeiro episódio) são as cenas das tradicionais "transformações" das Winx ao lutar contra um vilão — quando finalmente acontece, dá a impressão ao espectador que poderia ter durado muito mais.

A história em si é intrigante, com um tom sombrio e cheio de mistérios, além de entregar uma estética mágica, arcaica e moderna ao mesmo — digna de se maratonar. Fate: A Saga Winx possui defeitos e isso é fato, mas se assistida sem se prender a produção que lhe deu origem, pode ser amada pelos fãs como uma série independente e, se a Netflix permitir, com muitas temporadas.

A primeira temporada de Fate: A Saga Winx está disponível na Netflix.